Feliz Natal

Feliz Natal

A Primeira Guerra Mundial, ou  Grande Guerra, é considerada uma das mais brutais e, contemporaneamente, a mais terrível das guerras. O seu espólio transformou as relações internacionais e a forma como era conduzida. É nesse contexto que o filme Joyeux Noël — ou melhor dizendo, Feliz Natal — relata um fato histórico pouco conhecido e de significado inexplicável, tanto durante a condução da Grande Guerra, como nos dias atuais. 

A Primeira Guerra Mundial se iniciou em 1914, após o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand da Áustria, este acontecimento foi considerado por muitos historiados o estopim para um coflito em toda a Europa, o qual teve seu término em 1918. A Alemanha, a Áustria-Hungria, a Bulgária e o Império Otomano se uniram contra a Grã-Bretanha, a França, a Rússia, a Itália, a Romênia, o Japão e os Estados Unidos, respectivamente potências centrais e as potências aliadas. Devido às novas tecnologias militares e aos horrores da guerra de trincheiras, a Grande Guerra teve níveis sem precedentes de carnificina e destruição (HISTORY, 2020).

Com personagens fictícios e extremamente cativantes, Joyeux Noel é uma produção de cooperação entre França, Alemanha, Reino Unido, Bélgica e Romênia. Estes são países que lutaram entre si na Primeira Guerra, mas que, em 2005, lançaram um filme sensível e pungente sobre um fato inusitado que aconteceu nas vésperas do natal de 1914. Os principais personagens são os irmãos escoceses William e Jonathan, os quais se alistaram para o conflito de forma entusiasmada, uma vez que estariam fazendo parte de um momento histórico. Além deles, o ministro anglicano da comunidade dos irmãos também se voluntaria, como uma forma de cuidar dos irmãos e levar sua crença para um momento tão vulnerável. Em Berlim,  Alemanha, o tenor Nikolaus Sprink é convocado de forma obrigatória, e sua companheira Anna Sorensen, uma soprano famosa, fará de tudo para reencontrar seu amado. Por fim, o tenente francês Audebert prepara-se para o início da Guerra, deixando para trás sua esposa grávida.

Após a introdução dos personagens, a trama se desenvolve a partir de Anna Sorensen e sua iniciativa de realizar um recital na véspera do feriado de 25 de dezembro para o príncipe herdeiro no seu quartel. O evento ocorre bem, apesar de certa relutância por parte de alguns generais, e Anna encontra seu amante, o tenor Nikolaus Sprink. Após o fim do recital, o tenor leva-a à trincheira em que batalhava. Sprink e Sorenson, estando na linha de frente começam, o próprio recital para os soldados, cantando “Silent Night” e “Adeste Fidelis”. Do outro lado do forte alemão, os escoceses e franceses, tocados com as árvores de natal colocadas em cima das trincheiras, se encantam ainda mais ao som da apresentação dos amantes músicos. 

Aos poucos, os soldados aparecem acima das trincheiras inglesas e escocesas, se desarmam e se aproximam  à fonte da música, além de complementarem o recital com as gaitas de foles escocesas. Na Frente Ocidental, os comandantes britânicos, escoceses e alemães decidem estabelecer um cessar-fogo, sem consultar seus superiores. É como se o natal os tivesse feito relembrar de como a vida era antes do conflito:, uma data feliz, um momento de celebração, seja religioso ou não, um momento para celebrar a vida mesmo em meio a guerra, mesmo que elas estivessem por um fio no dia seguinte. Foi assim que os rivais saíram de suas trincheiras e se encontraram no meio de uma terra de ninguém para comemorar o Natal em união. Considerados inimigos mortais, juntos trocaram bebidas, comidas e fotos de suas esposas e familiares. Cantaram, festejaram e celebraram, até mesmo assistiram uma missa orquestrada pelo padre anglicano. No dia seguinte, concordaram em estabelecer mais um dia de trégua e aproveitaram para enterrar os soldados que estavam mortos na “terra de ninguém” e, no final do dia, até participaram de um jogo amistoso de futebol.

A Trégua de Natal é um dos fatos históricos mais surreais, imprevisíveis e venustos não só da história da guerra, mas da civilização mundial. De acordo com a History, dissipando do filme em questão, mas voltando para o que de fato aconteceu, esse episódio natalino foi relatado nas memórias dos soldados participantes, como o do metralhador britânico Bruce Barinsfather. Bruce relata que a partir de canções de natal do outro lado do campo de batalha, nas trincheiras alemãs, britânicos e escoceses pararam para ouvir a música, e o que ocorre depois é história. Os soldados inimigos apertavam as mãos e direcionavam palavras de gentileza uns aos outros. Parece um conto de natal, mas não é: foi real e, ao contrário do que se poderia esperar de soldados na Grande Guerra, o inverossímil aconteceu. Os soldados trocaram canções, fumo e vinho, juntando-se a uma festa natalina espontânea na noite fria.

Para aqueles que participaram, foi certamente uma pausa bem-vinda do inferno que estavam enfrentando. Quando a guerra havia começado apenas seis meses antes, a maioria dos soldados imaginou que ela terminaria rapidamente e eles estariam em casa com suas famílias a tempo para as férias. Não apenas a guerra se arrastaria por mais quatro anos, mas provaria ser o conflito mais sangrento de todos os tempos. (HISTORY, 2019) 

As consequências da implementação de uma Trégua de Natal sem autorização oficial foram similares às do filme. Por meio das cartas dos soldados para seus familiares, seus superiores descobriram o episódio, uma vez que as correspondências eram abertas e lidas como uma forma de política contra espionagem. O alto comando dos exércitos repudiou o ato e os soldados foram punidos pela confraternização espontânea, e exigiu-se que nunca mais se repetisse a ocasião.

Em Joyeux Noel, todos os personagens sofrem punições pela celebração não autorizada, cada personagem sofre condenações sejam pelo exército, sejam morais. Tropas novas foram trazidas para substituir os soldados que participaram do ato, em razão de terem sido considerados subversivos e contagiados por uma experiência que não poderia ocorrer novamente. Afinal, era necessário ver o inimigo como bárbaro e desumano, a guerra dependia disso aos olhos dos comandantes e dos Estados.

Por fim, trago o relato de uma das cenas mais tocantes do filme, na qual a Trégua de Natal demonstra que uma guerra não é executada por máquinas, mas por seres humanos:

Palmer, o padre anglicano, é duramente criticado por seu bispo, que argumenta que Jesus não veio para trazer a paz, mas uma espada. Mais tarde, vemos o bispo dizendo aos novos recrutas que eles estão em uma cruzada, uma guerra santa pela liberdade. Ao ouvir essas palavras e perceber o quão longe essa visão está dos ensinamentos de Jesus, Palmer tira sua cruz, deixa-a na cabeceira da cama e vai embora. (FREDERIC e BRUSSAT,) 

 

Joyeux Noël, Merry Christmas, Frohe Weihnachten, Feliz Navidad e Feliz Natal a todes.

Ana Clara Bueno

Estudante de Relações Internacionais pela UFG. Apaixonada por Direitos Humanos, Segurança internacional e Política Externa. Mescla todas suas paixões com produções cinematográficas. Futura ativista dos Direitos dos Animais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *