TIK TOK: A NOVA ARMA NA RIVALIDADE ENTRE ESTADOS UNIDOS E CHINA

TIK TOK: A NOVA ARMA NA RIVALIDADE ENTRE ESTADOS UNIDOS E CHINA

Há mais de trinta anos atrás o mundo via a derrubada do Muro de Berlim e, consequentemente, o desfecho simbólico de anos de rivalidades econômicas, ideológicas, militares e tecnológicas que dividiu o mundo em dois blocos: o capitalista sob a liderança dos Estados Unidos e o socialista, conduzido pela União das República Socialistas Soviéticas (URSS). Nesse período, a polarização mundial entre as maiores potências nucleares da época potencializou a constante sensação de insegurança e ameaça, bem como o medo de uma guerra real e de proporções incalculáveis, que nunca chegou a ocorrer diretamente. 

À vista disso, as alterações na balança de poder do Sistema Internacional decorrentes do mundo pós-Guerra Fria, principalmente com os Estados Unidos se tornando a única potência hegemônica, conduz à debates que versam sobre a posição a ser adotada pelos Estados, sobretudo as grandes potências, para recompor o equilíbrio de poder nas relações internacionais. Nesse sentido, o exemplo mais evidente de ameaça ao unilateralismo norte americano é a China, nova potência em ascensão que gradativamente dá sinais claros de sua tentativa em conquistar a hegemonia mundial e rivaliza tecnológica, política e economicamente com os Estados Unidos na arena internacional, em uma aparente nova guerra fria, que se intensificou recentemente, entre outros fatores, com a ameaça de proibição do Tik Tok em território americano. 

Dessa maneira, o Tik Tok, uma rede social criada em 2018 pela empresa chinesa ByteDance, através da fusão dos aplicativos Douyin e Musical.ly, permite aos seus usuários publicarem pequenos vídeos de dança, de comédia e de sincronização labial, o que o tornou popular entre o público jovem e a plataforma digital de maior crescimento no mundo, registrando, segundo a consultoria SensorTower, mais de 65, 2 milhões de instalações no mês de julho de 2020. A rede social está envolvida em diversas polêmicas, já foi banida na Índia e Donald Trump ameaça fazer o mesmo nos Estados Unidos, através da movimentação de uma ação coletiva proposta no Tribunal Federal da Califórnia, sob a acusação de que o app é uma ameaça à segurança do país por coletar e divulgar dados pessoais de seus usuários para servidores na China. 

Além disso, a rivalidade entre o governo americano e o chinês envolvendo a questão supracitada foi reacendida pela publicação, no Twitter, pelo famoso grupo de hackers, o Anonymous, pedindo aos usuários do Tik Tok deletarem de seus aparelhos celulares o app, acusando-o de ser comandado pelo governo comunista chinês com o intuito de realizar uma espionagem massiva. É importante destacar que esse tuíte foi uma resposta a uma postagem anterior com informações obtidas por um usuário do fórum Reddit, que analisou o código do aplicativo e descobriu, supostamente, que o Tik Tok tem acesso ao tipo de aparelho, informações de rede, localização em tempo real do usuário, além de dados de outros aplicativos, root ou jailbreak no dispositivo das pessoas que instalaram a rede social. 

Diante de todas as acusações, o Tik Tok respondeu que todas as reclamações que envolvam o nome da empresa serão analisadas seriamente, defendendo que estão verificando as denúncias feitas, mas que muitas delas são inconsistentes ou dizem respeito à versões desatualizadas do aplicativo. Ademais, sustentam que em relação à segurança do aplicativo, possuem uma equipe preparada para identificar instabilidades e corrigi-las, além do suporte de “empresas de segurança de classe mundial nessas avaliações” e reiterou que os dados dos usuários da rede social são coletados e mantidos fora do território chinês, mais precisamente nos Estados Unidos. 

As ameaças vindas de Trump no que se refere a proibição do Tik Tok nas lojas de aplicativos é uma tentativa do governo estadunidense em manter o monopólio que possui no setor tecnológico, uma reação iniciada por Washington ao banir a gigante de telecomunicações Huawei, que é a mais notável empresa multinacional envolvida na corrida pela concessão de tecnologia 5G e também a ZTE, fabricante chinesa de smartphones, e que agora se volta a ByteDance que está sendo pressionada a conceder parte do aplicativo à superintendência da Microsoft para continuar operando no território. Outrossim, a suspensão do Tik Tok tem ligação direta com a proibição das redes sociais de Mark Zuckerberg na China, minando o domínio americano.  

É importante ressaltar que a China embora tenha redes de interação virtual próprias, limita o acesso à internet de seus cidadãos pela sua “Great Firewall”. Nesse sentido, há evidências, como aponta o jornal The Guardian, que o Tik Tok censurava conteúdos politicamente sensíveis, entre eles as gravações de protestos na Praça da Paz Celestial e declarações de apoio à independência do Tibete. Além disso, o Washington Post já publicou matérias em que ex-funcionários da ByteDance alegam que autoridades chinesas autorizam ou barram vídeos  que tratem de assuntos delicados. Em contrapartida, a empresa chinesa afirmou que deixou de adotar essas diretivas, mesmo que a avaliação dos conteúdos se inclinem favoravelmente às convicções das autoridades do país. 

Portanto, o Tik Tok se tornou uma arma muito importante para a China minimizar a hegemonia mundial norte americana, isto porque a rede social se tornou um mecanismo fundamental de soft power chinês – termo de relações internacionais usado  para se referir à capacidade de um ator internacional em influenciar outros países e pessoas – em virtude da grande dimensão de usuários que o aplicativo conquistou e que os Estados Unidos está disposto a eliminar de seu país.   

Dessa forma, a proibição do Tik Tok nos Estados Unidos é considerada por muitos especialistas como uma jogada eleitoral de Donald Trump para conseguir apoio nas eleições estadunidenses, em um momento de visível retração econômica do país, adotando um discurso muito mais ofensivo à China, usando a concorrência de Washington com Pequim para promover a sua campanha, o que contraria a proposta de sua candidatura em 2016, quando assegurou que reuniria esforços para restabelecer as relações comerciais com o Dragão Chinês, visando maiores oportunidades de trabalho e benefícios aos americanos. 

Portanto, os contornos da disputa comercial entre Estados Unidos e China, que envolve muitos outros fatores além do Tik Tok, ainda são incertos em virtude da grande interdependência que envolve ambas economias, aspecto muito diferente do que se viu no período de 1947 a 1991 quando a Guerra Fria dividiu o mundo entre capitalismo e socialismo, mas que pode novamente recriar uma situação de insegurança constante, principalmente no Brasil, já que a questão envolve um antigo parceiro estratégico do país (EUA) e o seu maior cliente comercial (China), com a possibilidade de sofrer retaliações dos dois lados. Além disso, previsões quanto a duração de uma possível disputa pela hegemonia mundial entre as duas maiores potências da atualidade, feitas pelo analista Gary Hufbauer do Peterson Institute For International Economics, apontam para um intervalo de tempo possivelmente próximo ao da Guerra Fria.

Além disso, há forte indícios de que Donald Trump e Xi Jinping darão continuidade à políticas que separam cada vez mais o Ocidente e o Oriente, extremando as diferenças ideologias e políticas entre os dois países, substituindo a diplomacia pela intimidação, sobretudo com a pandemia do Covid-19 e pelos esforços em desenvolver a vacina capaz de aliviar a maior crise já vista no século XXI, demonstrando que a rivalidade entre as duas potência é altamente complexa e envolve todas as áreas em que se pode abarcar o monopólio e primazia em busca da influência em diversos continentes.         

REFERÊNCIAS 

BBC, 2020. POR QUE O GOVERNO TRUMP ESTUDA BANIR O TIKTOK DOS EUA. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53489720. Acesso em: 12 de agosto de 2020.

CARVALHO, Cecília; CATERMOL, Fabrício. As Relações Econômicas entre China e EUA: resgate histórico e implicações. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 16, n. 31, p. 215-252, jun. 2009. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/11296/1/RB%2031%20As%20Rela%C3%A7%C3%B5es%20Econ%C3%B4micas%20entre%20China%20e%20EUA_Resgate%20Hist%C3%B3rico%20e%20Implica%C3%A7%C3%B5es_P_BD.pdf. Acesso em: 10 de agosto de 2020. Acesso em: 10 de agosto de 2020.

Catraca Livre, 2020.  ANONYMOUS ALERTA SOBRE O RISCO DO TIKTOK E PEDE QUE USUÁRIOS DELETEM APP. Disponível em: https://catracalivre.com.br/mais/anonymous-alerta-sobre-o-risco-do-tiktok-e-pede-que-usuarios-deletem-app/. Acesso em 13 de agosto de 2020. 

DELARMELIN, Daniela Marqueli. CENÁRIO ESTRATÉGICO INTERNACIONAL: a ascensão chinesa, a aproximação com a rússia e as implicações na balança de poder mundial. 2018. 72 f. Monografia (Especialização) – Curso de Relações Internacionais, Universidade do Vale do Taquari, Lajeado, 2018. Disponível em: https://www.univates.br/bdu/bitstream/10737/2098/8/2018DaniellaDelarmelin.pdf. Acesso em: 10 de agosto 2020.

EUA x China: como ficam as suas ações?. Intérprete: Samy Dana e Dony de Nuccio. YouTube: Canal InvestNews BR, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8tIps7eq_pw&t=198s. Acesso em: 20 de agosto 2020.

GaúchaZH, 2020. GUERRA TECNOLÓGICA ENTRE EUA E CHINA AVANÇA COM TIKTOK. Disponível: https://gauchazh.clicrbs.com.br/economia/noticia/2020/08/guerra-tecnologica-entre-eua-e-china-avanca-com-tiktok-ckdof05uj001101h8j4ayufux.html. Acesso em: 14 ago. 2020. Acesso em: 14 de agosto de 2020.

TIKTOK: fogo no parquinho das relações internacionais. Intérprete: Antonio Junqueira. YouTube: Canal Antonio Junqueira, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9cK73EnTGwc. Acesso em: 11 de agosto 2020.

UOL, 2020. ESPIONAGEM E OUTRAS TRETAS: chegou a hora de apagar o Tik Tok?. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/07/21/espiao-da-china-por-que-estao-dizendo-que-voce-deveria-apagar-o-tiktok.htm. Acesso em 12 de agosto de 2020.

Giovana Machado

Formada em Relações Internacionais na Universidade Estadual Paulista (UNESP). Tem interesse em Direitos Humanos e Segurança Internacional.

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