A REAL POLITIK E A CRISE DOS MÍSSEIS EM CUBA

A REAL POLITIK E A CRISE DOS MÍSSEIS EM CUBA

A semana de outubro de 1962 teria sido só mais uma semana comum  na história mundial se não fosse marcada por um evento que se tornou o ápice das tensões nucleares  entre a União Soviética (URSS) e os Estados Unidos (EUA)  durante a Guerra Fria (1947-1989). O evento teve seu epicentro em uma pequena ilha em extensão territorial localizada no Caribe, a ilha de Cuba. Foi neste território diminuto que se deu o acontecimento histórico que fez o mundo temer um inverno nuclear como nunca antes na história humana, a Crise dos Mísseis de Cuba.

A Crise dos Mísseis é, provavelmente, o evento da Guerra Fria mais marcante no que concerne a Corrida Armamentista[1] e aos temores da situação evoluir para um conflito nuclear, uma vez que de uma eventual guerra nuclear não resultaria em verdadeiros vencedores, mas sim em ruínas radioativas.

Tendo dito isso, muita da historiografia sobre o evento tende a varrer para segundo plano o papel político internacional das lideranças cubanas, usualmente dando maior ênfase aos dois grandes protagonistas da Guerra Fria. Este artigo pretende priorizar o papel de Cuba durante a crise e no que tange ao período posterior a ela, sem deixar de lado as duas grandes potências nucleares envolvidas.

A dominação dos EUA sobre Cuba

A relação conturbada entre o gigante da América do Norte e da ilha caribenha data desde o final do século XIX, logo após o fim da Guerra Civil americana. Neste contexto, sob a Doutrina Monroe[2], os americanos passaram a olhar com interesse para os países e territórios latino-americanos, justificando eventuais influências na política interna de tais países com o “dever” dos Estados Unidos de manter o continente fora da zona de influência colonialista européia. (SOUZA, 2020)

“[…] a penetração imperialista estadunidense na região instaurou uma estrutura socioeconômica dependente, em que aos países latino-americanos se atribuiu a condição de importador de mercadorias manufaturadas e de exportador de alimentos e matéria prima.” (SOUZA, 2020, p.79)

Cuba virou alvo da ambição estadunidense. À época (1880) sob o domínio espanhol, a ilha caribenha não só era uma grande produtora de açúcar, como também era estrategicamente crucial para a proteção do Golfo do México e do canal que o país visava construir no Panamá. (SOUZA, 2020)

Assim, a presença econômica dos EUA em Cuba era tão intensa que quando a ilha finalmente conseguiu conquistar sua independência da Espanha em 1898, na prática o país simplesmente passou de colônia espanhola para protetorado estadunidense, tendo o país norte-americano cuidando dos negócios comerciais e indiretamente dos políticos de Cuba. Contudo, a supressão dos desejos de independência de partes do povo cubano só iria fortalecer o desejo separatista dos oposicionistas. Foi justamente esse sentimento que culminou na Revolução Cubana de 1959. (SOUZA, 2020)

A Revolução Cubana e os estremecimento de relações com os EUA

Em 1952, com o apoio dos EUA, o militar Fulgêncio Batista dá um golpe político durante as eleições cubanas e assume a presidência do país subordinando-se aos americanos e antagonizando os opositores favoráveis à independência real de Cuba. Sob o governo de Fulgêncio, os movimentos oposicionistas crescem exponencialmente, com destaque para o Movimento 26 de julho, liderado pelos irmãos Fidel e Raul Castro e pelo argentino Ernesto Che Guevara, que, em 1959, conseguem mobilizar as guerrilhas para tomar a capital Havana e destituir Fulgêncio Batista. (SOUZA, 2020)

Logo de início o governo dos Estados Unidos se mostrou avesso ao novo governo revolucionário de Cuba. Por momentos, as autoridades americanas procuraram negociar com Fidel Castro sobre a concretização de pautas como a Reforma Agrária, porém, logo as tentativas de negociação resultaram em oposição extrema e repetidas tentativas de frear o novo governo da ilha caribenha. A partir daí, os EUA antagonizaram o governo cubano em tudo, indo de financiamento a grupos oposicionistas aos revolucionários e tentativas de deposição forçada de Fidel Castro até bloqueios comerciais totais impostos a Cuba. (SOUZA, 2020)

A aproximação com a União Soviética e a Crise dos Mísseis

Em oposição ao que aconteceu nas relações com os EUA, Cuba passa a se aproximar mais da URSS nos anos 1960, reatando o que foi suspenso durante o governo de Fulgêncio Batista. Assim, a ilha passou de protetorado americano para um governo socialista e zona de influência soviética, situação que só aumentou as tensões já existentes entre EUA e URSS.

“A ilha caribenha se tornou um grave problema aos Estados Unidos. A aproximação do regime cu­bano com a União Soviética tornou a situação ain­da mais delicada dentro dos quadros estratégicos da Guerra Fria.” (BRAVO, 2015, p.14)

O ponto alto destas tensões nos traz ao importante papel do então presidente dos EUA à época, John Fitzgerald Kennedy (JFK), que levou a público o conhecimento que o governo americano recebeu através da CIA[3] de que Cuba estava guardando mísseis nucleares soviéticos. Essa informação a nível geográfico fomentava uma ameaça muito próxima ao solo americano, tendo em vista que a costa da Flórida estava a pouquíssimos quilômetros. Desse modo, um conflito nuclear era mais proeminente do que nunca. “Podemos ver que em apenas três anos a relação entre os dois países (EUA e Cuba) se definiu por pressões econômicas e políticas, espionagem, sabotagem, incentivo de insurreições, conflitos militares, expropriações, etc.” (SOUZA, 2020, p.88)

Na crise, que consistiu em 13 (treze) longos e tensos dias de negociação entre John Kennedy e o primeiro-ministro soviético Nikita Kruschev, o governo cubano foi relegado ao segundo plano do centro das negociações. Enquanto Fidel Castro dizia publicamente ser contra a URSS tirar as ogivas de Cuba, Kruschev e Kennedy negociavam uma troca mútua que resultou na retirada dos mísseis americanos da Turquia e da Itália, bem como sob a promessa de Kennedy de não interferir mais nos assuntos políticos internos cubanos.

A decepção ideológica e a Real Politik

Após a resolução diplomática e pacífica da Crise dos Mísseis de Cuba, o governo de Castro se viu em uma nova situação perante suas relações internacionais na qual teve de escolher o pragmatismo acima da ideologia – a chamada Real Politik[4]. A decepção do revolucionário Che Guevara (uma das lideranças da Revolução Cubana) com o pragmatismo político e a burocracia da URSS demonstra bem esse dilema. Ao longo da década de 1960, o revolucionário argentino se via cada vez mais avesso ao distanciamento do “socialismo real” que os burocratas soviéticos iam praticando. (LE MONDE, 2011)

Mesmo durante o restante da Guerra Fria em que a ilha caribenha pôde contar com a aliança comercial do Bloco Socialista, Cuba se encontrava novamente na posição de coadjuvante e de uma economia baseada em agricultura dependente de exportações de açúcar. Quando a Guerra Fria acabou e o bloco socialista se dissolveu a consequência à  Cuba foi de uma maior precariedade da vida dos cidadãos, visto que os países do bloco capitalista não comercializavam com a ilha graças ao embargo americano. (SOUZA, 2020)

Havana nos dias atuais

Dessa maneira, o governo cubano acabou sendo forçado a agir com pragmatismo na execução de sua política externa: não só o país abriu sua economia a investimentos externos, como passou a permitir a abertura de empresas da iniciativa privada na ilha caribenha. A Real Politik cubana se intensificou ainda mais com a saída de Fidel Castro do poder e a entrada de seu irmão Raul Castro. O ápice dessa nova aproximação pragmática da política externa cubana ocorreu quando Barack Obama (2008-2016), visitou a ilha de Cuba em 2014 em um momento histórico: era a primeira vez que um presidente americano visitava o lugar desde a Revolução de 1959. Seguido a isso, vieram muitos atos de flexibilização americana em relação a Cuba por parte da administração Obama.

Se o governo cubano continuará nessa escalada pragmática da política externa e se juntará ao resto das nações democráticas do mundo, no momento é uma incógnita que só o futuro responderá. Porém, o que podemos tirar da história da ilha caribenha é que na prática das relações internacionais os Estados são, muitas vezes, pautados pelo jogo de equilíbrio entre pragmatismo e ideologia.   

 

BIBLIOGRAFIA:

BRAVO, Juliano dos Santos. A POLÍTICA INTERNACIONAL E A CRISE DOS MÍSSEIS: 13 dias sob o terror nuclear, NOVAS FRONTEIRAS: Revista Acadêmica de Relações Internacionais da ESPM-Sul, v.2, n.1, jan-jun.2015.

LE MONDE, CHE GUEVARA contra o modelo soviético. Le Monde Diplomatique Brasil, 2011. Disponível em: < https://diplomatique.org.br/che-guevara-contra-o-modelo-sovietico/>. Acesso em: 04 mar 2021.  

MARTINEZ, Alfredo Juan Guevara. Da Revolução Cubana à Era Obama: das tensões à normalização. Revista Esboços, Florianópolis, v.24, n.38, pp.315-338, dez.2017.

SOUZA, Janderson Carlos Locatel. Da Dominação Imperialista à Resposta Socialista: Um Panorma Da Relação Cuba – EUA. Mundo Livre: Revista Multidisciplinar, Rio de Janeiro, v.6, n.1, pp.78-92, jun.2020.  

REAL POLITIK. In: CAMBRIDGE DICTIONARY, Cambridge Advanced Learner’s Dictionary & Thesaurus. Cambridge University, 2021. Disponível em: <https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/realpolitik>. Acesso em: 06 mar 2021.  

 

[1] Competição entre Estados Unidos e União Soviética com o objetivo de ser a potência militar com o melhor e mais numeroso armamento nuclear do mundo

[2] Doutrina fundada pelo presidente americano James Monroe segundo a qual o continente americano deveria se desvincular de vez das influências européias com o slogan “América para os americanos”. Porém, ao invés de trazer a autonomia de todos os países americanos, a Doutrina Monroe só substituiu o imperialismo europeu pelo imperialismo estadunidense no continente.

[3] Central Intelligence Agency – “Agência Central de Inteligência” órgão de Inteligência e espionagem do governo dos EUA

[4] Em tradução livre, “Política Real”, ou seja, a política que de fato é praticada no mundo real e não teórico. Segundo o Dicionário de Cambridge: “a política na prática, decidida mais pelas necessidades urgentes do país, do partido político etc do que pela moral ou princípios”.

Letícia Martins Lima

Internacionalista em formação pela Universidade Federal de Goiás, gosta da área geral de Relações Internacionais, mas tem interesse mais específico nas áreas de Política Internacional e Diplomacia.

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