GEORGIANO: UMA DAS LÍNGUAS MAIS ANTIGAS DO MUNDO

GEORGIANO: UMA DAS LÍNGUAS MAIS ANTIGAS DO MUNDO
Foto: Nastena. Reprodução: Pinterest

Introdução

A língua nacional é a linguagem do povo de uma nação enquanto associada com um Estado politicamente constituído. Também chamada de língua oficial, é elemento primordial da identidade política e cultural de uma região. Seja na comunicação cotidiana, seja na literatura ou em diversos outros aspectos, esta é uma característica que marca a história, a construção da representatividade e o orgulho de uma sociedade.

Nesse contexto, o artigo aqui escrito  abordará a língua georgiana, originária da Geórgia, ex-república soviética, mencionando pontos como a relação deste idioma  com o russo (e a Rússia), seu pensamento linguístico, suas particularidades, origens e história. Com fotos exclusivas de um nativo e de uma visitante, este texto também traz ilustrações para complementá-lo com imagens que mostram a escrita local. Espero que gostem! Boa leitura.

História

Telavi, Kakheti, Geórgia. Foto: Irakli Javakhishvili (2023, arquivo pessoal)

O georgiano é uma das línguas mais antigas e peculiares  do mundo, tendo conseguido preservar bastante do seu alfabeto e pronúncia originais ao longo dos séculos. Este aspecto reflete a história antiga  do povo georgiano e seu idioma, falado por mais de 4 milhões de pessoas na própria Geórgia e dezenas de milhares fora de suas fronteiras (principalmente nos EUA, Rússia e Turquia). Nesse sentido,  é a língua nacional comum para todos os residentes do país, ou seja, une todas as tribos kartvelianas e outras etnias que historicamente vivem neste território, incrustado entre o Mar Negro e o Grande Cáucaso, onde Europa e  Ásia se encontram, localizado precisamente na Europa Oriental, ou seja, no Leste Europeu (ENCICLOPÉDIA KRUGOSVET, 2013, TRADUÇÃO MINHA).

O idioma é  pertencente às línguas do Cáucaso. As línguas caucasianas são milenares e incluem três grupos linguísticos: Abkhaz-Adyghe (noroeste do Cáucaso), Nakho-Dagestan (nordeste do Cáucaso) e Kartveliano (sul do Cáucaso). O georgiano, juntamente com o mingreliano, o laz e o svan, pertence à família linguística kartveliana, grupo de línguas que se aproximam por fonemas vocálicos, origem e localidade no Cáucaso Meridional (GARSHIN, 2022, TRADUÇÃO MINHA). 

A história da língua georgiana remonta à era a.C (antes de Cristo) e inclui uma rica herança literária. Das obras-primas da literatura conhecidas pelos contemporâneos, as mais antigas pertencem a Jacob Tsurtaveli como “O Martírio da Santa Rainha Shushanik”, escrito no século V d.C (depois de cristo). Além disso, as assinaturas foram feitas na língua georgiana por Bolnisi Zion (493-494 a.C). O manuscrito mais antigo,  datado “Mravaltavi”, remonta a 864 a.C. Hoje, mais de 10.000 manuscritos medievais foram preservados na língua nativa (A HISTÓRIA DO SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA LÍNGUA GEORGIANA, 2022, TRADUÇÃO MINHA).

Os georgianos, juntamente com os colchianos, possuíam amostras da escrita grega e iraniana. Portanto, no século V d.C , eles desenvolveram seu próprio alfabeto, completamente diferente do alfabeto cirílico (russo). A escrita  foi desenvolvida no século seguinte e, ao que parece, por evidências e pesquisas, a linguagem artística – visto a forma das letras e sua caligrafia –  foi criada com base na cultura colorida da Geórgia pagã, embora seja de origem eclesiástica. O pensamento linguístico georgiano passou por mais de dez séculos sob forte influência bizantina, visto que se tornou um país cristão, precocemente, no século IV d.C, sendo o segundo Estado-nação a adotar o cristianismo no mundo. Ademais, possui origens comuns e semelhanças tipológicas com o alfabeto armênio (NÓ CAUCASIANO, 2009, TRADUÇÃO MINHA).

Apesar da evolução passada, a língua georgiana é bastante conservadora. Monumentos linguísticos antigos não requerem tradução para a linguagem moderna, pois já são compreensíveis para o leitor de hoje, ou seja,  conseguiu manter muito de seu alfabeto e pronúncia originais. De acordo com os linguistas, a língua georgiana falada é anterior à sua forma escrita, e a evidência de suas raízes antigas é confirmada nos dialetos modernos. Assim, palavras individuais em georgiano como mkerdi (peito), tbili (quente) e ekvsi (seis) sugerem uma conexão com o dialeto indo-europeu. A primeira menção sobrevivente da língua georgiana pode ser encontrada em uma entrada do século II d.C, escrita pelo orador romano Marcus Cornelius Fronto, que observou que os ibéricos da Geórgia oriental contemporânea falavam com o imperador Marco Aurélio em uma “linguagem incompreensível” (LÍNGUA E ALFABETO GEORGIANO, 2023, TRADUÇÃO MINHA).

Segundo alguns mitos, a “criação” da língua georgiana é atribuída ao rei Parnavaz I, que governou o estado da Ibéria no século III a.C. No entanto, a evidência mais antiga da existência da escrita  remonta a 430 d.C. Esta é uma tábua encontrada na Palestina, escrita com o texto no alfabeto Asomtavruli, que foi a primeira forma escrita da língua georgiana (LÍNGUA E ALFABETO GEORGIANO, 2023, TRADUÇÃO MINHA).

Um pouco mais tarde, quase 60 anos depois, em 493 d.C, uma inscrição foi criada em uma laje de pedra. A comparação desses dois achados mostrou que em pouco mais de meio século já ocorreram mudanças significativas no alfabeto Asomtavruli (LÍNGUA E ALFABETO GEORGIANO, 2023, TRADUÇÃO MINHA).

Características

Tblisi – Capital da Geórgia. Foto: Ana de Moraes (2021, arquivo pessoal)

Dependendo das localidades, existem diferenças na língua, porém essas discrepâncias entre os dialetos da língua georgiana são quase que insignificantes. Os dialetos das montanhas da Geórgia Oriental (por exemplo, Tushino, Khevsurian) são caracterizados por arcaísmos, enquanto os dialetos da Geórgia Ocidental (por exemplo, Adjarian, Gurian) são caracterizados por inovações. No entanto, ambos são totalmente compreensíveis entre si.

Existem 33 letras no alfabeto georgiano moderno,  das quais cinco são vogais, enquanto as 28 restantes são consoantes. A carta é lida da esquerda para a direita. A língua não possui letras maiúsculas, artigos e gênero gramatical. A língua georgiana é caracterizada pela presença de várias consoantes consecutivas ao mesmo tempo, principalmente no início das palavras. Há casos em que até seis consoantes podem estar presentes consecutivamente, por exemplo, “tkven” (você), “zgva” (mar) e “mtsvrtneli” (treinador) (LÍNGUA E ALFABETO GEORGIANO, 2023, TRADUÇÃO MINHA).

A ordem das palavras aceitas em georgiano é sujeito-objeto-verbo, embora isso possa variar dependendo do contexto: “Is skolashi midis” – “Ele vai para a escola”. Há também verbos aglutinantes, inúmeros prefixos e sufixos que são usados ​​para indicar tempo, sujeito e objeto:

  • darekva – chamar;
  • vrekav – estou ligando;
  • damireke- me liga;
  • damireka – ele me ligou;
  • mirekavs – ele me liga.

A língua georgiana tem pelo menos 18 dialetos que mantêm características morfológicas, sintáticas, lexicais e fonológicas únicas. Por exemplo, nas regiões montanhosas de Kazbegi, Khevsureti e Tusheti, as pessoas usam expressões incomuns e formas de palavras que não são comuns em outras partes do país. Como os sotaques e a terminologia são únicos em cada região, é bastante fácil dizer de qual parte da Geórgia é a pessoa à sua frente. Outras línguas kartvelianas – Mengrelian, Svan e Laz – são faladas principalmente no oeste da Geórgia (Laz também é falado por pequenas comunidades na Turquia) (LÍNGUA E ALFABETO GEORGIANO, 2023, TRADUÇÃO MINHA).

Historicamente, a Geórgia fez parte dos impérios árabe, otomano, persa e russo, o que explica porque a língua georgiana tem muitas  influências  dos idiomas vindos destas regiões.  Um exemplo é a  saudação padrão em georgiano “gamarjoba”, que tem estreita relação com a palavra “gamarjveba” (empréstimo dos idiomas turco, persa e russo) que significa “vitória”, e esse fato reflete o passado difícil do país, de batalhas e ataques sem fim. (LÍNGUA E ALFABETO GEORGIANO, 2023, TRADUÇÃO MINHA).

Relação da língua russa com a Geórgia

Tbilisi, Capital da Geórgia. Foto: Viagem Errática/ Reprodução: ZEN (2022)

Na Geórgia moderna, a língua russa é a menos comum quando  comparada com todas as repúblicas pós-soviéticas. Isso ocorre porque,  desde o início dos anos 1990, o russo – que era a língua oficial da época -, começou a perder rapidamente sua popularidade após a tragédia de Tbilisi, o sangrento 9 de abril, em que manifestantes georgianos foram assassinados e feridos pelo Exército soviético. Dessa forma, como conquistou a independência da União Soviética em 1991 e foi admitida nas Nações Unidas em julho de 1992, a língua oficial tornou-se georgiana (AKHMETELI, 2019). Novamente,  o russo perdeu mais espaço. Seguiu-se um conhecido agravamento das relações diplomáticas,  que resultou na substituição da língua russa pelo inglês em muitas áreas,  incluindo a educação (VIAGEM ERRÁTICA, 2022, TRADUÇÃO MINHA).

A Rússia e a Geórgia possuem uma história de dominação e de guerras. Na contemporaneidade, ainda existe a tensão pela situação da Ossétia do Sul, um território separatista pró-russo, dentro do território georgiano. Nesse sentido, é evidente que há uma relação complicada, sendo esse relacionamento um dos motivos do uso mais escasso do russo, não obstante a estreita proximidade entre os países. Apesar disso, a língua russa ainda é falada em termos turísticos e está presente em algumas placas. De maneira geral, aparece o escrito em georgiano em fontes maiores e abaixo a tradução em russo menor.

Destarte, no código de leis da Geórgia está escrito:

“Ao mesmo tempo, o Estado georgiano preserva e fortalece as tradições de convivência e desenvolvimento harmonioso de línguas e culturas que se formaram no país ao longo dos séculos. Considera inaceitável expressar desrespeito por qualquer idioma, insultar os direitos linguísticos dos cidadãos da Geórgia e reprimir atos dirigidos contra os princípios constitucionais da política linguística do Estado.” (LEI ORGÂNICA DA GEÓRGIA, 2015, TRADUÇÃO MINHA)

Assim, denota-se o respeito que o Governo busca dentro do território e o convívio entre os indivíduos residentes ou visitantes.

Considerações finais

Telavi, Kakheti, Geórgia. Foto: Irakli Javakhishvili (2023, arquivo pessoal)

O falar e o ler georgiano são únicos e têm sua própria lógica, ao carregar não só a história do povo, mas também o sentimento de independência da nação. A língua georgiana reflete o caráter, crescimento e a vitória do país em manter-se como Estado. A palavra e, por isso, a cultura, sobreviveu aos momentos de guerras e repressão. Hoje, após mais de 30 anos de independência, a Rússia e suas ocupações da Abecásia e da Ossétia do Sul são vistas ainda como uma ameaça existencial, que impulsiona as aspirações contínuas da Geórgia para sua integração na UE e na OTAN, com o objetivo primordial de preservá-la. Portanto, por meio da política, da língua e da cultura, a Geórgia tem buscado manter sua soberania e existência.

Notas

Arcaísmos: Nome dado ao uso de palavras ou expressões em desuso na linguagem oral e escrita.

Eclesiástica: Relativo ou pertencente à Igreja, ao clero ou sacerdócio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LEI ORGÂNICA DA GEÓRGIA (საქართველოს ორგანული სამართალი: 4084-რს) — Disponível em <https://matsne.gov.ge/ru/document/view/2931198?publication=5>. Acesso em 13/02/2023 

DADOS MUNDIAIS SOBRE LÍNGUAS. . Disponível em < https://www.dadosmundiais.com/linguas/georgiano.php >. Acesso em: 15/02/2023

A HISTÓRIA E O DESENVOLVIMENTO DA LÍNGUA GEORGIANA (История возникновения и развития грузинского языка). Disponível em <https://word-house.ru/yazyki-perevoda/gruzinskiy-yazyk/istoriya-vozniknoveniya-i-razvitiya-gruzinskogo-yazyka/ >. Acesso em 15/02/2023

LÍNGUA E ALFABETO GEORGIANO  (Грузинский язык и алфавит). Disponível em < https://www.advantour.com/rus/georgia/population/georgian-language.htm >. Acesso em 16/02/2023

NÓ CAUCASIANO. Língua georgiana (Кавказский Узел .Грузинский язык ). Disponível em < https://www.kavkaz-uzel.eu/articles/151865/>.Acesso em 18/02/2023

GRANDE ENCICLOPÉDIA SOVIÉTICA. 3ª edição. – M., 1970-77 (Большая советская энциклопедия. 3-е издание. – М., 1970-77.)

ENCICLOPÉDIA KRUGOSVET (Энциклопедия Кругосвет) — Disponível em < http://www.krugosvet.ru >. Acesso em 18/02/2023

ERRÁTICA, Viagem.  Qual a situação da língua russa na Geórgia? ( путешествия, Беспорядочные .Как в Грузии обстоят дела с русским языком?). Disponível em  <https://dzen.ru/a/Y3phCf-6nCuOw5Do >.Acesso em 20/02/2023

SUSOV, Ivan Pavlovich. História da Linguística. Capítulo 4 – Problemas de Linguagem no Mundo Cristão Oriental Medieval, Desenvolvimento do pensamento linguístico na Geórgia (Сусов, Иван Павлович. История языкознания. Глава 4 – ПРОБЛЕМЫ ЯЗЫКА В СРЕДНЕВЕКОВОМ ВОСТОЧНОХРИСТИАНСКОМ МИРЕ, Развитие лингвистической мысли в Грузии) — Disponível em < https://classes.ru/grammar/141.susov/source/worddocuments/46.htm> .Acesso em 19/02/2023

GARSHIN, Igor Konstantinovich. Língua proto-kartveliana e sua pátria (Гаршин,  Игорь Константинович.Пракартвельский язык и его родина)— Disponível em <https://www.garshin.ru/linguistics/languages/nostratic/kartvelian/proto-kartvelian.html> Acesso em 19/02/2023

AKHMETELI, Nina. “Night of the sapper shovels” in 1989 in Tbilisi. Memoirs of eyewitnesses 30 years later — Disponível em <https://www.bbc.com/russian/features-47855168> Acesso em 20/02/2023

IMAGENS:

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JAVAKHISHVILI, Irakli. 2023. Arquivo pessoal.

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ERRÁTICA, Viagem. 2022. Disponível em <https://dzen.ru/a/Y3phCf-6nCuOw5Do> Acesso 21/02/2023

Isabela Faier Winter

Mineira, natural de Juiz de Fora. Internacionalista e graduanda em Direito pela UFJF. Estudante de russo (русский), georgiano (ქართული) e francês (français). Tradutora nas horas vagas e aspirante a escritora.

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