Um breve histórico do Regime de Mudanças Climáticas

Um breve histórico do Regime de Mudanças Climáticas

Discussões sobre os efeitos das mudanças climáticas não são algo tão recente como muitos imaginam. Na verdade, tais  debates rondam ciclos  acadêmicos das ciências naturais desde a segunda metade do século XIX. Apesar disso, só na segunda metade do século XX, quase cem anos depois, que ocorreu a criação de um regime internacional sobre mudanças climáticas, tema que será abordado brevemente no presente artigo. 

De 1960 a 1980: O início do debate

 Os debates sobre mudanças climáticas no cenário internacional ocorrem na década de 1960, contudo limitando-se a uma agenda terceiro-mundista até o acontecimento da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (CNUMAH), ou como é popularmente conhecida, a Conferência de Estocolmo, na capital sueca em junho de 1972, ainda durante o período da détente [1]. A primeira conferência da Organização das Nações Unidas sobre temas ambientais foi motivada  por um derramamento de óleo na costa europeia, o que faz  as potências ocidentais reconhecerem a importância de discutir questões ambientais  de maneira conjunta. 

Imagem feita durante a CNUMAH, em 1972, em Estocolmo, capital sueca. Fonte: AFP

Contudo, deve-se ressaltar que não tratou-se de uma conferência exclusivamente sobre mudanças climáticas, apesar do tema estar sob este “guarda-chuva”. A partir daí, em dezembro do mesmo ano ocorre a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), com sede em Nairóbi, capital do Quênia, órgão das Nações Unidas voltado à proteção do meio-ambiente e à promoção do desenvolvimento sustentável.

Em 1988, ocorrerá uma melhor estruturação do Regime Internacional de Mudanças Climáticas com a criação do Painel Intergovernamental para a Mudança do Clima (IPCC, do inglês “Intergovernmental Panel on Climate Change”). O IPCC também pertencente ao sistema ONU e está ligado ao PNUMA e à Organização Meteorológica Mundial (OMM), com quem divide sua sede, em Genebra, Suíça, responsável pela publicação de Relatórios de Avaliação a cada seis anos, além de relatórios específicos menores com diferentes frequências.

Década de 1990: A consolidação do Regime

 Nesse ínterim, nos anos 90, o regime foi finalmente consolidado, vinte anos após a realização da Conferência de Estocolmo, com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992. A Rio-92, como ficou conhecida, aconteceu no Rio de Janeiro, Brasil, logo após a publicação do primeiro relatório IPCC, em 1990, que trouxe a  possibilidade de emergência de novos regimes no Sistema Internacional  pós Guerra Fria (1947-1991). A Rio-92 contou com a participação de 172 Estados, representados, em sua grande maioria, por  presidentes e ministros . Além disso,  à Conferência,  também teve a participação de milhares de atores da sociedade civil, como jornalistas e ONGs, mostrando a crescente participação e influência desses setores nas discussões em torno da temática ambiental , apesar dos Estados resguardarem o poder de tomada de decisão. 

Foi também na  Rio-92 que ocorreu o reconhecimento do uso do termo “desenvolvimento sustentável” e a criação do princípio de “responsabilidades comuns porém diferenciadas” [2]. Por último, foi ainda durante esta conferência que foi elaborada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, do inglês “United Nations Framework Convention on Climate Change”),  que atualmente possui 165 signatários e é ratificada por 50 Estados. 

Eco-92, no Rio de Janeiro. Fonte: Diário do Rio.

Ainda na década de 1990, mais precisamente, no ano de 1995, em Berlim, capital alemã, ocorre a primeira Conferência das Partes (COP), o encontro anual da UNFCCC. Desde 1995 houveram 26 COPs, sendo que a última edição ocorreu em Glasgow, na Escócia, a próxima edição ocorrerá entre os dias 7 e 18 de novembro de 2022 em Sharm El-Sheikh, no Egito. O único ano que não houve uma COP foi em 2020 por conta da pandemia do COVID-19 que obrigou a COP26 ser realizada em novembro do ano seguinte. 

 É importante ressaltar que três destas conferências foram responsáveis por moldar de maneira incisiva o regime internacional sobre mudanças climáticas no qual discorreremos sobre nos próximos parágrafos. 

No ano de 1997, na cidade de Kyoto, Japão, marcando o fim do mandato de Berlim, se sucede a COP3, quando foi acordado utilizar-se do aparato jurídico visando obrigar que os países que ratificaram o protocolo cumprissem as metas definidas nele, dentre elas:  redução dos Gases Efeito Estufa (GEE) até o ano de 2012, ano do fim deste mandato.I. 

Anos 2000 até os dias atuais: Processo de refinamento do regime

Após dois anos da publicação do quarto relatório do IPCC ocorreu a realização da COP15,  em 2009, em Copenhague, capital dinamarquesa. A conferência foi apelidada de “Flopenhagen” – combinação em inglês das palavras ‘fracasso’ mais ‘Copenhague’ – por ser considerada por alguns especialistas a grande vergonha das conferências climáticas, tendo em vista as altas expectativas quanto à esta. 

Porém foi nesta conferência que surgiu o Acordo de Copenhague considerado “divisor de águas” uma vez que ao contrário de Kyoto, os Estados prepararam, previamente, planos nacionais detalhados, que permitiram uma maior incisão nas metas para redução da emissão de GEE.E por último, a COP21 ocorreu em dezembro de 2015 na capital francesa, Paris, e foi considerada turning-point do regime climático mundial, tendo como resultado o mais robusto acordo sobre cooperação climática visto até hoje, apesar de muitos autores concordarem ainda não ser o suficiente para alcançar o objetivo de manter o aumento da temperatura em até 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais.

Líderes globais após a COP21. Fonte: Presidencia de la República Mexicana.

O Acordo de Paris, como resultado do processo que havia iniciado-se seis anos antes em Copenhague com a emissão dos planos nacionais sobre emissão de GEE, possui um grau de flexibilização maior do que o apresentado em Kyoto. Isso porque ele estabeleceu  um sistema de metas nacionais de acordo com as realidades política, econômica e social de cada país, o que não apenas facilitou sua implementação, mas também garantiu a participação de atores mais resistentes, como os Estados Unidos, uma vez que metas específicas podem auxiliar no processo de negociação dos Jogos de Dois-Níveis. 

Além disso, a COP-21 foi responsável por implementar um sistema de “pledge and review” (compromisso e revisão, em tradução livre) das metas nacionais para garantir que essas sejam de fato implementadas. 

Diversos fatores podem ser atribuídos para explicar o sucesso de Paris, dentre eles se destacam:  o papel da presidência francesa ao conduzir a conferência e a disposição dos países em alcançar um acordo que de fato fosse benéfico a todas as partes. 

Diante disso, ainda vale ressaltar que, meses antes da realização da COP21, em setembro de 2015 ocorreu a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, na sede da organização, em Nova York,. Tal cúpula foi responsável por designar os  Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), visando substituir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que tinham como prazo o ano de 2015. Os ODS contam com diversas frentes para o desenvolvimento sustentável, como ambiental, social, econômica, entre outras, visando alcançar metas que não se preocupam apenas com a proteção do meio-ambiente e mitigação dos efeitos do aquecimento global, mas também que ao mesmo tempo permitam o desenvolvimento humano e mundial. 

Por fim, é preciso ter em mente que apesar de todo o progresso que ocorreu nos últimos cinquenta anos em relação ao regime de mudanças climáticas, ele ainda é insuficiente para  salvar o planeta de um colapso ambiental. Ainda hoje há muita resistência de diferentes setores da sociedade, em especial os extrativistas que atrapalham, constantemente,  as negociações e evitam a realização de ações realmente efetivas contra o aquecimento global, na grande maioria das vezes, visando o seu próprio lucro. Fator que coloca em risco a vida não só do   nosso planeta, mas de todas as  as demais espécies que o habitam. 

[1] Período durante a Guerra Fria entre as décadas de 1960 e 1970 quando houve o afrouxamento das tensões entre EUA e URSS.

[2] Termo queue norteia o debate até hoje, tal princípio foi emprestado da economia e refere-se às desigualdades entre países do Norte e do Sul global, dividindo-o em duas partes. A Parte Anexo I, formada por nações industrializadas membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e países do agora extinto bloco soviético que se encontravam em transição para a economia de mercado, e a Parte Não-Anexo I, que contava com o restante dos países, que interfere na diferenciação da atuação dos países no Regime de Mudanças Climáticas, atribuindo maiores obrigações à Parte Anexo I.

Referências Bibliográficas

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Amanda Simões

Mestranda em Relações Internacionais pela USP e estudante de Filmmaking na EBAC. Paulistana, vegetariana, futura tia do vinho, mãe de Shih Tzu e fã de Star Wars. Pesquiso sobre Política Climática e me interesso por política e cultura pop. Ativista socio-ambiental no Jovens pelo Clima São Paulo (JPC-SP) e no Clima de Mudança (CDM). Estudo alemão e tenho TDAH. ela/dela

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