EM BUSCA DO “HABEAS CORPUS”: ÁFRICA SUBSAARIANA APRISIONADA NA CORRUPÇÃO

EM BUSCA DO “HABEAS CORPUS”: ÁFRICA SUBSAARIANA APRISIONADA NA CORRUPÇÃO

Fonte: Rutherford, [s.d.].

Embora ainda esteja enfrentando a corrupção, a África Subsaariana se vê “nadando na praia”. No entanto, neste artigo, para além dos problemas enfrentados na região, será possível observar novas perspectivas de governança surgindo. Mas, em primeiro lugar, como a corrupção pode ser definida? Jain (2011) apresenta dois tipos de corrupção, ambos em extremos de uma hipotética escala de corrupção. O primeiro tipo aparece como o mais brando, seria aquele exemplo do porteiro que deixa alguém entrar em um escritório por uma gorjeta. Podemos anexar a esse exemplo, o ato de furar filas ou dar informações falsas com más intenções. No outro extremo da tal escala, há aqueles que se apropriam de bens  públicos, e isso pode ocorrer no âmbito dos três poderes, empresas estatais ou entes privados.

Ok, deu pra entender um pouco, mas e agora? Será apresentado a você, leitor, quatro teorias que ajudarão a compreender mais acerca do tema.

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e crimes (em inglês, UNODC), aponta para quatro teorias clássicas acerca da corrupção. A primeira se refere à teoria do ator principal e do agente, mais conhecida como “principal-agente”. O (ator) principal geralmente é o povo ou o seu bem-estar, mas também podem ser parlamentares ou supervisores (UNODC, 2019). Já os agentes são aqueles que podem interferir na qualidade de vida do ator principal. Sendo assim, a ideia central desta teoria é que o ideal seria que os funcionários públicos (os agentes) fizessem a vontade do ator principal, no entanto, estes também possuem seus próprios interesses, e quando os funcionários públicos querem sobrepor suas vontades pessoais sobre a pública, o fazem por meio da corrupção.

A segunda teoria se refere à ação coletiva, ela vai além da relação principal-agente, ela visa como os indivíduos se comportam com base no comportamento de outras pessoas. De acordo com Persson, Rothstein e Teorell (2013 apud UNODC, 2019, tradução minha) tratam a corrupção sistêmica como um problema coletivo, “pois as pessoas racionalizam seus próprios comportamentos baseados na percepção do que outras pessoas fariam na mesma situação”. É a ideia de que não vale a pena ser honesta em um sistema corroído pela corrupção.

A terceira abordagem é acerca da teoria institucional. Tal abordagem aborda que, apesar da ação de mecanismos que tentem combater a corrupção, a mesma já está enraizada e institucionalizada no âmbito governamental. Ademais, a “teoria institucional considera que a corrupção é influenciada pelo caráter, desenho e transparência do sistema político e suas instituições” (UNODC, 2019).

A quarta e última abordagem, denominada “teoria dos jogos”, se baseia na racionalidade dos agentes. Dentre todas as teorias apresentadas anteriormente,  esta última é a mais conhecida. São várias teorias dos jogos que tentam compreender o comportamento de determinados atores, e há uma que é bastante conhecida: o “dilema dos prisioneiros”, teoria essa que se refere à uma hipótese em que dois prisioneiros são interrogados em lugares separados e, dependendo da resposta do outro, um pode sair prejudicado ou beneficiado ou os dois podem ser prejudicados ou beneficiados, desta forma, sozinhos, eles precisam fazer o cálculo racional da melhor atitude a se tomar. Por exemplo, em uma atuação em um mercado específico de um país, as empresas podem ficar receosas de não praticar a corrupção, visto que seu lucro seria bem menor em relação àquelas que receberam “benefícios” indevidos.

Corrupção em economias emergentes: Uma introdução à noção de vazios institucionais

Uma explicação plausível da ocorrência da corrupção especificamente em países com economias emergentes ou em desenvolvimento, se dá à noção de vazios institucionais. Juntamente com Cheng Gao, Geoffrey Jones e Tiona Zuzul, o professor da Harvard Kennedy School e Diretor da iniciativa para o Sul da Ásia da mesma universidade, Tarun Khanna (2017), joga luz ao entendimento do que são os vazios institucionais.

Basicamente, em países emergentes ou subdesenvolvidos, há falhas que evidenciam a ausência parcial ou total do poder público. Tais vazios são peças-chave no que se refere ao combate à corrupção, pois são lacunas que dão respaldo e camuflam ações ilícitas, seja do ente público ou privado. No entanto, há possibilidade do preenchimento desses vazios, mas na maioria das vezes, tais falhas são superadas por meio de ações de agentes privados.

Um exemplo claro na África é o fato que a Fundação Mo Ibrahim, a qual foi fundada por um empresário sudanês-britânico chamado Mohamed Mo Ibrahim e que analisa diversos aspectos da governança dos países da África, elaborou um prêmio anual que é oferecido para ex-governantes africanos que buscam realizar um governo de excelência. A ideia é que, pelo fato do prêmio ser apenas para aqueles que foram, mas já não são governantes, crie-se uma cultura política no continente do não desejo em permanecer no poder por longos períodos, seja por meio da corrupção, na edição de decretos, ou através de ações ditatoriais.

A corrupção na África e em outros países emergentes

Nos últimos anos, o continente africano tem experimentado um constante crescimento econômico (OCDE; UNIÃO AFRICANA, 2019). E com a inserção dos países africanos nas grandes cadeias globais de valor, – que nada mais são que a produção de um bem de forma fragmentada em diferentes partes do globo, com cadeias de suprimentos, internacionalização do produto, terceirização, entre outros. (APEX BRASIL, [s.d.]) -, a exigência da população quanto à qualidade na prestação de serviços públicos vêm crescendo (FUNDAÇÃO MO IBRAHIM, 2020). Porém, a execução do controle social (termo cunhado para nomear a atitude de cidadãos em monitorar ações governamentais) tem estado longe do ideal. Sendo assim, o que falta para a África se livrar das amarras da corrupção?

A corrupção não atinge somente os países africanos, é um problema crônico global. Portanto, observa-se que as ilicitudes ocorrem em maior intensidade, na sua maioria, em países emergentes – ou seja, países da América Latina, África e algumas partes da Ásia -, do que no mundo considerado desenvolvido, bem como pode ser observado na figura 1, em que, quanto mais intensa  a cor vermelha, maior é o nível de corrupção. O gráfico também possui uma escala em que, quanto mais próximo de zero, maior é o nível de corrupção, por outro lado, quanto mais próximo de 100, menos corrupção há em um determinado país.

Figura 1- Ranking dos países por índice de percepção da corrupção em 2020

Fonte: Transparência Internacional, 2020.

No que se refere à África Subsaariana? Qual é a sua relação com a corrupção?

Antes disso, a localização geográfica desta região precisa ser identificada. Sendo assim, geograficamente, culturalmente e até economicamente falando, a África se divide em duas: Norte Africano e África Subsaariana. O primeiro é culturalmente mais próximo do Oriente Médio e é mais desenvolvido, enquanto o segundo possui aspectos semelhantes que refletem um menor grau de desenvolvimento.

É possível observar tal divisão geográfica na figura 2, a qual aponta que, o cinza, excetuando-se a parte em que é mostrado o Oriente Médio no canto superior direito -, representa o Norte Africano, e a outra região em diferentes tons de azul, se caracteriza como a África Subsaariana. Sendo assim, o Sahel (uma faixa de transição da savana africana para o deserto do Saara) divide essas regiões.

Figura 2- Norte Africano e África Subsaariana

Fonte: Georgetown University, [200-?].

Sendo assim, vamos ao que interessa!

Voltando ao relatório da Transparência Internacional de 2020, é possível observar que essa região da África possui o pior índice de percepção de corrupção do mundo (ver figura 3). No entanto, o centro de recursos anti-corrupção U4 (2020), o qual também é operado pela Transparência Internacional, cita que não é uma situação homogênea, pois há países com bons índices e outros com médio e baixo desempenho.

De acordo com o U4, Seicheles, Botsuana, Cabo Verde, Ruanda e Namíbia foram os cinco países menos corruptos da região em 2019, sendo que Seicheles atingiu uma pontuação quase duas vezes melhores do que a do Brasil (TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL, 2020). Por outro lado, Sudão, Guiné Equatorial, República Democrática do Congo, Sudão do Sul e Somália apresentaram os piores índices.

Figura 3- Média do Índice de Percepção da Corrupção na África Subsaariana em 2020

 Fonte: Transparência Internacional, 2020.

Porém, é evidente a vontade de muitos governos africanos em melhorar a situação. A Fundação Mo Ibrahim (2020) ressalta que, em 2019, por exemplo, houve melhora dos índices na maioria dos países. Em geral, a fundação usa de uma escala metodológica que vai de 0 a 100, sendo 0 muito ruim e 100 muito bom. Por conseguinte, no relatório de 2020 que continha informações do ano anterior, descobriu-se que o melhor resultado foi na área da segurança, com média de 75,9 pontos, já o pior índice ficou com o campo da transparência, com média de 38,1. Dentre esses dois indicadores, apresentou-se pontuações nos seguintes campos (ver figura 4): saúde, meio-ambiente sustentável, setor rural, gênero, ambiente de negócios, educação, administração pública, igualdade e inclusão, regras, leis e  justiça, infraestrutura, proteção social, participação e anticorrupção, esse ficando em penúltimo lugar com uma média de 38,8 pontos.

Figura 4- Indicadores de governança em países da África em 2019

Fonte: Fundação Mo Ibrahim, 2020.

Assim como em outras partes do mundo em desenvolvimento, é possível perceber ainda altas taxas de indicadores que revelam o nível de corrupção praticado em um determinado país ou região. No entanto, nota-se que os índices vêm melhorando e isso só prova que, para vencer a corrupção, é preciso iniciativas que mesclem ações tanto do poder público quanto da sociedade civil, além da participação social como um todo. E há iniciativas do tipo na África Subsaariana. Dessa forma, é preciso fortalecer as instituições ao máximo para que o habeas corpus da região abaixo do Sahel possa desfrutar de um pleno desenvolvimento em todas as áreas.

Por fim, vale a pena mencionar que a África tem ousados planos para transformar toda a sua estrutura de governança. A “Agenda 2063” da União Africana (2021) assinada em 2013 pelos Chefes de Estado Africanos, traz uma série de medidas para serem adotadas em cinco décadas, mudando o dia a dia dos africanos e alcançando a excelência em índices econômicos, sociais, democráticos e tantos outros que formam uma sociedade justa e igualitária. Agora, é torcer para que a África vença a corrupção e finalmente assuma seu lugar de destaque no mundo.

Para melhor entendimento acerca dos objetivos da União Africana para com a “Agenda 2063”, caso queira, assista o vídeo abaixo feito pela própria instituição.

Aspirações da União Africana

Fonte: Educasat, [200-?].

BIBLIOGRAFIA

APEX BRASIL. As Cadeias Globais de Valores e os desafios para os países que desejam fazer parte de um modelo de fragmentação da produção. [200-?]. Disponível em: <encurtador.com.br/mBJN3>. Acesso em: 17 abr. 2021.

FUNDAÇÃO MO IBRAHIM. 2020 Ibrahim Index of Africa Governance. 2020. Disponível em: <file:///C:/Users/TEMP/Downloads/2020-index-report.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.

GEORGETOWN UNIVERSITY. Data sources, Data cleaning and Exploration. [200-?]. Disponível em: <https://kag.georgetown.domains/vizproject/DataCleaning/DataCleaning.html>. Acesso em: 16 abr. 2021.

JAIN, A. K. Corruption: Theory, Evidence and Policy. Forum, 2011. 7 p. Disponível em: <https://www.ifo.de/DocDL/dicereport211-forum1.pdf>. Acesso em 16 abr. 2021.

KHANNA, T. et al. Overcoming Institutional Voids: A Reputation-Based View of Long Run Survival. Harvard Business School, Boston, MA, working paper p. 17-60, 2017. Disponível em: <https://www.hbs.edu/ris/Publication%20Files/17-060_9db63930-4475-4eb5-ac48-a660e2d80690.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.

OCDE; UNIÃO AFRICANA. Dinâmica do desenvolvimento em África. OCDE; União Africana, 2019. 37p. Disponível em: <https://www.oecd.org/dev/01_ADD_2019_PT_BAT_web.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.

TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL. Índice de Percepção da Corrupção 2020. 2020. Disponível em: <https://comunidade.transparenciainternacional.org.br/ipc-indice-de-percepcao-da-corrupcao-2020>. Acesso em: 16 abr. 2021.

U4. Sub-Saharan Africa: Overview of corruption and anti-corruption. 2020. Disponível em: <https://www.u4.no/publications/sub-saharan-africa-overview-of-corruption-and-anti-corruption.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.

UNIÃO AFRICANA. Agenda 2063: The Africa we want. [200-?]. Disponível em: <https://au.int/en/agenda2063/overview>. Acesso em: 19 abr. 2021.

_________. What is Agenda 2063. 2021. Disponível em: <https://au.int/en/videos/20210131/what-agenda-2063>. Acesso em: 19 abr. 2021.

UNODC. Theories that explain corruption. 2019. Disponível em: <https://www.unodc.org/e4j/en/anti-corruption/module-4/key-issues/theories-that-explain-corruption.html>. Acesso em: 16 abr. 2021.

IMAGEM DESTACADA

Rutherford, T. Alcatraz Island Ferry Terminal. Unsplash, [s.d.]. Disponível em: <https://unsplash.com/photos/czyti11TfXk>. Acesso em: 18 abr. 2021.

VÍDEO

EDUCASAT. Problemas emblemáticos da Agenda 2063 – African Union. Youtube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uQaTvjdqC28>. Acesso em: 20 abr. 2021.

Thiago Barros

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás. Diretor Executivo do Dois Níveis.

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