O PAPEL DA AL-QAEDA NA EXPANSÃO DO JIHADISMO NO SUDESTE ASIÁTICO

O PAPEL DA AL-QAEDA NA EXPANSÃO DO JIHADISMO NO SUDESTE ASIÁTICO

Foto: Denny, Scotland (2011) – “O dia que muda o mundo de novo”

Desde setembro de 2001, após os ataques terroristas às torres gêmeas, a comunidade internacional direcionou sua preocupação ao suposto avanço de grupos islâmicos radicais, como a Al-Qaeda, autora do ataque de 11 de setembro, no sistema internacional. A partir daí, começou-se a discutir medidas para evitar novos ataques e possíveis ameaças terroristas. Nesse contexto, os EUA lançaram a “Guerra ao Terror”, uma campanha militar elaborada pelo presidente estadunidense George Bush, cujo o objetivo era “combater o terrorismo no mundo”.

O ápice dessa política foi a invasão no Afeganistão (2002) e no Iraque (2003).  O primeiro país, que estava sob o controle do grupo fundamentalista islâmico Talibã, foi acusado de abrigar tropas da Al-Qaeda. No caso do Iraque, o objetivo era derrubar o líder Saddam Hussein, que chefiava o país desde 1979 e foi acusado pelos EUA de manter armas de destruição em massa. No decorrer da invasão, Saddam Hussein foi morto e nenhuma arma foi encontrada. De acordo com Gonçalves (2010), o alastramento da “guerra contra o terror” e da expansão do intervencionismo norte-americano possibilitou a expansão de ideologias jihadistas para além do Oriente Médio.

De fato, as tropas da coalizão de guerra lideradas pelos americanos no Afeganistão e no Iraque promoveram o efeito contrário e dos mais previsíveis: enquanto ocupavam países e derrubavam governos árabes alegando-se portadores de subjetivos ideais libertários, incitavam contra si mesmos a ira desses povos – foge da razão acreditar que desta maneira poderiam esperar outro resultado. Consequentemente, a figura simbólica da AI-Qaeda e de Bin Laden tornou-se representante do discurso do dissenso ao imperialismo americano e, além disso, agentes catalisadores do radicalismo político de cunho religioso (QUEIROZ, 2012, p. 33).

A Al-Qaeda no Sudeste Asiático

A Al-Qaeda foi originalmente criada em 10 de setembro de 1988 por Abdallah Azzam e seu aprendiz, Osama bin Laden, com o objetivo de manter a campanha mujahideen[1] contrária à invasão soviética no Afeganistão[2]. Desde então, a organização busca expandir sua ideologia por todo o mundo por meio do fornecimento de treinamento e financiamento de pequenos grupos Jihadistas em diferentes regiões. Foi mediante a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão que o grupo ganhou força. “Além de herdar a infra-estrutura operacional e de treinamento antissoviética do Afeganistão, a Al-Qaeda se beneficiou da rede mundial, criada por seu predecessor, Maktab-il-Khadimat (MAK: Escritório de Serviço Afegão), com trinta escritórios no exterior” (CHALIAND e BLIN, 2007, p. 422, tradução minha).

A Al Qaeda forneceu recrutas treinados e fundos para grupos islâmicos locais que lutavam nas zonas de conflito onde os muçulmanos estavam sofrendo, incluindo no Tadjiquistão, Caxemira, Bósnia, Chechênia, Daguestão, Mindanao e Xingjiang. Como a maior parte dos mujahideen árabes, incluindo seu líder, Bin Laden, não era bem-vinda em seus países de origem, eles permaneceram no Afeganistão e no Paquistão (CHALIAND e BLIN, 2007, p. 422, tradução minha).

A partir de 1988, a  Al Qaeda adentrou no Sudeste Asiático. Neste ano, o cunhado de Osama bin Laden, Muhammad Jamal Khalifa, estabeleceu uma filial da Manila da International Islamic Relief Organization, uma instituição filantrópica saudita, com objetivo de financiar grupos islâmicos na região. Porém, apenas após os ataques aéreos de 11 de setembro, o grupo ganhou ampla visibilidade e foi reconhecido como “ponta de lança do Islã” (spearhead of Islam).

Acredita-se que muito do financiamento da Al Qaeda venha de instituições de caridade, desviados involuntariamente ou intencionalmente. Isso é possível porque a Al Qaeda inseriu importantes agentes no sudeste da Ásia em posições de liderança em várias instituições de caridade islâmicas. Funcionários da inteligência indonésia estimam que 15 a 20 por cento dos fundos de caridade islâmicos são desviados para grupos com motivação política e terroristas. Nas Filipinas, as estimativas variam de 50 a 60 por cento (ABUZA, 2003, p. 173, tradução minha)

A Al-Qaeda ganhou espaço no sudeste asiático, estabelecendo células locais e treinando asiáticos em seus acampamentos no Afeganistão, além de financiar e cooperar com grupos radicais, como a organização indonésia Jemaah Islamiyah (JI). O grupo é conhecido por ter colaborado com dois dos sequestradores de 11 de setembro de 2001 e fomentar  ataques como o atentado em uma boate em Bali, Indonésia, em outubro de 2002, que resultou na morte de 202 pessoas (VAUGHN et. al, 2005). De acordo com Jones, Smith e Wedding (2003), antes de Bali a opinião oficial e acadêmica negligenciava a capacidade de infiltração de redes terroristas na região.

Ressalta-se que o extremismo religioso no sudeste asiático não foi originado pela Al-Qaeda, mas seu papel possibilitou a ascensão de grupos já existentes. Na década de 1970, em meio às lutas separatista Filipinas, por exemplo, muçulmanos da etnia Moro criaram a Frente Moro de Libertação Islâmica (MILF) e, posteriormente, o grupo violento dissidente Abu Sayyaf. Segundo, Jones, Smith e Wedding (2003), embora as circunstâncias que levaram à evolução das duas organizações não sejam claras, desde o final da década de 1980, ambos receberam apoio da Al Qaeda.

Quais são as regiões mais afetadas pelos extremismo religioso?

Dentre todas as regiões do sudeste asiático, as mais sensíveis ao avanço do radicalismo islâmico foram: Indonésia e Filipinas. A fragilidade da Indonésia em relação à presença de grupos fundamentalistas se deu, em grande parte, devido à baixa estabilidade política e social do país. Foi em meio a crescentes problemas internos, movimentos separatistas, disputas religiosas entre cristãos e muçulmanos e  uma grave recessão econômica, causada pela crise financeira asiática (1997), que grupos jihadistas cresceram.

A onda de extremismo teve início, notavelmente a partir de 1998, quando chegou ao fim o governo do presidente Soeharto (1967-1998). A partir daí, dado que o novo regime democrático não atendeu às demandas sociais, principalmente da maioria muçulmana, instaurou-se no país um momento de fragilidade estatal que permitiu a proliferação de ideologias jihadistas. Vale ressaltar, que 90% de toda população muçulmana do sudeste asiático (230 milhões) está concentrada na Indonésia. De acordo com Chalk, Rabasa e Rosenau (2009), embora a esmagadora maioria dos muçulmanos na Indonésia seja de caráter moderado ou progressivo, os constantes momentos de estabilidade abriram caminho para que grupos radicais disseminassem suas ideologias.

Oito entidades atraíram atenção particular na era pós-Soeharto: Laskar Jihad (LJ), Laskar Jundullah, Front Pembela Islam (FPI), Komite Aksi Pennanggulangan Akibat Krisis (KOMPAK) Mujahidin (KM), Angkatan Mujahidin Islam Nusantara (AMIN), Kelompok Banten (ou Ring Banten) e Hizb ut-Tahrir Indonésia (HTI) (CHALK, RABASA e ROSENAU, 2009, p. 68-69, tradução minha).

Dentre os grupos radicais presentes na Indonésia, merece destaque o Laskar Jihad (LJ), que perpetuou uma luta brutal contra cristãos da ilha de Maluku. Destaca-se aqui que o grupo não possui conexões com a Al-Qaeda, mas disseminava a mesma ideologia da jihad global.

O caso das Filipinas, em comparação com os demais países do sudeste asiático, é sem dúvidas problemático. O país possui uma historia marcada por diversos conflitos internos, como insurgência comunista, separatismo, conflitos étnicos e religiosos e extremismo islâmico. Todos esses problemas domésticos são determinantes para explicar o avanço do extremismo na região. A problemática religiosa no país remete às lutas separatistas entre grupos muçulmanos Moros, de Mindanao, contra o governo predominantemente católico, da década de 70 (LEHENY, 2005). Um dos grupos responsáveis por representar a luta Moro foi a Frente de Libertação Nacional (MNLF). Porém, ele não foi o mais representativo, mas sim o MILF que surgiu de uma fragmentação do MNLF. Diferentemente do primeiro, que possuía objetivos de caráter nacionalista, o MILF tinha como meta a criação de um estado islâmico independente sob lei da Sharia[3] em todos os territórios filipinos (CHALK, RABASA e ROSENAU, 2009). Além disso, o MILF, juntamente com o Abu Sayyaf Group, outro grupo extremista de destaque nas Filipinas, foi diretamente patrocinado pela Al-Qaeda, e até recebeu treinamento especial da organização no Afeganistão (PINTO, 2004).

Em termos de violência política revolucionária, praticamente todas as atividades de Abu Sayyaf são de natureza terrorista. […] O objetivo geral de Abu Sayyaf é o estabelecimento de um estado islâmico independente e exclusivo em Mindanao. Enquanto o MILF visa apenas a independência, o Abu Sayyaf também adota a intolerância religiosa violenta, defendendo o alvo deliberado de todos os católicos filipinos do sul do país (RABASA e CHALK, 2001, p. 89, tradução minha)

Dentre todos os grupos jihadistas citados até aqui, merece destaque, por ter conexão direta com a Al-Qaeda, o Jemaah Islamiyah (JI). A organização, que não atua apenas em uma região do sudeste asiático, possui células na Indonésia, Filipinas, Malásia e Cingapura. Ou seja, sua atuação é transnacional. A JI foi criada em 1993 por Abu Bakar Bashir e Abdullah Sungkar, dois defensores da Jihad e membros do Darul Islam (DI), uma organização que teve muita influência na Indonésia nos anos 60, cujo o objetivo era criar um estado islâmico no país. A DI perdeu força após a implantação da ditadura de Suharto, momento em que seus líderes fugiram do país e se refugiaram na Malásia. Com o fim do governo e o retorno da instabilidade política a JI cresceu, baseada nos mesmos princípios do DI.

Em 1985, Baasyir e Sungkar fugiram para a Malásia, onde montaram uma base de operações e ajudaram a enviar indonésios e malaios ao Afeganistão, primeiro para lutar contra os soviéticos e depois para treinar nos campos da Al Qaeda. Sungkar e Baasyir formaram a JI em 1993 ou 1994 e começaram a estabelecer uma estrutura organizacional sofisticada, planejando e recrutando ativamente para o terrorismo no Sudeste Asiático. Em algum momento de meados da década de 1990, Sungkar e Baasyir aparentemente começaram a coordenar ativamente com a Al Qaeda (VAUGHN et. al, 2005, p. 6, tradução minha)

Desde então, o JI foi apontado como responsável por diversos ataques na região, dentre eles: os atentados a bomba de outubro de 2002 em Bali; o J.W. de agosto de 2003; o atentado ao Marriott Hotel em Jacarta; o Super Ferry 14, no sul das Filipinas, em fevereiro de 2004; a embaixada australiana, de setembro de 2004,em Jacarta; e outros atentados a bomba em Bali, em 2005, e ao Ritz Carlton Hotel, em Jacarta, em 2009. Após 2009, não foi registrado nenhum outro incidente terrorista de grande proporções. Entretanto, as ações violentas continuam, e a organização frequentemente está envolvida em confrontos contra forças de segurança e grupos militantes, especialmente no sul das Filipinas e em Poso, Sulawesi Central, Indonésia (LIOW, 2016).

Situação atual

Mediante o avanço de grupos extremistas por todo o sudeste asiático, os países precisaram organizar políticas de segurança direcionadas especificamente para a problemática em questão. Na Indonésia, por exemplo, montaram grupos especialistas, como a Força Tarefa Antiterrorismo ou Esquadrão de Contraterrorismo da Polícia Nacional (Densus-88), e a Agência Nacional de Contraterrorismo (BNPT).  As ações desses grupos foram essenciais para barrar ataques do JI no país e para prender alguns de seus membros, de acordo com Observatório Internacional de Estudos sobre o Terrorismo (OIET), em 2021. Também de acordo com o OIET, a pressão dos organismos contra terroristas permitiu que numerosos ataques fossem frustrados em julho e agosto.

Entretanto, por mais que os governos do sudeste asiático tenham investido em políticas antiterroristas, a problemática ainda cresce na região. Isso porque o governo não consegue ter controle e nem policiar todas as províncias, em especial as localizadas na região conhecida como “tri-fronteira das águas”, que abrangem o Mar de Sulu (Filipinas), as águas ao largo de Sabah (Malásia) e o Mar de Celebes/Sulawesi (Indonésia). Tal região, marcada pela ausência de governabilidade, se tornou solo propício para a movimentação de grupos terroristas entre os países citados.Além disso, dada a ausência de fiscalização, a região passou a ser sede de muitos grupos Jihadistas, em especial o JI (LIOW, 2016).

Figura 1 – Fronteira marítima entre Filipinas, Malásia e Indonésia  

Bibliografia

ABUZA, Zachary. Funding terrorism in Southeast Asia: the financial network of Al Qaeda and Jemaah Islamiya. Contemporary Southeast Asia: A Journal of International and Strategic Affairs, v. 25, n. 2, p. 169-199, 2003.

CHALIAND, Gérard; BLIN, Arnaud (Ed.). The history of terrorism: from antiquity to al Qaeda. Univ. of California Press, 2007.

CHALK, Peter; RABASA, Angel; ROSENAU, William. The evolving terrorist threat to Southeast Asia: A net assessment. Rand Corporation, 2009.

GONÇALVES, Arnaldo. Terrorismo e Islamismo no Sudeste Asiático (Terrorism and Islamism in the Southeast Asia). Revista Seguranca e Defesa (Portugal), 2010.

JONES, David Martin; SMITH, Michael LR; WEEDING, Mark. Looking for the Pattern: Al Qaeda in Southeast Asia–The Genealogy of a Terror Network. Studies in Conflict & Terrorism, v. 26, n. 6, p. 443-457, 2003.

LEHENY, David. Terrorism, social movements, and international security: how Al Qaeda affects Southeast Asia. Japanese Journal of Political Science, v. 6, n. 1, p. 87-109, 2005.

LIOW, Joseph Chinyong. ISIS in the Pacific: Assessing terrorism in Southeast Asia and the threat to the homeland. Testimony before the Subcommittee on Counterterrorism and Intelligence Committee on Homeland Security, United States House of Representatives, Brookings Institute, p. 7, 2016.

PINTO, Maria do Céu. A dimensão da Al-Qaida no Sudeste Asiático, 2004.

QUEIROZ, André Feliciano Garcia de. Al-Qaeda e Bin Laden: aspectos sobre a militância islâmica radical. 2012.

RABASA, Angel; CHALK, Peter. Indonesia’s transformation and the stability of Southeast Asia. Rand Corporation, 2001.

VAUGHN, Bruce, et al. Terrorism in Southeast Asia. Library of Congress Washington DC: Congressional Research Service, 2005.


Notas

[1] “Coalizão de grupos guerrilheiros no Afeganistão que se opôs às forças invasoras soviéticas e acabou derrubando o governo comunista afegão durante a Guerra do Afeganistão (1978-92). Posteriormente, facções rivais se separaram, precipitando a ascensão do Talibã e da oposição Aliança do Norte. Como o termo jihad – ao qual está lexicograficamente conectado – o nome foi usado de forma bastante livre, tanto na imprensa quanto pelos próprios militantes islâmicos, e muitas vezes foi usado para se referir a quaisquer grupos muçulmanos envolvidos em hostilidades com não-muçulmanos ou mesmo com regimes muçulmanos secularizados.” (BRITANNICA, T. Editors of Encyclopaedia, 2020)

[2] Ver: < https://www.doisniveis.com/oriente-medio/invasao-sovietica-no-afeganistao/ >

[3] Sistema jurídico do Islã baseado nas regras do Corão. São diretrizes, regras que os muçulmanos devem seguir.

Anna Clara Oliveira

Estudante do 7ºperíodo de Relações Internacionais na Universidade Federal de Goiás e pesquisadora no programa de iniciação científica sobre milícias brasileiras, crime organizado transnacional e assemblages globais da segurança.

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