Botsuana – a Joia Rara da África Subsaariana

Botsuana – a Joia Rara da África Subsaariana

Capital de Botsuana, Gaborone.

INTRODUÇÃO

Você já ouviu falar sobre Botsuana? Alguns podem não conhecer esse pequeno país localizado na África Subsaariana, porém, ele tem muito a nos ensinar sobre seu modelo de desenvolvimento e tem potencial para ser um grande exemplo, não só o continente africano, mas para todos os países emergentes. Ficou curioso? Pois o artigo de hoje pretende destrinchar este caso de sucesso econômico e social no coração da África.

Após cerca de oito décadas de colonização, em 1966, a então região de Bechuanalândia se tornou independente do Reino Unido e adotou o novo nome de Botsuana. É um dos poucos países africanos, entre as 54 nações do continente, que desde sua independência, não teve um governo militar, além de apresentar uma democracia vibrante e um progresso econômico-social desde então. A economia do país é liberal, o governo facilita a entrada de investimento externo, principal atividade econômica do país é a mineração, porém, cresce consideravelmente o setor turístico por causa das belíssimas paisagens naturais do país (CIA, 2021).

Em questões territoriais, Botsuana é o 50º maior país do mundo, com pouco mais de 581.000km2, o que a torna maior que Alemanha, Suécia, Espanha e Iraque. Faz fronteira com a Namíbia, África do Sul, Zimbábue, e tem uma curiosa fronteira de apenas 150 metros com a Zâmbia. Esses vizinhos de Botsuana são importantes, pois mais tarde serão parte essencial do processo de integração regional na região da África Austral. Como visto na figura 1, Botsuana não tem saída para o mar, o que dificulta na escoação da sua produção e comércio com o exterior.

Figura 1 – Mapa da África Austral

Mapa da África Austral. Fonte: Mapscompany.

O SUCESSO DE BOTSUANA EXPLICADO

Botswana, apesar de estar numa região predominantemente pobre, conseguiu atingir taxas de crescimento impressionantes de maneira contínua. Entre 1965, um ano antes da independência, e 1998, o país teve um crescimento do PIB anual de 7,7%. Ainda em 1998, a renda per capita PPP[1] era de US$ 5,796, quatro vezes maior que a média para a África nesse período. Portanto, o que explica esse vigor econômico do país? Sem dúvidas, o legado colonial de Botsuana não é favor explicativo. Pelo contrário, as condições na qual os britânicos deixaram a região foram as piores possíveis. Em 1966, no ano da independência: “havia 12 quilômetros de estradas pavimentadas, 22 botsuaneses haviam se graduado em universidades e 100 haviam se graduado no ensino médio” (ACEMOGLU; JHONSON, ROBINSON, 2003, p. 80-81).

De maneira geral, há vários fatores que foram determinantes para a manutenção do seu sucesso econômico. E entre eles está o fato de que Botsuana possui um sistema jurídico estável e funcional.; é o maior produtor do mundo de diamantes, e as receitas de sua exploração não resultaram em conflitos acerca da posse e direito de venda deste minério. Além do mais, o governo botsuanês é considerado eficaz, com baixas taxas de corrupção e uma burocracia bem adaptada aos cargos públicos. Por fim, também são muito importantes os investimentos pesados do governo nas áreas de educação, saúde e infraestrutura (ACEMOGLU; JHONSON, ROBINSON, 2003, p. 84)

Figura 2 – Centro do Distrito de Negócios de Gaborone, Capital de Botsuana.

Foto de Justice Hubane.

Visto todo o panorama que levou ao sucesso, como está a economia de Botsuana hoje? No que tange ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), o país se destaca. É válido apontar que a África Subsaariana é uma das regiões do planeta com o maior crescimento anual do PIB, e, mesmo assim, Botsuana cresce comparativamente mais rápido – 3,1% durante a década de 2010, contra os 2,7% da região no mesmo período. Porém, se retirarmos o ano atípico de 2020, em razão das consequências econômicas da pandemia de COVID-19, a média botsuanesa sobe para 4,3%, e a da África Subsaariana para apenas 3,3%. Em comparação com outras economias escolhida de forma randômica, o crescimento botsuanês também se destaca, sendo ofuscado, apenas pelo crescimento econômico chinês, como se pode notar na tabela abaixo (BANCO MUNDIAL, 2021).

Tabela 1 – Crescimento do (PIB em %) de Botsuana comparado à África Subsaariana e outras regiões selecionadas entre 2011 e 2020
Países2011201220132014201520162017201820192020
Botsuana64,411,34,1-1,64,32,94,43,0-7,8
África Sub.4,5454,82,71,12,52,52,3-2,4
Brasil3,91,930,5-3,5-3,21,31,71,4-4
Estados Unidos1,52,21,82,531,72,32,92,1-3,4
 China9,57,87,77,476,86,96,75,92,3
Colômbia6,93,95,14,42,921,32,53,2-6,8

Fonte: Autoria própria, com dados do Banco Mundial (2021)

No que tange ao ambiente de negócios, fator essencial para a liberdade econômica e desenvolvimento socioeconômico dos países, Botsuana tem relativo progresso nessa área. O relatório Doing Business do Banco Mundial (2020) avalia as facilidades de se realizar negócios em 190 países e os principais critérios de avaliação são: Abrir um negócio (abrir o negócio; contratar funcionários); Conseguir uma estrutura física (lidar com licenças de construção; oferta de energia elétrica; registro de propriedade); acesso à crédito (conseguir crédito; proteção à investidores minoritários); lidar com operações do dia-a-dia (pagar impostos; negócios além-fronteiras; contratos com governo); e, por fim, operar em um ambiente juridicamente seguro  (força dos contratos; resolução de controvérsias em tribunais). 

Visto os critérios acima relatados, Botsuana encontra-se na posição 87 dos 190 países pesquisados[2], com uma pontuação de 66,2, num ranking que vai de 0 a 100, sendo mais próximo de 100 um país com maior facilidade para se fazer negócios. Botsuana está, então, na frente de países como Filipinas (95º), Uruguai (101º), Brasil (124º) e Argentina (126º) (BANCO MUNDIAL, 2020, p. 4). Mais uma vez, a situação de Botsuana se destaca muito do restante da África Subsaariana, uma vez que dos 20 países nas piores posições do ranking, 12 são da região. 

A DOENÇA HOLANDESA E A INTEGRAÇÃO REGIONAL

A economia de Botsuana, como já dito anteriormente, é majoritariamente conduzida pela produção e exportação de diamantes e outras pedras preciosas. Na região, são mineradas essas pedras desde 1870. Entretanto, foi na década de 1950 que se iniciaram as explorações de diamantes, e apenas em 1980 foram descobertas as maiores e melhores minas do mundo no território. Hoje em dia, estima-se que 25% de todo o PIB do país está relacionado a essa mineração (BESTA, 2020).

Fonte: Autoria própria, com dados de Trademap (2021)

Assim como demonstrado no gráfico 1 acima, há uma grande dependência da exportação de pedras preciosas. Em números brutos, o país exporta US$ 4,2 bilhões no ano de 2020, sendo que US$ 3,8 bilhões são de pedras preciosas. Dentre esse valor, mais de US$ 3,75 bilhões são de diamantes, com um valor ínfimo para o ouro (US$ 45 milhões) (TRADEMAP, 2021). As demais exportações, além das pedras preciosas, são minoritárias, não ultrapassando os US$ 100 milhões cada. Em outras palavras, quase 90% do que o país exporta no comércio internacional é apenas diamante – isso o torna dependente desse mineral e o enquadra na situação da doença holandesa. Este é um conceito-chave para entender o atual quadro de Botsuana, e é descrito da seguinte maneira:

A literatura sobre doença holandesa evidencia que países com recursos naturais abundantes, dadas as vantagens comparativas que possuem na produção destes bens, podem apresentar uma especialização na produção de commodities em detrimento dos bens manufaturados de maior conteúdo tecnológico. Esta situação pode ocorrer em função de um aumento dos preços das commodities exportadas, que encoraja um maior investimento e atrai fatores de produção (trabalho e capital) dos setores manufaturados para o setor de bens intensivos em recursos naturais, o que aumenta a produção deste último setor. […] Em consequência, o setor de bens manufaturados fica prejudicado, pois perde fatores de produção que são deslocados para os setores de bens não-comercializáveis e de bens intensivos em recursos naturais (VERÍSSIMO; XAVIER; VIEIRA, 2012, p. 94).

Entretanto, em prol de aumentar a integração regional do sul do continente africano, assim como diversificar o próprio comércio exterior, Botsuana entrou tanto na SADC[3] (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, na sigla em inglês) quanto na SACU (União Aduaneira da África Austral, também na sigla em inglês). A SACU é composta por cinco países: África do Sul, Botsuana, Lesoto, Namíbia e eSwatini[4]. Com exceção de Botsuana, todos os demais formaram uma união monetária. A integração econômica entre os membros da SACU e a principal economia da região, a África do Sul, é altíssima, uma vez que 95% do comércio dos demais países do bloco envolvem a África do Sul (LIMA-CAMPOS; GAVIRIA, 2018, p. 92).

A história da integração regional na África Austral através da SACU é secular. Ainda na década de 1889 foi lançada a SACU, o que a torna o acordo alfandegário mais antigo em vigor no mundo inteiro. Por volta da década de 1920, o então protetorado britânico de Bechuanalândia adere a instituição. Porém, com a independência em 1966, Botsuana adere novamente em 1969,  agora como um país independente, no mesmo ano da entrada de Lesoto. Em 2002, se encerra a negociação de oito anos para um novo acordo da SACU, que concede à instituição novas iniciativas conjuntas de políticas comerciais, assim como um mecanismo de solução de controvérsia. A SACU harmonizou, entre os cinco países membros, questões como: aplicação do princípio da Nação Mais Favorecida[5]; impostos especiais de consumo; impostos; concessões fiscais; avaliação alfandegária; e regras de origem). Assim como o MERCOSUL e outras instituições dessa natureza, a SACU também possui uma tarifa externa comum (LIMA-CAMPOS; GAVIRIA, 2018, p. 93).

IMAGENS

Mapa da África Austral. Mapscompany. 2021. Disponível em: < https://mapscompany.com/collections/southern-africa>. Acesso em: 17 out 2021.

Capital de Botsuana, Gaborone. Pixabay. 2021. Disponível em: <https://pixabay.com/pt/photos/botswana-gaborone-arquitetura-970276/>. Acesso em: 17 out 2021.

Centro do Distrito de Negócios de Gaborone, Capital de Botsuana. Foto de Justice Hubane. Unsplash. 2021. Disponível em: < https://unsplash.com/photos/OjmO-dNF0lQ>. Acesso em: 17 out 2021.

BIBLIOGRAFIA

ACEMOGLU, Daron; JHONSON, Simon; ROBINSON, James. An African Success History: Botswana. Em: RODRIK, Dani (Org.). In Search of Prosperity: Analytic Narrative on Economic Growth. Princeton: Princeton University Press, 2003.

BANCO MUNDIAL. GDP growth (annual %) – Botswana, China, Colombia, United States, Brazil, Sub-Saharan Africa. 2021. Disponível em: < https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG?end=2020&locations=BW-CN-CO-US-BR-ZG&start=2011>. Acesso em: 18 out 2021.

____. Doing Business 2020: Comparing Business Regulation in 190 Countries. Washington D.C. 2020.

BESTA, Shankar. Top Five Mining Countries in the world. NS ENERGY. 2020. Disponível em: < https://www.nsenergybusiness.com/news/top-diamond-mining-countries-world/#>. Acesso em: 18 out 2021.

CIA. The World Factbook – Botswana. 2021. Disponível em: < https://www.cia.gov/the-world-factbook/countries/botswana/>. Acesso em: 17 out 2021.

LIMA-CAMPOS, Aluisio de; GAVIRIA, Juan Antonio. Introduction to Trade Policy. Londres e Nova Iorque: Routledge. 2018.

SADC. SADC Overview – Objectives. SADC Website. 2021. Disponível em: < https://www.sadc.int/about-sadc/overview/>. Acesso em: 18 out 2021.

TRADEMAP. List of Products Exported by Botswana. ITC, Trademap. 2021. Disponível em: < https://www.trademap.org/Product_SelCountry_TS.aspx?nvpm=1%7c072%7c%7c%7c%7cTOTAL%7c%7c%7c2%7c1%7c1%7c2%7c2%7c1%7c1%7c1%7c1%7c1>. Acesso em: 18 out 2021.

VERÍSSIMO, Michelle; XAVIER, Clésio; VIEIRA, Flávio. Taxa de Câmbio e Preços de Commodities: Uma investigação sobre a Hipótese ad Doença Holandesa no Brasil. EconomiA, Brasília, v. 13, n. 1, p. 93-130, 2012.


[1] Paridade do Poder de Compra, uma das metodologias utilizadas para se quantificar a renda de um país ou região.

[2] É válido ressaltar que para 2020 do relatório Doing Business, Singapura ficou em 2º lugar do mundo em facilidade de se fazer negócios. Para ler mais sobre as estratégias de desenvolvimento de Singapura e porque o país é uma potência econômica, leia mais em: SINGAPURA: DA ILHA ISOLADA AO ESTRELATO MUNDIAL.

[3] O objetivo da instituição é alcançar o desenvolvimento, paz e segurança, além do crescimento econômico, aliviar a pobreza e aumentar os padrões de qualidade de vida do povo do Sul da África, e amenizar as desvantagens sociais através da integração regional, construindo princípios democráticos e desenvolvimento igualitário e sustentável (SADC, 2021).

[4] Anteriormente conhecida como Suazilândia.

[5] O conceito de Nação Mais Favorecida é aplicado no Comércio Internacional e garante que um privilégio ou preferência concedida a um país deve ser concedido a todos os outros países – ou seja, é um mecanismo de não descriminação entre as nações.

Gustavo Milhomem

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás. Idealizador do Dois Níveis.

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