O JNIM E SEU AVANÇO EXPONENCIAL NO SAHEL

 O JNIM E SEU AVANÇO EXPONENCIAL NO SAHEL

Bandeira Shahada usada pela Jihad.

Para muitos ainda desconhecido, o JNIM (Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin) é um Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos que surgiu em 2017 no Sahel ( nome dado a um cinturão africano que se estende por 5.400km, desde o Oceano Atlântico até o Mar Vermelho, cortando 10 países em uma largura de até mil quilômetros). A origem do grupo é resultante da união da AQIM (Al-Qaeda do Magreb Islâmico) e a FLM (Frente de Libertação do Macina). 

A coligação tem operado nos países do Mali, Níger e Burkina Faso, sendo responsável por inúmeros ataques e sequestros na região. Contrariando os prognósticos de que seria absorvido por grupos maiores e mais antigos, seu crescimento se deu de forma exponencial, sendo atualmente responsável pela maioria dos ataques terroristas ocorridos na região.

Segundo o site “Reward for justice”(2023), um ano após a sua formação, o grupo foi classificado pelo Departamento de Estado dos EUA como Organização Terrorista Estrangeira e Terrorista Global Especialmente Designado. Por se tratar de uma coligação de outros grupos militantes, possui amplitude de representação étnica e geográfica, o que vem apoiando a sua crescente influência na região, já que obscurece as dificuldades experimentadas pelo grupo e transparece coesão e invulnerabilidade.

O presente artigo visa levantar algumas hipóteses para o avanço do JNIM no Sahel, como a instabilidade política, a extração ilegal de ouro e a saída da França da região.  Essas teorias serão analisadas a partir de um olhar tanto para a política interna dos países, quanto para a geopolítica da região.

AS FORMAS DE OPERAÇÃO DO JNIM NO SAHEL

Ainda que o JNIM se apresente como uma frente única na Jihad em busca do estabelecimento de um califado islâmico na região, sua atuação pode ser caracterizada em quatro frentes distintas de atuação: Norte do Mali, Mali Central e Norte de Burkina Faso, Leste de Burkina Faso e fronteiras do Níger e Sudoeste de Burkina Faso.

Em cada uma dessas frentes é possível notar a atuação mediante alianças com grupos locais, usando a dicotomia terror e suporte de modo a manter seu domínio local. Na prática, os líderes usam da violência para estabelecer a sua supremacia, e, estando em vantagem, diminuem seu tom, reconhecendo as queixas locais e transferindo a responsabilidade para as autoridades governamentais. 

Uma vez que se tratam de países com políticas internas falidas, líderes corruptos, ineficazes e impopulares, esse posicionamento do grupo aprofunda a instabilidade do ambiente. Dessa forma, adquirem maior poder de barganha nas negociações com o governo, enquanto conseguem criar uma narrativa própria dos fatos para alimentar a sua mídia social (EIZENGA e WILLIAMS, 2020).

Nas palavras de Isaac Kfir, membro do Conselho Consultivo do Instituto Internacional de Justiça e Estado de Direito e Professor Adjunto, Charles Sturt University (2022):

“O JNIM opera principalmente no Mali e recentemente expressou vontade de se envolver em negociações de paz com o governo, sob a condição de que as forças francesas e das Nações Unidas deixem o país – uma pré-condição que Ghaly certamente sabia que seria inviável. No entanto, é visto como uma indicação da crescente inteligência, letalidade e capacidade do grupo de estender sua presença através do Sahel.”

Percebe-se, então, o objetivo do grupo na desestabilização do governo, evidenciando as suas falhas sistêmicas, sem, contudo, permitir o seu total colapso. Trata-se de uma estratégia para criar um espaço livre, como um vácuo, de forma a garantir maior liberdade de atuação. Na prática, atuam como predadores, buscando acumular riquezas, estabelecer território e recrutar combatentes. Por outro lado, as necessidades da população ficam a cargo do governo cada vez mais instável e enfraquecido. Evidente que tal postura cria um ciclo de necessidade e insatisfação do povo, gerando ainda mais instabilidade na região.

Militantes Touareg que compartilham o controle do norte do Mali com grupos islâmicos. [1]

A INSTABILIDADE POLÍTICA

Quando a Primavera Árabe em 2011 colocou fim ao regime de Muammar Kadafi, o fim da guerra civil na Líbia sufocou os jihadistas que se alimentavam do conflito. Dessa forma, com o apoio financeiro do Estado Islâmico e da Al Qaeda, o grupo começou o seu avanço violento para a região do Sahel, com roubos, sequestros, e diversas atrocidades.

Esse avanço revelou a ineficiência dos governos em combater essa ação, gerando a insatisfação da população diante da ineficácia governamental em uma situação tão grave. Soma-se a isso o fato de que não há uma cultura democrática na região, o que leva a um clamor pela atuação militar na resolução do conflito. Por outro lado, trata-se de uma região cuja política interna já se demonstrava instável, pela extrema pobreza, baixa escolaridade, complexidade de etnias e dialetos e os resquícios das colonizações, causado pelo recente processo de uma independência de direito, que nem sempre se traduz em uma independência de fato, diante da latente submissão econômica e social aos países colonizadores.

Mapa da África, com o Sahel destacado em laranja. [2]

Para fins de estudos geopolíticos, o Sahel atravessa horizontalmente o continente africano de Leste a Oeste. Sua geografia incluiu o território de dez países: Senegal, Mauritânia, Mali, Burkina Faso, Níger, Nigéria, Chade, Sudão , Eritreia e Etiópia. Trata-se de territórios em regiões áridas ou semiáridas, a sul do deserto do Saara, cujo relevo e clima têm exercido impacto no fator humano (GALITO, 2013). Essa instabilidade na política interna só agravou a dificuldade de defesa dos países às investidas dos grupos terroristas que conseguiram uma expansão exponencial, levando, ainda em 2016, aproximadamente duas mil pessoas à morte, bem como o deslocamento de mais de um milhão de cidadãos (NAKANO, 2022).

Fato é que a instabilidade política no Sahel vem aumentando gradualmente, diante desse descontentamento da população com a ausência de proteção ante as investidas terroristas e os sucessivos golpes de Estado e quedas de governos dos países na região. Soma-se a esses fatores a estagnação econômica, bem como os efeitos das mudanças climáticas, que vêm, progressivamente, tornando o solo local adverso ao cultivo, agravando a já existente crise alimentar.  

A EXTRAÇÃO CLANDESTINA DE OURO

Diante da crise alimentar e a adversidade do solo, grande parte da população passou a buscar sustento na extração artesanal de ouro. Essa prática, por não passar pelo crivo das fiscalizações governamentais, piora os danos ambientais e acentua o problema de saúde pública. A prática viabiliza o contrabando ilegal, que na maioria das vezes, é controlado pelos grupos terroristas que atuam no local. Fica evidente o interesse desses grupos em relação ao controle da extração e transporte do mineral do Sahel até Dubai, local onde será comercializado e exportado para outras localidades, como China e Índia (NAKANO, 2022).

A Pandemia de COVID-19 acarretou o fechamento de portos e fronteiras em todo continente africano, reduzindo o abastecimento e a entrada de reservas financeiras, levando os terroristas a adentrar ainda mais no mercado da extração de ouro. A exploração mineira se torna fonte não só de receitas, mas de recrutamento de jovens para ingressar no grupo.

Desta forma, o grupo vê garantido o aumento de suas receitas e pessoal para viabilizar suas operações militares no restante do mundo. Mais uma vez, percebe-se a exploração da região, que mesmo após conseguir a sua independência, se vê ainda ameaçada e subjugada. A situação humanitária nesses países, que já era crítica, piorou, levando a população a aceitar condições cada vez mais precárias de trabalho e saúde.

A RETIRADA DA FRANÇA 

O golpe sofrido no Mali, pelo governo do Presidente Ibrahim Boubacar Keita, em 2020, bem como o mencionado fracasso das tropas francesas na tentativa de conter a expansão terrorista, sobretudo na região de Burkina Faso, Mali e Níger, fomentou ainda mais o sentimento antifrancês na região. Esse fato levou o Presidente Macron a formalizar a retirada das tropas francesas do país em 17 de fevereiro de 2022, menos de dois anos depois do golpe. Esse movimento de retirada consolidou o enfraquecimento da influência política e econômica da França, que ainda seguia de forma incisiva nestes países, após a declaração de sua independência.

A influência francesa sempre esteve presente tanto na economia da região, mediante as normas financeiras negociadas na adoção do Franco CFA (Communauté Financière d’Afrique) como moeda, quanto nos recursos nas operações de defesa. Contudo, a sua política de marca neocolonial tem complicado as suas relações com a população local. Por outro lado, a sua incapacidade de impedir a expansão terrorista na região, aumentou ainda mais a insatisfação africana, que, inicialmente, apoiava a operação do país na região.  Ou seja, a deterioração da situação de segurança local resultou na perda direta desse suporte popular.

A atuação de parceiros internacionais, como a França vinha sendo de extrema importância no contexto humanitário. Sob a ótica geopolítica, esse enfraquecimento da posição francesa abriu espaço para a atuação de outras potências em concretizar seus interesses na região, entre elas China, Turquia e, sobretudo, a Rússia, cuja presença militar já é prevalente na República Centro Africana e, em menor grau, em Moçambique, Líbia e Sudão (NAKANO, 2022).

Fica, assim, evidenciado mais um aspecto facilitador do crescimento da JNIM no Sahel. A falta de contingente de segurança e a instabilidade, causada pela disputa de interesses geopolíticos internacionais, deixa a região ainda mais suscetível à atuação dos grupos terroristas.  Consequentemente, opera-se a perda da legitimidade das instituições governamentais, e sua capacidade de atuação frente às diversas demandas que se apresentam na região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O primeiro passo para buscar a solução de um problema é entender a sua origem. Da mesma forma, o avanço terrorista no Sahel só será freado com o conhecimento dos aspectos que favoreceram o seu crescimento. Esse é um estudo necessário que pode trazer esperança de paz e estabilidade para uma região cujo sofrimento remonta desde os primórdios de sua formação.

Espera-se que a comunidade internacional apure o seu olhar para o que vem acontecendo nesses países e que haja esforços governamentais, sociais e acadêmicos para buscar a solução deste problema cujo avanço se alastra pelas fronteiras africanas. Na busca por conhecimento, o site Dois Níveis publicou outros três artigos que discorrem sobre os desafios enfrentados na região do Sahel, cuja leitura encorajamos imensamente:

IMAGENS:

[1] Al-Qaida rejoint par ses militants du Maghreb au Mali

[2] Sahel Map-Africa rough.png

REFERÊNCIAS:

ADF. Ouro financia o crime. Disponível em: https://adf-magazine.com/pt-pt/2022/08/ouro-financia-o-crime/  Acesso em 23/02/2023.

GALITO, Maria Sousa. Terrorismo na região do Sahel. Centro de estudos sobre África e do Desenvolvimento – CESA. Lisboa: 2013.

KFIR, Isaac. The JNIM Playbook: A serius threat to Sahel Security. Disponível em: https://eeradicalization.com/the-jnim-playbook-a-serious-threat-to-sahel-security/ Acesso em 25/02/2023;

NAKANO, Robson. Expansão do extremismo islâmico e golpes de Estado em Mali e Burkina Faso. Disponível em:  Expansão do extremismo islâmico e golpes de Estado em Mali e Burkina Faso – ODEC – USP  Acesso em 25/01/2023

NARANJO, José. Militares de Burkina Faso se amotinan para exigir más médios contra el yihadismo. Disponível em: https://elpais.com/internacional/2022-01-23/militares-de-burkina-faso-se-amotinan-para-exigir-mas-medios-contra-el-yihadismo.html   Acesso em 25/01/2023.

OCHIENG, Beverly. O que Al-Qaeda e Estado Islâmico têm a ver com o golpe em Burkina Faso. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60127764  Acesso em 25/02/2022.

Rewards for Justice. Jama’a at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM). Disponível em: https://rewardsforjustice.net/pt-br/rewards/jamaat-nusrat-al-islam-wal-muslimin-jnim/ Acesso em 25/02/2023.

Priscila Tardin

Luso-brasileira, apaixonada pela África. Profissional do Direito que está se especializando em Relações Internacionais para viver o melhor desses dois mundos. Entusiasta de novos desafios e experiências transculturais, com muita facilidade em comunicação e no aprendizado de novos idiomas.

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