A CHINA COMPRA O MUNDO: O PODER DO INVESTIMENTO CHINÊS

A CHINA COMPRA O MUNDO: O PODER DO INVESTIMENTO CHINÊS

一步一个脚印. Esse ditado chinês pode ser traduzido como: um passo, uma pegada. É a maneira que muitos chineses usam para dizer: você só terá progresso/sucesso se esforçar-te. E é isso que o governo central chinês faz no campo de sua política econômica, pelo menos desde a ascensão de Deng Xiaoping em 1978. Durante seu governo, que acabou em 1990, o país asiático passou por diversas reformas liberalizantes em sua economia, e, portanto, tornou-se mais aberto ao comércio e ao fluxo de investimentos internacionais. Quem não gostaria de investir num país de economia crescente com um mercado de mais de um bilhão de pessoas? Essa foi a lógica que diversas multinacionais se pautaram para iniciar suas atividades na China. (KISSINGER, 2011, p. 461).

No que tange às reformas supracitadas, o Investimento Externo Direto (IED) na China foi essencial para o crescimento econômico pautado nas políticas de abertura (TSENG; ZEBREGS; 2002, p. 2). A captação de IED, de igual forma, se apresenta como  essencial para o crescimento econômico da China e de outros países mundo afora. Mas antes de tudo:

O que é exatamente o Investimento Externo Direto – IED?

O IED é definido como: “[…] os aportes produtivos realizados por empresas e investidores em países que não os seus de origem, seja por meio da compra de ativos existentes (aquisições) ou da montagem de novas atividades (conhecidas como greenfield)” (GIORGIO, 2020, p. 25). Diferentemente dos ativos financeiros, os IED são mais estáveis, uma vez que os IED são, por natureza, um investimento com controle sobre o ativo adquirido. O capital aplicado em ações de determinada empresa na bolsa de valores pode ser retirado do país rapidamente. Porém, o investimento externo direto ocorre, por exemplo, ao comprar uma fábrica nova ou aquisição de uma empresa no território estrangeiro, daí a sua maior estabilidade em detrimento do capital financeiro (GIORGIO, 2020, p. 25). 

Considerando o fato de que o IED cresce acima da média do crescimento de PIB e comércio mundial, é significativo seu papel para puxar para cima o crescimento econômico, seja na China seja em outro país. Além de sua importância para a economia, o IED é, por vezes, utilizado conforme interesses geopolíticos das nações originárias do investimento. O governo chinês considera que os seus investimentos mundo afora são de alta importância para a manutenção do diálogo e amizade política entre a China e o país destino dos investimentos (ALTEMANI, 2012, p.166). Tanto é verdade que o próprio presidente chinês, Xi Jinping (2019, p. 95) escreve em seu livro A Governança da China, volume 1:

Os investimentos dos ativos estatais devem servir os objetivos estratégicos do Estado, focalizar mais as indústrias-chave e áreas vitais relacionadas com a segurança nacional e com as artérias da economia nacional e priorizar serviços públicos, desenvolvendo as indústrias prospectivas e estratégicas, protegendo o meio ambiente, apoiando o progresso científico e tecnológico e garantindo a segurança nacional.

Apesar do exemplo anterior Xi não referir-se especificamente aos investimentos estrangeiros, os investimentos nacionais supracitados, aplicados na própria China, seguem uma lógica semelhante ao IED chinês no mundo. Nota-se que, desde a ascensão de Xi Jinping à presidência chinesa, as características liberalizantes das políticas econômicas chinesas tornaram-se mais abrangentes. Segundo Xi (2019, p. 139): “As portas da China permanecerão abertas aos investidores de todos os países. Esperamos que as portas dos outros países também possam se abrir mais para os investidores chineses”. Logo, o líder do país opõe-se a quaisquer tipos de protecionismo econômico. Portanto, é claro o apoio do Estado chinês, na figura do Partido Comunista Chinês (PCC), a maior liberalização dos fluxos de investimento externo direto, seja de investimentos tomando a China como origem ou destino.

Apesar da abertura econômica chinesa iniciar-se, mais contundentemente, durante a década de 1980, é no início da década de 2000, após a entrada do país na Organização Mundial do Comércio (OMC), que aumentou consideravelmente os fluxos comerciais e de investimento para com a China. Em 2005 a China aplicou US$10,2 bilhões pelo mundo, de acordo com dados da China Global Investment Tracker (CGIT). Os dados de investimentos externos chineses anuais variam de acordo com a fonte, e além da CGIT, a outra fonte principal de dados para analisar os IED chineses é o Ministério  de Comércio (MOFCOM, na sigla em inglês). O MOFCOM somou US$12,3 bilhões no ano de 2005, conforme a tabela abaixo:

Fonte: SCISSORS (2021, p. 3); com dados da CGIT e do MOFCOM.
*Dados projetados a partir de resultados parciais do mês de novembro.

Apesar dos dados do MOFCOM e da CGIT divergirem anualmente, a análise dos dois, lado a lado, permite analisar as tendências gerais do volume de IED chinês aplicado. Nota-se que durante o ano de 2005 o IED chinês girava em torno de dez a doze bilhões de dólares. A partir deste ano, o valor do investimento externo direto da China cresceu constantemente até o ano de 2016, na qual alcançou o seu pico histórico, com o Ministério do Comércio do país quantificando o IED no patamar de US$196,2 bilhões. De 2017 em diante as duas bases de dados apontam para uma diminuição do volume de investimento. Nota-se, portanto, que a queda do IED chinês não é iniciada em 2020 juntamente com a pandemia de COVID-19, mas é uma tendência evidenciada desde 2017.

As razões pelas quais as empresas chinesas investiram menos no mundo a partir de 2017 são diversas, mas, em geral são: diminuição dos investimentos irracionais, ou seja, aqueles que não traziam lucros diretos para a companhia; redução da liquidez no mercado financeiro, o que resultou em maior dificuldade para as empresas captarem recursos para investir no exterior; diminuição dos investimentos chineses no setor energético, que, como citado no parágrafo posterior, é o setor de destino da maior parte do IED chinês. Por fim, os atritos diplomáticos e econômicos da administração Trump e a China dificultaram o ingresso do investimento chinês nos Estados Unidos, que é o maior receptor dos recursos do país asiático (CEBC, 2019, p. 19).

Não só o volume de investimento realizado é importante para a análise de IED como também se faz relevante a direção dos investimentos e em quais setores é aplicado. Entre os anos de 2005 e 2020, o investimento externo direto chinês teve os Estados Unidos como destino principal, no valor de US$185 bilhões. Segue, respectivamente, as principais fontes de IED chinês: Austrália (US$101,2 bilhões); Reino Unido (US$95,2 bilhões); Suíça (US$61,2 bilhões) e Brasil (US$60,7 bilhões). No mesmo período, de 2005 a 2020, o capital chinês mais investiu nos seguintes setores, respectivamente: energia elétrica; mineração; transporte; mercado imobiliário e finanças (SCISSORS, 2021, p. 7).

Já em relação à pandemia mundial de COVID-19, as projeções já cogitam um aumento no investimento chinês para 2021, e uma recuperação ainda maior durante o ano de 2022 (SCISSORS, 2021, p. 7). Porém, a rapidez e intensidade desta recuperação ocorre atrelada a algumas variáveis: volume das reservas financeiras; proatividade do Estado chinês em financiamentos internacionais; volume de moeda estrangeira; e, finalmente, a relação de  protecionismo econômico ascendente em diversas regiões do planeta. Por fim, a certeza que temos diz muito sobre o ditado citado ainda nas primeiras linhas do presente artigo: a China entende a importância do caminho a ser trilhado e parece estar disposta a arcar com todas as pegadas deixadas em seu caminho.

BIBLIOGRAFIA

CEBC. Investimentos chineses no Brasil 2018: O quadro brasileiro em perspectiva global. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: <https://cebc.org.br/2019/09/23/chinese-investments-in-brazil-2018-the-brazilian-framework-in-a-global-perspective/>. Acesso em: 18/02/2021.

KISSINGER, Henry. Sobre a China. Tradução de Cássio de Arantes Leite. 1º ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

SCHUTTE, Giorgio. Oásis para o capital – Solo fértil para a “corrida de ouro”: a dinâmica dos investimentos produtivos chineses no Brasil. 1º ed. Curitiba: Appris, 2020.

SCISSORS, Derek. China’s Coming Global Investment Recovery: How Far Will it Go?. American Enterprise Institute. Washington D.C.: 2021.

TSENG, Wanda; ZEBREGS, Harm. Foreign Direct Investment in China: Some Lessons from Other Countries. Fundo Monetário Internacional: IMF Policy Discussion Paper. 2002.

XI, Jinping. A governança da China, volume 1. 1º ed. Rio de Janeiro: Contraponto: Foreign Language Press, 2019.

IMAGEM/IMAGE:

Disponível em: <https://wall.alphacoders.com/big.php?i=705332>. Acesso em: 21 de fevereiro de 2021.

Gustavo Milhomem

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás. Idealizador do Dois Níveis.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *