Resenha: “Que eu seja a última”, de Nadia Murad

Resenha: “Que eu seja a última”, de Nadia Murad

O livro foi escrito pela ativista de direitos humanos e vencedora do premio Nobel da Paz, Nadia Murad. Ele é um relato biográfico da sua história de cárcere no meio do Estado Islâmico e de sua fuga.

Nadia faz parte da minoria étnico-religiosa Iazidi, presente principalmente no Iraque e na Síria. Existe cerca de 800 mil a um milhão de iazidis no mundo, e a maior parte está localizada na fronteira do Iraque com a Síria, na região de Sinjar. Esse povo pratica uma religião sincrética, o iazidismo, que tem elementos do cristianismo e do islamismo, e tem conexão com o zoroastrismo. Saber que não existe conversão dentro do iazidismo é importante, apenas quem é Iazidi pode fazer parte da religião. Logo, qualquer forma de massacre dessa população afeta profundamente a comunidade e a continuação de sua cultura. Além disso, os iazidis são considerados infiéis pelos extremistas islâmicos e são constantemente perseguidos por terem a adoração a anjos como parte da fé.

A biografia de Nadia explicita sua brutal experiência com os militantes do EI, os dias do cerco de seu vilarejo, o cárcere, a fuga e a sua chegada na Alemanha. Mas como isso tudo começou?

Em 2014, Estado Islâmico invadiu a região de Sinjar, perto da fronteira iraquiana com a Síria, e causou o que ficou conhecido como o genocídio de Sinjar. A obra descreve toda a estratégia dos terroristas para causar a morte do povo Iazidi. Quando o cerco ocorreu, o seu vilarejo recebeu duas opções: se converter ou morrer. Como nenhuma ajuda chegou ao povo – apesar dos pedidos aos curdos, ao exército iraquiano e à comunidade internacional –, os Iazidis escolheram morrer.

Todos os homens da sua comunidade foram chacinados e os meninos foram separados das famílias e enviados a campos de treinamento para serem doutrinados e servirem ao EI. Além disso, as mulheres acima de 45 anos foram separadas das mais jovens e assassinadas. As que sobreviveram foram submetidas ao tráfico humano.

O livro não poupa os detalhes do que Nadia teve de passar até conseguir fugir. Desde sua venda, à separação de suas sobrinhas, aos estupros – do que é conhecida como jihad sexual – e à sua fuga não planejada, a história é intensa. A cada página, o leitor se pergunta como a comunidade internacional permitiu que algo assim acontecesse.

A leitura é rica em informações sobre a cultura Iazidi, e isso permite um melhor entendimento da história com o passar das páginas – além dar uma nova perspectiva sobre todo o sofrimento da minoria étnica. Exige esforço ver a impotência de Nadia Murad perante o terror do Estado Islâmico, e lidar com os temas que são tratados na obra. Exemplificando: tráfico sexual de meninas e mulheres, genocídio de um povo, doutrinação dos extremistas islâmicos, conversão forçada ao islamismo, estupro, suicídio, vivência numa sociedade patriarcal e muitos outros. É um relato forte, impressionante e indispensável para uma maior compreensão da violência da guerra e do tráfico humano. O texto é profundo, porém existem partes mais leves – principalmente as que falam da vida antes do EI – que trazem um pouco de paz para tamanha dor.

Talita Soares

Formada em RI pela UFG, leitora nas horas vagas.

Um comentário em “Resenha: “Que eu seja a última”, de Nadia Murad

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *