Resenha “Muito Longe de Casa”, de Ishmael Beah

Resenha “Muito Longe de Casa”, de Ishmael Beah

“Muito Longe de Casa: Memórias de um menino-soldado” é a autobiografia de Ishmael Beah, um garoto que foi obrigado a lutar a guerra de homens. Ishmael nasceu em Serra Leoa, em 1980. A partir da década de 90, uma guerra civil assolou o país e causou diversas crises. Apesar desse cenário, o autor teve uma infância normal, num vilarejo longe dos conflitos, escutando rap americano e dançando com seus colegas.

“Ouvíamos tantos tipos de histórias sobre a guerra que ela parecia estar acontecendo em uma terra distante e desconhecida. Só quando os refugiados passaram a cruzar nossa cidade começamos a perceber que a guerra estava ocorrendo mesmo em nosso país.”

Muito Longe de Casa: Memórias de um menino-soldado.

Serra Leoa é um país localizado na África Ocidental, e a guerra civil serra-leonês começou em 1991, liderada pela FRU (Frente Revolucionária Unida), com o fito de derrubar o governo do país. Os onze anos de conflito resultaram em mais de 50 mil mortos e mais de 2 milhões de pessoas deslocadas. O fim da guerra se aproximou com a derrocada da FRU pelo exército serra-leonês, e o combate terminou em 2002, com um anúncio do presidente Ahmad Tejan Kabbah. Uma das características dessa luta armada foi o uso de crianças na frente de batalha. Conhecidos como meninos-soldado, crianças e adolescentes foram forçados a embarcar na violência de adultos. Os dados do UNICEF dizem que existem mais de 300.000 jovens nessa mesma situação, em locais diferentes no mundo, que vão da Colômbia, ao continente africano, aos países afetados pelo terrorismo no Oriente Médio, até a Rússia. O livro também relata como os soldados davam drogas como heroína para que os jovens tivessem coragem de ir para o front.

“As únicas guerras que eu conhecia eram as que eu tinha lido nos livros ou visto em filmes […]. Minha imaginação, aos dez anos, não tinha a capacidade de compreender o que poderia ter roubado a felicidade dos refugiados.”

Muito Longe de Casa: Memórias de um menino-soldado.

Ishmael Beah viu seu vilarejo ser destruído quando tinha 12 anos. Vagou sozinho por meses numa nação devastada pela guerra. Depois de muito tempo, encontrou um grupo de amigos e, assim, eles continuaram a fugir do conflito. Alguns morreram no caminho, marcando a sua história. Ishmael foi obrigado a crescer quando deveria ter aproveitado seus anos de juventude. Perdeu o lar, a família e os amigos. Uma vítima dentre inúmeras.

“Quantas vezes mais vamos ter que enfrentar a morte até encontrarmos segurança? (…) Toda vez que somos perseguidos por gente que quer nos matar, fecho os olhos e espero pela morte. Apesar de ainda estar vivo, sinto como se, a cada vez que aceito a morte, parte de mim morresse. Muito em breve eu vou morrer completamente e tudo que sobrar de mim será meu corpo vazio, andando com vocês. Ele será mais silencioso do que eu”.

Muito Longe de Casa: Memórias de um menino-soldado [palavras de seu amigo, Saidu].

Depois de muito vaguear, o garoto foi submetido a lutar sob o comando da FRU. Esse período de combate foi nebuloso, quase apagado da sua mente por causa do consumo das drogas que eram-lhe oferecidas. Logo em sua primeira batalha, viu um amigo ser alvejado. Depois disso, Beah se entregou ao conflito. Tal situação é demais para qualquer um, e ele não tinha escolha.

Quando finalmente foi resgatado, demorou bastante para se acostumar com a nova vida livre da guerra. Além disso, após tudo o que tinha feito, parecia-lhe difícil conviver com seus pensamentos. Contudo, ele se encontrou com parte de sua família e se tornou uma voz ativa na luta em defesa das crianças e adolescente que são soldados.

O livro tem uma riqueza de detalhes impressionante e toca o leitor a cada página. Os temas tratados variam sobre a situação da guerra civil, dos meninos-soldado e das consequências dos anos de luta. É uma narração dura e profunda, e a violência vista pelos olhos de uma criança é algo que deve ser lido para ser entendido e evitado no futuro. Muito Longe de Casa é uma leitura que não pode ser ignorada.

Talita Soares

Formada em RI pela UFG, leitora nas horas vagas.

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