K-POWER: O QUE A ‘ONDA COREANA’ REPRESENTA PARA A COREIA DO SUL EM NÍVEL INTERNACIONAL

K-POWER: O QUE A ‘ONDA COREANA’ REPRESENTA PARA A COREIA DO SUL EM NÍVEL INTERNACIONAL

Round Six, BTS, Parasita: os grandes nomes da cultura pop sul-coreana, exportados internacionalmente, estão cada vez mais conhecidos e reconhecidos. A indústria cultural do país é, hoje em dia, tão representativa do branding nacional quanto as maiores produções de automóveis e aparelhos de comunicação, como a Hyundai, a LG e Samsung. Isto tem um efeito concreto em nível de poder: a Coreia do Sul se torna mais capaz de atrair investimentos e negociar acordos, por causa de uma estratégia conhecida como poder suave, ou soft power. Neste texto, portanto, iremos explorar um pouco sobre o que a popularização cultural sul-coreana significa para o sistema internacional. 

A CULTURA SUL-COREANA NOS TRENDING TOPICS

Desde que Gangnam Style explodiu na internet há nove anos, houve um crescimento da popularidade global de produtos culturais sul-coreanos como K-pop, K-beauty e K-dramas. Esta popularidade só cresce. Desde então, Parasita se tornou o primeiro longa-metragem de língua estrangeira ao ganhar o Oscar de melhor filme e, similarmente, bandas como BTS e Blackpink bateram recordes antes exclusivos de produções anglófonas. Com o sucesso dos 192 filmes e séries coreanos disponíveis na Netflix, dentre as quais Round Six, a aposta de companhias estadunidenses na distribuição deste produto se demonstra correta à medida que se nota um interesse cada vez maior por parte dos espectadores de outros países. 

Esta é a ponta do iceberg da jornada de um país que foi, como descreve Euny Hong em seu ensaio How South Korea became the capital of pop culture (Como a Coreia do Sul se tornou a capital da cultura pop, em tradução livre), de “pobre para rico para… cool”. Uma coisa leva à outra: fãs de K-pop vão ser levados aos produtos de beleza e às séries televisivas, e mais tarde a um interesse mais aprofundado na língua e no turismo. Com o crescimento da internet, das redes sociais, e dos fandoms, comunidades inteiras se ergueram em torno da apreciação pela cultura sul-coreana em uma verdadeira “onda” de influência. O Estado coreano, que sempre esteve envolvido com o apoio à indústria, nada demora em perceber o imenso potencial desta crescente influência. 

HALLYU E O SOFT POWER

Em setembro, o Oxford English Dictionary acrescentou 26 novas palavras de origem coreana ao léxico da língua inglesa, dentre as quais um conceito que promete se tornar extremamente relevante para as Relações Internacionais: Hallyu, ou “Onda Coreana”. Este fenômeno de consumo, nomeado pela imprensa chinesa, inicia em meados da década de 1990 e é, hoje, utilizado como sinônimo das exportações culturais da Coreia do Sul para o restante dos países (ALMEIDA e NICOLAU, 2019; KAWANO, 2021). O que ocorreu na época, explica Jenna Gibson foi simplesmente a criação de um espaço onde a cultura pode florescer. Mas à medida que o interesse cresce na Ásia, América Latina e norte da África, o governo coreano passa a ver uma nova oportunidade: utilizar esta influência para conseguir poder. 

Em Nye (1990), o soft power se relaciona precisamente na capacidade da atração, a exemplo da exportação de sua cultura e de seu modo de vida em nível internacional. A partir da cultura exportada, o Estado se torna capaz de acrescentar, também, credibilidade aos seus valores políticos e legitimidade à sua política externa. Como Gibson faz bem em lembrar, a simples presença de uma cultura popular globalmente não faz desta uma fonte de poder, já que há uma distinção entre imagem nacional – positiva, porém rasa – e soft power. Ele é, por definição, o poder de persuasão e, portanto, trata do uso de recursos como celebridades e pontos turísticos para criar mudanças a longo termo. 

A primeira Hallyu que começou no fim do século XX foi um fenômeno estratégico e em muitos aspectos institucionalizado: primeiro como uma forma de conquistar o mercado chinês, e, em seguida, o japonês, através dos K-dramas. Mais tarde, o K-pop e a internet se misturam para um alcance maior na segunda onda, enquanto a terceira também aproveita gastronomia, moda, turismo e influencers (KAWANO, 2021).  A angariação de poder suave não ocorre, portanto, necessariamente a partir de intervenção direta, mas da criação cuidadosa de uma rede de conexões entre idols, fãs e objetivos estratégicos. Quando Seul instrumentaliza o convite de celebridades a eventos políticos, como a participação dos membros do BTS em discurso na Organização das Nações Unidas (ONU) ou a apresentação da banda Red Velvet na Coréia do Norte, está efetivamente agindo sobre este potencial. 

GOVERNO SUL-COREANO, MÍDIA E CULTURA POP

Um dos principais aspectos do sucesso do uso da cultura pop sul-coreana como fonte de soft power é o fato de que, no país, as corporações na realidade cooperam bem com o Estado. Assim, embora o governo de Seul não tenha controle sobre a indústria cultural, o seu apoio foi um fator chave para o sucesso que ela tem atualmente. Como explica Kawano (2021), após a repartição das Coréias em 1980, o Sul passou por um sistema autoritário que levou ao rápido desenvolvimento econômico e industrial capitalista. Ainda assim, dentro de seu contexto geográfico – rodeado por China, Coréia do Norte e Japão – o país teve que encontrar uma forma viável de angariar poder, e que não garantisse atritos geopolíticos com estes poderosos vizinhos como seria  o caso se houvesse um investimento maior em armamentos. O soft power e a indústria cultural eram uma boa alternativa, ainda que não houvesse a mesma intenção de propaganda ideológica como as potências da época, apenas de agregar valor e aumentar a projeção internacional.

A partir das Olimpíadas de Seul (1988) e a subsequente inserção do país aos Tigres Asiáticos, sem mencionar a necessidade de competir com os produtos japoneses, a Coreia do Sul viu uma grande oportunidade de utilizar seu capital na indústria cultural. Este processo foi fortalecido através da criação de institutos culturais e colaboração com ONGs como a KOFFICE, que trabalha sob a direção do Ministério de Cultura, Esporte e Turismo sul-coreano (KAWANO, 2021). O resultado deste projeto, reforçado pela publicação de uma proposta que destacava que a bilheteria de apenas Jurassic Park era igual à venda exterior de 1.5 milhão de carros Hyundai (ELASKARY, 2018), foi, precisamente, a Onda Coreana. 

O que ocorre a partir disto é a utilização de fatores estratégicos para a criação e os retornos da Hallyu:  indústria cultural como uma ferramenta de projeção de poder internacional; o poder da mídia, tanto em dar visibilidade e obscurecer determinadas questões, quanto em influenciar a forma como o expectador pensa em determinados assuntos; e a própria Diplomacia Pública, que tem o objetivo de influenciar a percepção externa para promover a cooperação internacional e o interesse nacional. Todos estes fatores fazem com que Seul se torne cada vez mais capaz de utilizar a cultura pop para transformar a opinião pública e a credibilidade internacional do país. Desta forma, molda sua política externa de forma a desempenhar um papel maior nas instituições internacionais e na governança global (KAWANO, 2021). 

PERSPECTIVAS FUTURAS: PODER ESTATAL E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Não é fácil medir o impacto do soft power em nível diplomático, mas não há dúvidas do crescimento em turismo, investimento e exportação cultural que ocorrem na Coreia do Sul – exportações subiram de 2.3 bilhões de dólares em 2008 para 9.6 bilhões de dólares em 2018. Como explicam Almeida e Nicolau (2019), o próprio hibridismo, que permite diminuir o estranhamento entre as culturas do leste asiático e as demais regiões, se torna uma mais valia para as relações exteriores do país. 

Mais do que isto: a capacidade de influênica da cultura pop sul-coreana traz imensas oportunidades não só para o governo de Seul, mas também para as formas de expressão plurais da sua própria população. Estes dois fatos nem sempre são congruentes, pois ao utilizar a bandeira de Taiwan ou honrar sacrifícios de guerra, os idols tâm o poder de trazer disputas políticas para o seu próprio governo. De forma similar, ao apontar para a abismal desigualdade social, débitos exorbitantes e o estado de refugiados norte-coreanos no país, como fazem Parasita e Round Six, os criadores destas obras ganham um generoso espaço – ainda que sancionado pela indústria capitalista – para trazer a atenção internacional sobre as questões sociais existentes na Coreia do Sul. 

Independente das formas em que a influência da Hallyu é aproveitada, o fato é este: a Coreia do Sul está cada vez mais presente nas nossas vidas, e isto só tende a aumentar. Enquando cabinete do presidente Moon Jae-in planeja estratégias de atração ou os artistas desenvolvem suas formas de expressão, resta a nós, no Brasil, refletir um pouco sobre arte e cultura e como elas podem nos colocar de volta ao mapa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, N. e NICOLAU, M. O poder de atração dos K-dramas: o soft power e a hibridização o contexto do fenômeno global Hallyu. in: CASTILHO, F. e LEMOS, L. P. (org.) Ficção Seriada: estudo e Pesquisas, volume 1. Alumínio: Editora Jogo de Palavras, 2018, p. 121-132.

ELASKARY, M. The Korean Wave in the Middle East: Past and Present. Journal of Open Innovation: Technology, Market and Complexity, v. 4, n. 4, 2018.

KAWANO, B. K. Diplomacia cultural como forma de exercício de poder: Soft Power coreano. Artigo científico – Bacharelado em Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais – FAJS do Centro Universitário de Brasília, 2021.

NYE, J. Soft Power. Foreign Policy, n. 80, 1990, p. 153-171.

Larissa Soares

Mestranda em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa. Se interessa por diplomacia, organizações internacionais, estudos subalternos e queer, conflitos sociais e desenvolvimento.

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