BRICS: S de South Africa (África do Sul)

BRICS: S de South Africa (África do Sul)

Bandeiras dos países dos BRICS na ordem dos países da sigla. Foto: Slon Pics

Por Priscila Tardin

Desde a administração de Nelson Mandela para a de Jacob Zuma, a política externa da África do Sul pós-1994 e sua diplomacia econômica passaram por várias fases e mudanças, tendo mudado de uma direção inclinada somente para estados ocidentais para um alinhamento com novas potências que estão emergindo na política internacional, associando-se aos países do BRICS. E é muito importante, no contexto diplomático sul-africano, fazer parte deste grupo de estados que, unidos, pressionam por um comércio internacional mais justo em busca do reequilíbrio do sistema global econômico e comercial, apresentando novas ideias e soluções diante dos desafios globais emergentes.

O Multilateralismo na política externa Sul Africana e o BRICS

Note-se que os estados membros do BRICS têm tido a postura de revisar suas  políticas externas em nível regional e internacional de forma a corresponder seus perfis regionais em ascensão, e, assim também se deu na política externa da África do Sul, nomeadamente na administração do Presidente Jacob Zuma (com mandato compreendido entre 09 de maio de 2009 a 14 de fevereiro de 2014).  As relações passaram a pender de forma acentuada tanto para a China, quanto para a Rússia, seja a nível diplomático, seja a nível comercial.

Essa postura continua no mandato do atual Presidente Cyril Ramaphosa desenhando uma política externa com viés multilateralista, exaltando a importância do bloco a quem tem o costume de se referir como uma “família BRICS”. Destacam-se alguns aspectos que têm alicerçado a política externa do país, como a busca na modernização do continente para a estabilidade política e crescimento econômico. Nesse sentido, as capacidades integradas da África do Sul relativas à economia, capacidade militar e diplomática em relação aos demais estados africanos qualificam o país como uma potência regional.

“Nações hegemônicas não apenas aspiram à liderança, não são apenas dotados de recursos militares, econômicos e outros. Elas necessariamente têm que ter visões políticas e socioeconômicas sobre seus ambientes, e uma vontade política para implementar essas visões.” (HABIB, 2009,144).

Desta forma, seja em relação à integração, seja para a política externa, o papel regional da África do Sul pode ser considerado de relativa hegemonia, e, desta forma, entrar para um mecanismo internacional como o BRICS, confirma essa posição de liderança no continente, fortalecendo ainda mais as relações de política externa do país.

O “White Paper” da Política Externa da Externa da África do Sul de 2011, ano em que o país passou a integrar o BRICS, declarou, em síntese,  que a evolução da África se baseia nos princípios do Pan-africanismo e da solidariedade Sul-Sul, marcas da sua política de integração regional, e, portanto, seus interesses estão ligados à estabilidade, unidade e prosperidade do continente africano (Departamento de Relações Internacionais e Cooperação, 2011). Infere-se, então, que a África do Sul busca uma relação comercial mais profunda com os países do BRICS, aliada ao apoio à pauta de representatividade do continente em pautas globais, atuando em fóruns multilaterais no papel de líder e protetor regional.

Cyril Ramaphosa, atual Presidente da África do Sul. Foto: GCIS

A Integração e liderança no continente africano.

A integração regional tem sido vista como ferramenta para fortalecer os processos de reforma interna, buscando, assim, aumentar a competitividade das economias em desenvolvimento (GONÇALVES, 2014), e com  essa visão, a África do Sul tem atuado, no continente africano, com a união e transformação do espaço geográfico bem como na busca pelo desenvolvimento conjunto de integração política, econômica e social.

No mais, por ser considerada  uma economia importante na África e no comércio regional da África Austral, a África do Sul vem desempenhando um papel de liderança na estrutura de governança, exercendo representação no cenário internacional, tanto em instituições,  quanto em fóruns com países emergentes. Segundo Godehardt e Nabers (2011), o maior protagonismo de economias semiperiféricas emergentes como a África do Sul na cena global traz implicações importantes para o nível regional, e muitos dentre eles acabam assumindo ou reivindicando um papel de liderança, articulação e adensamento institucional de suas regiões. 

Desta forma, para entender a dinâmica da política de integração regional sul-africana, é importante entender o conceito de Renascimento Africano fundado no Pan-africanismo.  Ele traz a visão de uma África integrada, próspera e pacífica que será impulsionada pelos seus próprios cidadãos representando uma força dinâmica no cenário internacional, motivada pelo desenvolvimento baseado na autossuficiência e autodeterminação do povo, com um governo democrático, (Africa Union Commission – Agenda 2063). Essa visão se iniciou nos processos de independência nos anos 1960, se estendendo para o pós-consolidação dos Estados no continente africano, sendo um processo endógeno de construção nacional (M´BOKOLO, 2011).

À sombra desses princípios nasceram organizações como: a) a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África  (NEPAD – New Partnership for Africa’s Development) para o desenvolvimento socioeconômico, através de práticas pan-africanistas, baseado no seu crescimento integrado; b) A União Africana (UA) representando uma tentativa de união e integração  do continente, com similaridades históricas e culturais buscando o desenvolvimento; e, por fim, c) a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) para o desenvolvimento sustentável através da integração regional, fortalecendo os vínculos históricos, sociais e culturais (SADC, 2021).

Ressalta-se, ainda, que o término do governo segregacionista representou uma mudança tanto na política interna, como na política externa da África do Sul. O fim do “Apartheid” transformou a natureza das relações interafricanas, não só na região da África Austral, mas também no seu relacionamento em todo o continente. Portanto, diante do seu crescente papel de liderança e representação, os blocos regionais dependem e veem a África do Sul como ator fundamental na garantia de sua efetividade e materialidade, concedendo-lhe a liberdade na direção destas agendas regionais, ficando evidentes, portanto, em sua política externa, as marcas das ideias inerentes à integração regional baseada nestes princípios.

(Brasília – DF, 14/11/2019) Sessão Plenária da XI Cúpula de Líderes do BRICS. Foto: Alan Santos/P

Relacionamento intra BRICS

No tocante às relações entre seus membros, o BRICS tem estabelecido como objetivos a valorização do intercâmbio entre os países, tanto na área econômica, quanto nas áreas de governança, os quais foram reafirmados na XIII Cúpula do BRICS – realizada em Nova Déli no dia 09 de setembro, com a confirmação de projetos como o BRICS Business Forum, BRICS Business Conselho e a Aliança Empresarial das Mulheres do BRICS.

No contexto da África do Sul, esses objetivos se materializam com exemplos práticos, como a estreita relação com a Rússia, que, nas palavras de Qobo e Dube (2015, pg. 151), “é a nova queridinha da política externa sul-africana”, tendo, o Presidente Zuma, durante o seu mandato, visitado a Rússia mais do que qualquer outro país.  Acrescente-se, ainda,  o aumento e consolidação, por parte do Congresso Nacional Africano (CNA),  das relações com o Presidente Vladimir Putin.

A cooperação entre os dois países no setor de mineração vem crescendo desde 2012, com investimentos russos em empresas sul-africanas da área, para aumentar a capacidade de produção e, ainda, apoiar o progresso de indústrias de energia nuclear avançada. Trata-se de uma parceria na extração de matérias primas, construção de centrais nucleares e reatores de pesquisa, além do design e produção nacional de equipamentos de energia nuclear (KROTH, 2013).

Em relação à China, críticas têm surgido diante do pensamento de que qualquer comércio com esta nação só poderá ser realizado mediante a submissão sul-africana a ideologia de hostilidade ao ocidente. Contudo, esse desafio tem sido superado diante de reflexões sobre o papel global da China que, atualmente, se apresenta como o maior exportador do mundo, sendo, ainda, o maior parceiro comercial da África do Sul (NEETHLING, 2017), cujas relações seguem em expansão desde 2010.

Nas relações com o Brasil, ressalta-se que, durante a 11ª Cúpula do BRICS, realizada em 2019 em Brasília, o governo sul-africano firmou junto ao governo brasileiro uma relação comercial bilateral ancorada na cooperação agrícola, área de importante relevância na economia de ambas as nações. 

Apesar de suas respectivas localizações geográficas, o BRICS tem unido Brasil, África do Sul e Índia em uma parceria cooperativa. Desta forma, observa-se o surgimento de nomes como IBAS e o IBSAMAR. O fórum de diálogo IBAS, de iniciativa da África do Sul, (ocorrido em 2003-Brasília), o qual, fundamentado nas visões, aspirações e identidade política comum, busca fortalecer a cooperação entre Índia, Brasil e África do Sul,  visto a importância política e econômica destes países em suas regiões. 

Já o IBSAMAR, criado em 2008, promove maior articulação entre estes países. O objetivo é desenvolver um intercâmbio entre as instituições de pesquisa em defesa, e fomentar oportunidades de treinamento de pessoal com troca de experiências para projetos conjuntos nesta área. (VIANA, 2010). Esses arranjos solidificam os laços entre esses países do BRICS, dando um foco maior no envolvimento Brasil – África do Sul, como parceiros para comercialização e segurança marítima no Atlântico Sul, figurando uma parceria fundamental nesse propósito.

As ligações com a Índia datam desde o período colonial quando trabalhadores indianos eram enviados para África do Sul pelo governo britânico. Foi nesse período, por exemplo, que Mahatma Gandhi notabilizou-se por lutar pelos direitos dos indianos, durante as duas décadas em que viveu na África do Sul. Com o final do Apartheid os países desenvolveram fortes acordos energéticos, focados, principalmente, no comércio de carvão. Essa proximidade de tantos anos promoveu uma interação cultural entre os estados, podendo-se destacar o cricket, esporte popular entre ambos os povos.

Compromissos na agenda ambiental 

A agenda ambiental tem a importância cada vez mais ampliada, tornando-se um desafio para os atores globais. Nomeadamente, a África do Sul, em conjunto com os demais países do BRICS, tem ratificado o compromisso no cumprimento da agenda 2030, buscando o desenvolvimento sustentável nas esferas social, ambiental e econômica. Na última cúpula realizada pelos BRICS, foi expressamente reafirmado o compromisso dos países no cumprimento desta agenda, incluindo os desafios trazidos pela pandemia de COVID-19, ressaltando a importância de parcerias de desenvolvimento global para enfrentar esses impactos e, assim, acelerar a sua implementação. 

No contexto da agenda 2030, a África do Sul foi além das propostas a nível do bloco, anunciando, no último dia 27 de setembro, um compromisso ainda maior do que aquele firmado no Acordo de Paris. Segundo Helen Mounford (vice-presidente para o clima e economia no centro de pesquisa World Resources Institute, 2021), as novas metas para limitar a emissão de gases de efeito de estufa a 150 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono até 2025 e ao máximo de 420 milhões de toneladas até 2030 se enquadram no compromisso global de limitar o aumento da temperatura até o final do século. Para atingir esse objetivo, o país pretende aumentar o uso de energias renováveis e dissipar a utilização de energia baseada no carvão, se preparando, ainda, para os efeitos das alterações climáticas, como a seca.

Na área da agricultura, assim como os demais países do BRICS, a África do Sul reconhece a importância dos setor, destacando, inclusive, a revitalização rural para alcançar os objetivos ambientais. Essa posição se destaca tanto por ser um grande produtor agropecuário, quanto por entender que, combinar o crescimento da produção agrícola com o aumento de investimento em pesquisa e desenvolvimento, além do uso de tecnologias sustentáveis, é fundamental para satisfazer as necessidades apresentadas na área de segurança alimentar, enxergando o agronegócio como um caminho viável para o problema da fome, seja a nível regional ou continental.

Focos da política externa 

Além dos desafios apresentados na área de sustentabilidade ambiental, bem como na relação da África do Sul com os países que compõem o BRICS, algumas pautas têm surgido com mais protagonismo em sua política externa, a exemplo da diplomacia multilateral, que tem sido apoiada como importante estratégia de política externa por todos os governos pós-Apartheid, e não será diferente nos próximos anos que se avizinham, sendo um importante instrumento internacional de resolução de problemas globais.

Nesse sentido, o país se esforça para avançar tanto nos interesses nacionais, quanto nas necessidades a nível regional, assumindo o papel de liderança e governança para alcançar os objetivos da Agenda “África 2063” que, sendo uma agenda continental, consolidará esse multilateralismo a nível global, na visão de um continente pacífico, integrado e próspero.

Destaca-se, ainda, uma preocupação a nível internacional com os contínuos conflitos e violência crescente em países africanos, que ensejam esforços diplomáticos da África do Sul diante do seu papel de condução da governança pacífica no continente, buscando o apoio junto a ONU, principalmente no que se refere aos esforços no combate ao terrorismo em todas as suas formas e manifestações. 

Os desafios são muitos, mas a África do Sul tem desenhado sua política externa com uma visão ampla e aberta, sem se prender a ideologias e extremismos. Desta forma, o país está no caminho certo para aumentar ainda mais o seu ritmo de crescimento, e se integrar ao BRICS, o qual foi, de fato, um passo importante a ser seguido no seu contexto geopolítico, e tudo indica que deverá seguir essa linha multilateral, sem abandonar antigos aliados.  Mantendo-se, portanto, nessa política, ao mesmo tempo em que trabalha para estender a soma de seus parceiros.

Referências Bibliográficas

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Declaração de Brasília 11ª Cúpula do BRICS. 2019. Disponível em: <http://brics2019.itamaraty.gov.br/images/documentos/Declaracao_de_Brasilia_portugus_-_hiperlinks_como_est_no_site_2811.pdf (itamaraty.gov.br)> . Acesso em 30 de setembro de 2021.

Department of International Relations and Cooperation. Building a better world: The diplomacy of Ubuntu; White Paper on South Africa’s Foreign Policy. Final Draft. Pretoria: Department of International Relations and Cooperation, 2011.

GODEHARDT, Nadine. & Nabers, Dirk.  Regional powers and regional orders.  Milton Park.  Abingdon, Oxon, [England] ; New York :  Routledge, 2011.

GONÇALVES, Reinaldo. et al. Economia internacional: teoria e experiência brasileira. Rio de Janeiro: Campus e Elsevier, 2004. Pg. 117.

HABIB, A. South. Africa’s foreign policy: Hegemonic aspirations, neoliberal orientations and global transformation. South African Journal of International Affairs, 2009. Pg. 143–59.

IBAS – Fórum de Diálogo entre Índia, Brasil e África do Sul. Disponível em IBAS – Fórum de Diálogo entre Índia, Brasil e África do Sul — Português (Brasil) <www.gov.br>. Acesso em 01 de outubro de 2021.

KROTH, Olívia. Parceria Estratégica Rússia – África do Sul. Disponível em: <https://port.pravda.ru/russa/34474-parceria_russia_africa_sul/>. Acesso em 01 de outubro de 2021.

M´BOKOLO, Elikia. África Negra: História e Civilizações. Salvador: Edufba, 2011

QOBO, M., & Dube, M. South Africa’s foreign economic strategies in a changing global system. South African Journal of International Affairs, 22(2), 2015. Pg. 145–64.

Southern African Development Community (SADC). Member States – 2021. Disponível em: <http://www.sadc.int/member-states>.  Acesso em: 27 setembro. 2021.

NEETHLING, Theo.  South Africa’s Foreign Policy and the BRICS Formation: Reflections on the Quest for the ‘Right’ Economic-diplomatic Strategy. SAGE Publications, 2017.

VIANA, Suhayla Mohamed. A Segurança Internacional como Tema de Cooperação no IBAS. In: SVARTMAN, Eduardo et al. (Org.). Defesa, Segurança Internacional e Forças Armadas III. Campinas: Mercado de Letras, 2010.

XIII BRICS Summit- New Delhi Declaration – 2021 – Disponível em: XIII BRICS Summit- New Delhi Declaration (mea.gov.in), acesso em 23 de setembro de 2021.

Priscila Tardin

Luso-brasileira, apaixonada pela África. Profissional do Direito que está se especializando em Relações Internacionais para viver o melhor desses dois mundos. Entusiasta de novos desafios e experiências transculturais, com muita facilidade em comunicação e no aprendizado de novos idiomas.

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