ENTREVISTA COM O EMBAIXADOR DO BRASIL NA MAURITÂNIA, V.ex.ª Leonardo Carvalho Monteiro 

ENTREVISTA COM O EMBAIXADOR DO BRASIL NA MAURITÂNIA, V.ex.ª  Leonardo Carvalho Monteiro 

Bandeira da República Islâmica da Mauritânia

O Dois Níveis tem a honra de apresentar para seus leitores entrevista exclusiva com o Embaixador do Brasil na República da Mauritânia, V. Exa. Leonardo Carvalho Monteiro. Antes, contudo, cabe discorrer acerca desse país a fim de conhecer um pouco mais sobre sua história, geografia e posição política nas relações internacionais.  

República Islâmica da Mauritânia

A Mauritânia faz parte do Magreb, região do Saara, no norte da África. O país é uma República Islâmica, constitucional e semipresidencialista, tendo sua Carta Constitucional de 1985 declarado o islã como a religião de Estado, e a Sharia como a lei oficial. Seu presidente é o General aposentado Mohamed Ould Ghazouani, que assumiu o cargo em 2019 ao suceder seu aliado próximo Mohamed Ould Abde Aziz, que tinha conduzido o país por mais de uma década. 

A nação foi o último país da África francófona a tornar-se independente, o que ocorreu somente em 1960. Em 27 de Outubro de 1961, o país foi admitido nas Nações Unidas embora ainda houvesse oposição forte do Marrocos, que reivindicava o território alegando que fazia parte do que chamou de “Grande Marrocos”, formado pela Mauritânia, parte do Mali, o Saara ocidental e parte do Saara argelino. Somente em 1969, o Marrocos passou a reconhecer a nação da Mauritânia.

A constituição do país é datada de 1991, tendo sido revisada em 2012. trata-se de um documento que busca afirmar sua independência e território, destacando os valores e crenças do país com forte menção à Alá e aos valores do Islã desde o seu preâmbulo:

“Confiando na onipotência de Alá, o povo mauritano proclama a sua vontade de garantir a integridade do seu Território, a sua Independência e a sua Unidade Nacional e de assumir a sua livre evolução política, económica e social. (…)

Forte pelos seus valores espirituais e pela irradiação da sua civilização, proclama também, solenemente, o seu apego ao Islã e aos princípios da democracia tal como foram definidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948 e pela Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos de 28 de Junho de 1981, bem como nas outras convenções internacionais subscritas pela Mauritânia (…).”

O Brasil possui boas relações diplomáticas com o país, caracterizada pela reciprocidade. As representações são bilaterais, com a presença da Embaixada da Mauritânia instalada em Brasília e a Embaixada do Brasil em Nouakchott, capital do país. 

Foto: Dr Ondrej Havelka

A Entrevista

A entrevista a seguir abordou temas como relacionamento diplomático e comercial entre o Brasil e a Mauritânia, as oportunidades e prognósticos futuros da integração regional na relação dos países e, por fim, um pouco das impressões pessoais do Embaixador em sua vivência na nação e conselhos para aqueles que almejam seguir a carreira diplomática.

O Embaixador Leonardo Carvalho Monteiro é formado em Letras pela Universidade Mackenzie/SP e foi nomeado em 2016 para assumir a chefia da Embaixada do Brasil em Nouakchott.

Anteriormente, serviu nas embaixadas em Copenhague, Wellington e Varsóvia e atuou como cônsul geral adjunto no Consulado Geral em Ciudad del Este, Barcelona e Paris, desempenhando, ainda, a partir de 2014, a função de ministro-conselheiro e encarregado de negócios em Jacarta.

Gostaria de agradecer em especial o próprio Embaixador Leonardo Carvalho Monteiro por conceder-nos seu tempo na realização dessa entrevista. Gostaria de agradecer também a toda a equipe do 2N Entrevistas – Gustavo Milhomem, Camila Cavalcanti, Eduardo Gabriel Moncada e Debora Bregalda.

Uma excelente leitura para todos!

Dois Níveis: No próximo dia 28 de novembro, a Mauritânia completará 62 anos de independência da França. Esse tempo quase coincide com a relação diplomática com o Brasil, que data de 1961. De que forma essa relação Brasil-Mauritânia pode ser caracterizada? O senhor enxerga que tem havido um maior estreitamento neste relacionamento ao longo dos anos?

Embaixador Monteiro: A relação pode ser caracterizada como de amizade, porém pouco próxima até a decisão de se abrir embaixadas residentes em Nouakchott e Brasília. A partir de 2010, as relações ganharam outra dinâmica, com visitas recíprocas de autoridades, intensificação do comércio bilateral e interlocução quanto a temas da agenda internacional. A compra de aeronaves militares super tucano pela Força Aérea mauritana e de aviões civis da Embraer pelo governo mauritano selaram em definitivo essa aproximação.

Dois Níveis:  Em setembro deste ano, foi firmada a Declaração Conjunta sobre a Cooperação Atlântica, por países costeiros que fazem fronteira com o Oceano Atlântico e membros da comunidade de países do Atlântico. A declaração foi assinada pelos Governos dos Estados Unidos da América, Angola, Argentina, Brasil, Canadá, Costa Rica, Costa do Marfim, Espanha, Gana, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Irlanda, Mauritânia, Holanda, Noruega, Portugal, Reino Unido e Senegal.  O senhor acha que essa iniciativa pode estreitar ainda mais os laços entre Brasil e Mauritânia? Como o senhor enxerga as oportunidades que podem surgir, diante dessa importante cooperação regional?

Embaixador Monteiro: A Declaração é um importante instrumento para intensificar a cooperação entre os países com fronteira com o Oceano Atlântico. No entanto, como a Mauritânia dispõe de uma força naval extremamente limitada, não se vislumbra, a curto e médio prazos, como o instrumento poderá agregar ao que vem sendo feito para aproximar os dois países.

Dois Níveis: O Brasil possui importantes relações comerciais com países que fazem fronteiras com a Mauritânia como, por exemplo, Marrocos, Senegal e Mali.  Acha que a localização do país pode facilitar de forma estratégica para a entrada e escoamento de produtos brasileiros nos demais países da região? 

Embaixador Monteiro: Com certeza. Caso fosse criada uma linha de cabotagem marítima regular entre os dois países, os produtos brasileiros teriam maior facilidade de acesso a países como Burkina Faso, Niger e Chade.

Dois Níveis: Em 2018, foi realizada a Missão Norte da África, pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira, com a visita ao país de empresas brasileiras, principalmente dos setores de alimentos e bebidas, agronegócio, calçados e cosméticos. Um pouco mais de quatro anos depois, quais são os frutos gerados por essa iniciativa?

Embaixador Monteiro: Vários exportadores brasileiros puderam conhecer e se familiarizar com as peculiaridades do mercado mauritano, até então desconhecido para a maioria deles. Naquele ano e no ano seguinte houve pequeno acréscimo das exportações brasileiras de alimentos, calçados e cosméticos. Um fator que limita uma maior expansão das exportações é o pequeno escopo do mercado consumidor mauritano em razão do baixo poder aquisitivo da maioria da população.

Dois Níveis: Em relação ao tema da defesa, a ABIMDE – Associação Brasileira das Indústrias de Defesa e Segurança – expôs que o Brasil tem planos ambiciosos para sua indústria nacional de defesa, com metas de atingir entre US$ 4,5 bilhões e US$ 6 bilhões no futuro em exportação nessa área (BIDS-BR, 2022). Nesse contexto, o senhor acha que o Brasil pode ampliar seu espaço como fornecedor de tecnologia de defesa para Mauritânia, diante da presença de conflitos nas regiões vizinhas?

Embaixador Monteiro: O país, por intermédio da Embraer e de suas subsidiárias, Atech, Badar e Vision, já ocupa um importante lugar no mercado mauritano no que diz respeito a sistemas de rastreamento aéreo, controle de tráfego aéreo e controle por satélites.  Ademais, o Brasil vende revólveres, coletes e bombas de efeito moral ao exército e polícia mauritana. Há espaço para ampliar nossa presença, principalmente nas áreas de mísseis, carros blindados e drones.

Dois Níveis: Em relação ao turismo, o senhor enxerga as zonas exóticas de deserto existentes no país, bem como a coexistência das culturas árabes e etnias africanas como potenciais  atrativos para  turistas brasileiros? 

Embaixador Monteiro: De uma forma extremamente seletiva, pois trata-se de uma cultura, aos olhos de um brasileiro, acentuadamente exótica e portanto atrativa a uma minoria.

Dois Níveis: Em relação à Pandemia de COVID-19, como o senhor olha os impactos na Mauritânia a curto e médio prazo? 

Embaixador Monteiro: Houve um impacto considerável da pandemia na economia mauritana ao longo dos anos 2020 e 2021. Já neste ano, os efeitos deletérios praticamente desapareceram e prevê-se um crescimento de 4% da economia em 2022. Do ponto de vista sanitário, o governo gerenciou bem  a crise e as mortes decorrentes da COVID-19 foram em número pouco significativo e muito abaixo da média dos países vizinhos.

Dois Níveis: De acordo com climatologistas, o deserto do Saara está se expandindo e isso tem tido impacto direto nas regiões do interior da Mauritânia. As mudanças climáticas têm causado, ainda, o aumento da temperatura no país.  A BBC publicou no ano passado um artigo sobre a dificuldade da vida no interior da Mauritânia com temperaturas acima de 50º. Passando para uma perspectiva pessoal, como tem sido a sua vivência em meio a essa dificuldade climática? 

Embaixador Monteiro: Para alguém como eu, oriundo de um país de clima tropical, tem sido um grande desafio conviver com temperaturas tão elevadas e índice pluviométrico muito rarefeito do deserto do Saara.. O fato de morar em Nouakchott, cidade costeira, ameniza as altas temperaturas, principalmente à noite, entre novembro e junho. Porém quando há tempestades de areia provenientes do deserto, somente há uma solução: permanecer em casa com portas e janelas fechadas. 

Dois Níveis: O Dois Níveis busca abranger um público-alvo bem diversificado, mediante uma linguagem significativa e simplificada, que possibilite a democratização do conhecimento. Desta forma, somos acessados por muitos estudantes que se interessam pela área de Relações Internacionais e diplomacia. Como um Ministro de Segunda Classe do Quadro Especial da Carreira de Diplomata do Ministério das Relações Exteriores, qual conselho o senhor daria para os estudantes que nos acessam, que almejam entrar para a carreira diplomática?

Embaixador Monteiro: Eu diria que a carreira diplomática solicita um espírito de abnegação muito grande. A vida pessoal do funcionário, principalmente se casado e com filhos, é muito afetada e, após vários anos de exercício profissional, há um desgaste natural pela vida de nômade que se leva. Por outro lado, a recompensa é muito grande no que diz respeito ao conhecimento de outros povos e culturas e principalmente experiência de vida. Se eu tivesse de recomeçar minha vida profissional, não hesitaria um só minuto e prestaria o concurso ao Instituto Rio Branco uma vez mais. 

Referências

Imagem: Men with camels at the Moorish Chinguetti. Fotografia de Dr. Ondrej Havelka (cestovatel). 2006. Wikimedia. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:The_Moorish.jpg – acesso em 14 de novembro de 2022.

Constituição da Mauritânia de 1991 (revisada em 2012) – acesso em 7 de novembro de 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98066/constituicao-da-mauritania-de-1991-revisada-em-2012

Declaração Conjunta sobre a Cooperação Atlântica – acesso em 14 de outubro de 2022. Disponível em: https://br.usembassy.gov/pt/declaracao-conjunta-sobre-a-cooperacao-atlantica

Mauritânia independente há 60 anos – acesso em 10 de novembro de 2022. Disponível em: https://www.rfi.fr/pt/áfrica

Vida a 50º na Mauritânia – acesso em 14 de outubro de 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/media-58956964

Priscila Tardin

Luso-brasileira, apaixonada pela África. Profissional do Direito que está se especializando em Relações Internacionais para viver o melhor desses dois mundos. Entusiasta de novos desafios e experiências transculturais, com muita facilidade em comunicação e no aprendizado de novos idiomas.

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