CRIPTOMOEDAS: UMA ESTRATÉGIA POLÍTICA

CRIPTOMOEDAS: UMA ESTRATÉGIA POLÍTICA
Fonte: Unsplash, 2021.

Introdução

As criptomoedas e outros ativos digitais vêm conquistando cada vez mais espaço no cenário internacional, seja como alternativa econômica ou estratégia política. Recentemente, a moeda digital lançada por Donald Trump e a divulgação do $LIBRA pelo presidente argentino, Javier Milei, reacenderam o debate sobre o impacto desses ativos na economia e na geopolítica, colocando-os no centro da agenda pública mundial. Dessa maneira, o presente artigo busca analisar como esses ativos estão sendo adotados por líderes políticos e os efeitos dessas iniciativas.

Criptomoedas

Com a ascensão do Bitcoin em 2008, o interesse por criptomoedas cresceu de forma exponencial. Contudo, muitas pessoas ainda não compreendem totalmente esse conceito. Assim sendo, iniciamos o artigo facilitando o entendimento sobre o tema. De maneira simplificada, criptomoedas são moedas digitais que funcionam como meio de troca, assim como o dinheiro tradicional. A diferença fundamental é que são descentralizadas. Isso significa dizer que, ao contrário do dólar ou do euro, por exemplo, não dependem de bancos ou governos para emissão, transferência ou validação de transações (Tredinnick, 2019).

Tendo isso em vista, as criptomoedas surgiram como uma tentativa de estabelecer um sistema financeiro livre de intermediários. O Bitcoin, por sua vez, foi desenvolvido como uma resposta evidente à crise financeira de 2008, que escancarou as fragilidades das instituições financeiras e a dependência ao dólar (Wandscheer, Oliveira, Rossignoli, 2020). Dessa maneira, as criptomoedas existentes no mercado deram aos próprios usuários o controle total sobre seus ativos (Nubank, 2022).

Ao adquirir uma criptomoeda, não se obtém algo físico, mas sim um registro digital na blockchain. Essa tecnologia, também conhecida como protocolo de confiança, registra todas as transações realizadas. Assim sendo, funciona como uma grande base de registro e dados em blocos que são distribuídos e compartilhados de forma idêntica e sincronizada entre milhares de computadores ao redor do mundo (Pilkington, 2016; SAP, 2021). Isso é o que impede que ocorram fraudes, haja vista que é simplesmente impossível alterar um registro sem modificar todos os existentes ao mesmo tempo. 


Figura 1. Como funciona o blockchain

Fonte: SAP, 2021.

Nos últimos anos, surgiu uma quantidade significativa de criptomoedas, e seu interesse ultrapassou o campo financeiro, atingindo inclusive a esfera política. Líderes de diferentes países, como Donald Trump nos EUA e Javier Milei na Argentina, têm explorado tal recurso. Nesse contexto, as chamadas memecoins estão ganhando destaque. São criptomoedas que surgem a partir de memes da internet ou possuem características humorísticas, sendo impulsionadas pelas redes sociais e pela dinâmica especulativa (Li, Yang, 2022). É nessa categoria de ativo digital que se encontra tanto a $TRUMP quanto a $LIBRA. Ambos casos ilustram como as criptomoedas estão se consolidando como ferramentas de influência econômica e polícia, moldando novas dinâmicas de poder no cenário global. 

$Trump

Quem observa o forte apoio que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem dado às criptomoedas pode não imaginar que ele já foi um de seus maiores críticos. Sob o argumento de que a falta de lastro representaria uma ameaça à economia americana, mostrou-se contrário às moedas digitais, chegando a afirmar que o Bitcoin e outras criptomoedas poderiam afetar o valor do dólar e facilitar atividades ilegais (Le Monde, 2024). No entanto, sua posição mudou drasticamente nos últimos tempos. De opositor, tornou-se um dos maiores defensores do setor, chegando a lançar sua própria moeda, batizada com seu nome, representando uma reviravolta estratégica em sua relação com os ativos digitais. 


Figura 2. Post de Donald Trump no Twitter sobre criptomoedas, em 2019.

Fonte: Twitter, 2019.

À medida que as criptomoedas ganharam popularidade entre seus apoiadores e investidores conservadores, Trump não conseguiu mais nadar contra a maré. A mudança de postura ficou clara quando lançou suas próprias coleções NFTs. Esses tokens não-fungíveis, que representam itens digitais exclusivos, foram utilizados como uma ferramenta de arrecadação para a campanha presidencial (Forbes, 2022). Ao vincular sua imagem a esses ativos, conseguiu consolidar sua base de eleitores, caracterizada por ser mais jovem e tecnologicamente engajada. 

Antes mesmo de iniciar seu segundo mandato, Donald Trump lançou a criptomoeda $TRUMP, acompanhada por uma versão exclusiva para a esposa Melania Trump. Classificada como uma mamecoin, rapidamente atingiu uma capitalização bilionária. Investigações conduzidas pelo Financial Times (2025) apontam que rendeu cerca de US$ 350 milhões às pessoas envolvidas. Apesar do sucesso inicial, os responsáveis ressaltaram que não se trata de um ativo de investimento nem possui vínculo político (The New York Times, 2025). A ressalva é crucial, já que tokens digitais, como a $TRUMP costumam ser alvo de especulação, com valores inflados e quedas bruscas que prejudicam investidores tardios. Críticos apontam que Trump estaria explorando sua influência política para lucrar, ampliando o debate sobre figuras públicas e ativos digitais de alto risco.

“É literalmente lucrar com a presidência — criando um instrumento financeiro para que as pessoas possam transferir dinheiro para a família do presidente em conexão com seu cargo. É mais do que sem precedentes.” — Adav Noti, diretor executivo do Campaign Legal Center, um grupo de ética sem fins lucrativos. (The New York Times, 2025)

Figura 3. Desempenho do preço do token $TRUMP desde o lançamento até 17 de março

Fonte: CoinGecko, 2025.

Mais uma vez, Donald Trump Trump reafirmou a importância das criptomoedas em seu governo. Em 6 de março de 2025, o presidente dos Estados Unidos assinou uma ordem executiva que estabelece uma reserva estratégica de Bitcoin e outros ativos digitais. Trump declarou que fará dos EUA a capital mundial dos ativos digitais (The White House, 2025). A medida foi anunciada às vésperas da Casa Branca sediar uma cúpula sobre o tema e prevê o uso de Bitcoin apreendidos em processos criminais e civis como uma reserva de valor. Com uma estimativa de US$ 17 bilhões, a ordem executiva tem como objetivo proteger o país contra instabilidades financeiras, caso as criptomoedas substituam o dinheiro emitido pelos bancos centrais, além de contribuir para o pagamento das dívidas nacionais (CNN, 2025). Embora a notícia tenha  sido recebida com entusiasmo pelo setor, 

O caso reforça o debate sobre o impacto de figuras públicas no setor e abre espaço para comparações com outros países, como a Argentina, onde Javier Milei também adotou um discurso pró-cripto, gerando expectativas e incertezas sobre o futuro da economia digital.

$Libra

Além de Trump, o presidente da Argentina, Javier Milei, tentou surfar na onda das memecoins. No entanto, a iniciativa foi responsável por instaurar uma crise política no país. O escândalo, conhecido como “Cryptogate”, teve início após Milei promover, na plataforma X, a memecoin $LIBRA, alegando que impulsionaria o crescimento da economia argentina ao financiar pequenas empresas e startups do país. 

Rapidamente o valor da moeda atingiu 4 bilhões de dólares, mas não demorou para que os primeiros investidores começassem a vender suas participações, provocando um colapso no preço, que caracterizou um caso evidente  de rug pull ou pump dump (Krause, 2025). Conhecido no português como “puxada de tapete”, esse tipo de golpe ocorre quando os criadores de um ativo digital vendem uma grande parcela do mesmo ainda quando o preço está alto, gerando uma queda abrupta no valor (Krause, 2025). 

No entanto, foi também preciso pouco tempo para que o presidente da Argentina apagasse a postagem. Era tarde demais. Após o colapso dos preços, diversas acusações foram apresentadas e investigações sobre fraude foram abertas pelo Ministério Público argentino e pelo Departamento de Justiça americano. Enquanto estava nos Estados Unidos para negociar a dívida com o FMI e se encontrar com Donald Trump, além do também adepto às criptomoedas, o bilionário Elon Musk, uma crise política se instaurava na Argentina (Estadão, 2025; The New York Times, 2025). No parlamento, a oposição pedia o impeachment de Milei, que apesar de pouco provável de ir pra frente, prejudica a imagem do presidente (G1, 2025). 

Mas, afinal, quem estaria por trás da criação da $Libra? Ao que tudo indica, Hayden Mark Davis, desenvolvedor americano que se apresenta como assessor de Milei – embora o presidente negue qualquer ligação –, é um dos principais envolvidos, ao lado do empresário de Singapura, Julian Peh, considerado o principal patrocinador do projeto. O acesso à agenda presidencial por ambos ocorreu através do argentino Mauricio Novelli, fundador do Tech Forum e dono de uma empresa de treinamento financeiro onde Milei dava aulas antes de entrar na política. Em outubro do ano passado, Milei publicou na rede X que havia tido um encontro “muito interessante” com Davis na Casa Rosada (Buenos Aires Times, 2025). 

“Ele me aconselhou sobre o impacto e as aplicações da tecnologia blockchain e da inteligência artificial no país”, escreveu ele em uma publicação nas redes sociais. (Buenos Aires Times, 2025)

Embora não seja a primeira vez que Milei tenha promovido um criptoativo — em 2022, quando ainda era deputado, endossou um NFT desenvolvido por Mauricio Noveli —, este é o primeiro grande escândalo de governo de Milei. Assim sendo, o caso pode ter um forte impacto sob a opinião pública, sobretudo porque sua campanha foi pautada no controle da inflação e no combate à corrupção na Argentina. Quanto aos investimentos estrangeiros, ainda é cedo para fazer afirmações, porém é certo que Milei precisará lidar com o criptogate ganhando força enquanto busca flexibilizar as restrições cambiais e viabilizar um acordo de empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (Estadão, 2025).

Dessa forma, o grande escândalo que paira sobre o país vizinho tem potencial para abalar ainda mais a já fragilizada economia argentina e a confiança no governo de Milei, colocando em xeque a credibilidade de suas promessas.

CONCLUSÃO

As criptomoedas, incluindo as memecoins — categoria à qual pertencem os casos de Trump e Milei — são uma tendência cada vez mais crescente, mas geram alertas para investidores e desenvolvedores. Os ativos associados a essas figuras público têm indicado um padrão: sofrem quedas significativas após seus lançamentos, e isso não ocorre por acaso. Há uma série de jogos de interesses por trás dessas movimentações, que envolvem tanto especulações quanto influências externas. E esse cenário beneficia alguns, mas também gera desconfianças, provocando críticas de opositores e até mesmo de pessoas ligadas ao mercado de criptomoedas. As quedas de valor e os possíveis golpes associados a esses ativos enfraquecem a confiança nas criptomoedas. 

REFERÊNCIAS

BUENOS AIRES TIMES. Explainer: a look at the “cryptogate” scandal involving milei and argentina. A look at the ‘cryptogate’ scandal involving Milei and Argentina. Disponível em: https://www.batimes.com.ar/news/argentina/explainer-a-look-at-the-cryptogate-scandal-involving-milei-and-argentina.phtml. Acesso em: 20 mar. 2025.

ESTADÃO. Entenda escândalo cripto na Argentina que atinge Milei e envolve um grupo inusitado de personagens. 2025. Disponível em: https://www.estadao.com.br/internacional/entenda-escandalo-cripto-na-argentina-que-atinge-milei-nprei/. Acesso em: 18 fev. 2025.

FINANCIAL TIMES. Donald Trump’s crypto project netted $350mn from presidential memecoin. 2025. Disponível em: https://www.ft.com/content/cb1def8f-53a6-478e-9b3e-33c383b29629. Acesso em: 15 fev. 2025.

G1. Como Javier Milei provocou uma crise política na Argentina ao divulgar a criptomoeda $Libra. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2025/02/23/como-javier-milei-provocou-uma-crise-politica-na-argentina-ao-divulgar-a-criptomoeda-libra.ghtml. Acesso em: 18 fev. 2025.

KRAUSE, David. The Dangers of Cryptocurrency Hype and Deregulation: Why Oversight Matters in the Digital Asset Economy. SSRN, 2025. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=5136389. Acesso em: 20 mar. 2025.

LE MONDE. Donald Trump and cryptocurrencies: the underside of a recent love affair. The underside of a recent love affair. Disponível em: https://www.lemonde.fr/en/pixels/article/2024/07/24/donald-trump-and-cryptocurrencies-the-underside-of-a-recent-love-affair_6696682_13.html#. Acesso em: 12 fev. 2025.

LI, Chao; YANG, Haijun. Will memecoins’ surge trigger a crypto crash? Evidence from the connectedness between leading cryptocurrencies and memecoins. Finance Research Letters, v. 50, p. 103191, 2022.

NUBANK. O que é criptomoeda e para que ela serve? 2024. Disponível em: https://blog.nubank.com.br/o-que-e-criptomoeda/. Acesso em: 10 fev. 2025.

PILKINGTON, Marc. Blockchain technology: principles and applications. Research handbook on digital transformations. Edward Elgar Publishing, 2016. p. 225-253.

SAP. Blockchain: the new technology for trust. The New Technology for Trust. 2021. Disponível em: https://www.sap.com/products/artificial-intelligence/what-is-blockchain.html. Acesso em: 13 fev. 2025.

THE NEW YORK TIMES. Trump Begins Selling New Crypto Token, Raising Ethical Concerns. 2025. Disponível em: https://www.nytimes.com/2025/01/18/us/politics/trump-meme-coin-crypto.html. Acesso em: 20 fev. 2025.

THE NEW YORK TIMES. ¿Qué tanto sabía Javier Milei de la criptoestafa que promovió? 2025. Disponível em: https://www.nytimes.com/es/2025/02/28/espanol/america-latina/criptoestafa-argentina-milei.html. Acesso em: 18 fev. 2025.

The White House. Fact Sheet: President Donald J. Trump Establishes the Strategic Bitcoin Reserve and U.S. Digital Asset Stockpile. 2025. Disponível em: https://www.whitehouse.gov/fact-sheets/2025/03/fact-sheet-president-donald-j-trump-establishes-the-strategic-bitcoin-reserve-and-u-s-digital-asset-stockpile/. Acesso em: 16 fev. 2025.

TREDINNICK, Luke. Cryptocurrencies and the blockchain. Business Information Review, v. 36, n. 1, p. 39-44, 2019.

WANDSCHEER, Lucelaine dos Santos Weiss; DE OLIVEIRA, Bruno Bastos; ROSSIGNOLI, Marisa. Bitcoin e o Sistema Financeiro Internacional: a busca por um modelo regulatório do ciberespaço. Revista da Procuradoria-Geral do Banco Central, v. 14, n. 1, p. 39-56, 2020. Disponível em: https://revistapgbc.bcb.gov.br/revista/article/view/1048/47. Acesso em: 10 fev. 2025. 

Giovana Machado

Formada em Relações Internacionais na Universidade Estadual Paulista (UNESP). Tem interesse em Direitos Humanos e Segurança Internacional.

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