BRICS: R de Rússia

BRICS: R de Rússia

Bandeiras dos Estados-membros do BRICS. Fonte: Ministério de Relações Exteriores da Rússia.

Criado em 2001 pela economista Roopa Purushothaman, do banco de investimentos Goldman Sachs, e publicado no artigo “Building Better Global Economic BRICs” pelo economista Jim O’Neil, o termo BRIC era um acrônimo em inglês para o agrupamento dos quatro países emergentes de maior destaque, neste caso, o Brasil, a Rússia, a Índia e a China. Grupo este que, em 2011, aprovou a entrada da África do Sul, tornando-se BRICS.

Diferentemente de um bloco econômico, o BRICS é uma aliança entre países que buscam tornar-se influentes na geopolítica regional e, em certo ponto, global, que juntamente com os Estados Unidos da América, formariam as maiores economias mundiais do século XXI (BRASIL, 2019; O’NEILL et al., 2001).

Portanto, neste artigo será abordado o papel do “R” de BRICS: a Rússia. Analisando a política externa russa em âmbito regional e para os BRICS, a importância do agrupamento tanto para a economia russa quanto para a superação dos desafios ambientais naquele país e as prioridades para a Rússia enquanto Estado-membro.

A POLÍTICA EXTERNA RUSSA EM ÂMBITO REGIONAL

Os impasses militares envolvendo as questões fronteiriças entre Índia e China, que resultaram em vários conflitos armados ao longo dos anos, como a Guerra Sino-Indiana (1962), o Incidente de Nathu La e Cho La (1967) e o Incidente de Guangdong (1987), tiveram grande influência na impossibilidade de uma tríplice aliança entre Rússia, Índia e China, algo que mudaria nos anos 1990, quando os países iniciaram tratativas a fim de retomar os laços diplomáticos e econômicos. Uma aliança entre os três países tornou-se uma questão urgente para a política externa russa, já que durante os anos 1990 enfrentou graves crises decorrentes da dissolução da URSS.

Portanto, para Panova (2015, p. 53), após o colapso da União Soviética, houve uma necessidade de compensação do “status de superpotência” que ocorreu através das inúmeras experiências de adesão à maior quantidade possível de mecanismos internacionais que fossem liderados pelo Ocidente. Além disso, como argumenta Macfarlane (2006), a alta responsividade do Estado russo para tendências nos países que integram a Comunidade dos Estados Independentes (CEI)[1] e também as regiões adjacentes, como a Ásia-Central e os Países Bálticos, – e que, portanto, compõem a zona de influência imediata da Rússia -, encontra-se na tentativa de evitar interferências externas da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na região.

Essa restauração da zona de influência russa sobre os ex-Estados soviéticos também é reflexo direto de uma reestabilização nacional em constante andamento, já que a Rússia atualmente apresenta um Produto Interno Bruto (PIB) e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), capacidades geopolíticas e militares de grande destaque em sua zona de influência imediata, o que também não é diferente dentro do BRICS, já que a Rússia tem o segundo maior PIB per capita e o maior IDH dentre os países do grupo (PANOVA, 2015).

A POLÍTICA EXTERNA RUSSA PARA O BRICS

A definição convencional de “potência emergente” é algo que deve ser cuidadosamente aplicado à Federação Russa, pois sua política externa é voltada ao esforço de reversão do declínio das décadas de 1980 e 1990. Tais tentativas, aliadas às duras políticas nas áreas econômica e política, colocam a Rússia em uma posição mais de reemergente do que de uma potência emergente. Além disso, o privilegiado assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) adiciona à política externa russa mais uma variável: a influência global.

Para Toloraya e Nikonov (2013 apud PANOVA, 2021), a Rússia e a China podem ser considerados “pai e mãe” dos BRICS, já que a participação de ambos os países na criação do grupo foi intensa. Sobretudo, por parte dos russos, que após uma série de aproximações com os demais membros (até então Brasil, China e Índia) conseguiu oficializar a criação da aliança em 2006, sendo reconhecido por muitos especialistas como o evento mais importante para a geopolítica do século XXI.

A política externa russa para os BRICS vai além das tratativas com os outros quatro Estados-membros, já que o agrupamento foi fundamental no estabelecimento das relações da tríplice aliança Rússia-Índia-China (RIC), relações que se intensificaram mais ainda desde o encontro paralelo durante o G20 de 2018, proposta por Vladimir Putin. Para além das cooperações nos campos militar, tecnológico e energético, a Rússia enquanto Estado-membro dos BRICS e importante parceira econômica de ambos os países, se estabelece como forte mediador na solução das questões fronteiriças entre a Índia e a China[2] (LAGUTINA, 2019; PANOVA, 2021).

Da esquerda para a direita, Narendra Modi, Vladimir Putin e Xi Jinping, em reunião paralela durante o G20 de 2018. Fonte: Gabinete de Informação à Imprensa da Índia.

Ademais, para Roberts (2010 apud PANOVA, 2015), a Rússia é responsável por apresentar aos membros dos BRICS os benefícios da “diplomacia em rede” que, diferentemente do Ocidente, incentiva as políticas domésticas sem “condicionalidades” e baseadas no multilateralismo, o que sempre foi evidente na política externa russa desde os primórdios do país. Conforme apresentado no informe presidencial de 1997 para a Assembleia Federal, dentre os objetivos da política externa russa, está o de que:

“A política externa russa visa construir [um] sistema de Relações Internacionais, que parte do fato de que nosso mundo é multipolar, que não deve ser dominado por nenhum centro de poder. […] [O] mundo do século XXI deveria depender menos do poder militar e muito mais do poder da lei.” (RÚSSIA, 1997, tradução minha).[3]

O COMÉRCIO RUSSO E O BRICS

Dados de 2019, da base de dados internacionais das Nações Unidas (UN Comtrade) e apresentados pelo portal Global Edge (2021), mostram que, dentre os países BRICS, o ranking de parceiros de exportação e importação da Rússia são: a China (responsável por 13,4% do total de exportações), seguida pela Índia (1,71%), Brasil (0,5%) e África do Sul (0,06%). No âmbito das importações, as posições permanecem similares, já que a China é responsável por 21,9% do total, seguida da Índia (1,59%), Brasil (0,87%) e África do Sul (0,33%).

Uma cooperação econômica mais evidente intra-BRICS se dá no contexto da aliança Rússia-Índia-China e em atividades mais específicas, como a técnica-militar. Dados da empresa estatal Rostec (2019), apontam para uma maior cooperação entre os membros do grupo, – mesmo que focada na RIC -, que pode ser observada no fortalecimento do mercado de armas russo, o segundo maior do mundo. Nesse setor, a Índia lidera a porcentagem de exportações com 27% do total, seguida pela China, com 14%.

Além disso, a cooperação no âmbito da segurança energética é outra área de destaque no comércio entre os cinco países. O primeiro marco é a colaboração sino-russa que graças ao lançamento do gasoduto “Power of Siberia” será capaz de fornecer 38 bilhões de metros cúbicos de gás para Beijing. Outra decisão importante, é o possível acordo com a Índia, que resultaria no fornecimento de 40 milhões de toneladas de carvão para aquele país. Para além da aliança RIC,  há ainda o lançamento da Plataforma de Pesquisa Energética do BRICS (em inglês, ERCP) que foi proposta por Putin durante a IX Cúpula dos BRICS sediada na China (PANOVA, 2021).

Da esquerda para direita, o Ministro de Energia Aleksandr Novak, o vice-Premiê Dmitri Kozak e o presidente Vladimir Putin em videoconferência por ocasião do lançamento do gasoduto “Power of Siberia”. Fonte: Kremlin.

A AGENDA AMBIENTAL

A singularidade ecológica dos BRICS é imensa, já que 40% das “terras florestais” de todo o mundo estão sob domínio dos territórios russo e brasileiro. Domínio esse que influencia diretamente a produção de oxigênio e o clima do planeta. Conforme afirmam Anisimov e Kayushnikova (2019), desde 2009 os Estados-membros discutem a formação de um sistema que possibilite a coordenação de atividades referentes às mudanças climáticas, harmonizando inclusive as legislações ambientais dos cinco países. Uma das alternativas encontradas em 2015 pelo grupo, foi o estabelecimento da Plataforma BRICS de Tecnologia Ambientalmente Saudável (BEST, na sigla em inglês) que juntamente com os grupos de trabalhos associados é responsável por essa coordenação de atividades, além da troca de práticas e experiências (BRASIL, 2020).

Para Pinto et al (2018), os desafios na agenda ambiental russa envolvem o investimento em biocombustíveis e energia, que é “atrasado devido a fatores locais e tecnológicos”, além de haver uma enorme carência de práticas de gestão ambiental aplicadas à indústria. No entanto, o país busca solucionar esses desafios no contexto da Nova Revolução Industrial (em inglês, NIR), através da qual a Rússia pretende desenvolver “eco-inovações” por meio de incentivos no mercado de tecnologias verdes aplicadas à construção civil – setor com o maior foco em “pesquisas verdes” no país. Essa aplicação estaria presente também em instalações de mineração, combustível e energia e, ainda, em pólos agro-industriais e em ecocities. O que levaria à (re)construção de novas instalações, obedecendo os “padrões verdes” e combinando vantagens ecológicas com vantagens econômicas (MIRANDA et al., 2021; RÚSSIA, 2020a).

Para além da superação dos desafios ambientais a nível nacional, desde 2018 os cinco países, liderados pela Rússia, integram a Parceria do BRICS na Nova Revolução Industrial (em inglês, PartNIR), um grupo de trabalho focado na cooperação envolvendo a “digitalização, industrialização, inovação, inclusão e investimento” visando a solução de “problemas emergentes, reduzindo riscos [e] criando novas oportunidades” para os países do grupo (RÚSSIA, 2020b).

PRIORIDADES PARA A POLÍTICA EXTERNA RUSSA

Em consonância com os demais membros do grupo e havendo um histórico enquanto um dos poucos países que promoveram o anti-imperialismo ocidental, as prioridades para a política externa russa enquanto Estado-membro dos BRICS não poderiam deixar de focar no multilateralismo e na resistência ao domínio ocidental, pois conforme argumenta Lagutina (2019, p. 6, tradução minha), “a Rússia busca recuperar um papel fundamental na política mundial”. Além do papel de potência (re)emergente, a Rússia também luta por influência regional, sobretudo, na Ásia Central e no Sul e Sudeste Asiático, onde compete diretamente com a Índia e a China.

Além disso, os esforços russos no BRICS envolvem: a criação de um sistema financeiro e econômico que seja mais “democrático e justo”, a cooperação dentro das Nações Unidas e do CSNU, o estabelecimento dos BRICS dentro das Organizações Internacionais com o intuito de “preservar a paz e a segurança internacionais”, a promoção do combate ao terrorismo, ao extremismo e ao tráfico de drogas, a integração com os demais países em desenvolvimento ajudando na promoção do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e a “cooperação econômica, científica e tecnológica” (PANOVA, 2015, p. 62–63; RÚSSIA, 2020c; TOLORAYA, 2015).

Putin durante pronunciamento na XI Cúpula dos BRICS em Brasília. Fonte: Kremlin.

Sendo assim, os esforços russos dentro do grupo, vão muito além das importantes medidas políticas externas adotadas por Moscovo, tendo em vista que, para a Rússia, a presença no BRICS é sinônimo de avanços em todas as áreas de cooperação e, se colocados em prática, são úteis não só para mudanças no lugar da Rússia dentro da Política Internacional, mas também para a política interna do país, que desde 2006 (ano de criação do grupo) teve diversas influências positivas advindas das cooperações intra-BRICS.

NOTAS

[1] Criada em 1991, a Comunidade dos Estados Independentes (CEI) é uma Organização Internacional  composta por ex-Estados soviéticos, com exceção da Geórgia, – que saiu em 2008 -, e dos Países Bálticos – que nunca integraram a CEI.

[2] Vale ressaltar que junto com a Índia e a China, a Rússia integra a Organização para Cooperação de Xangai onde também exerce o papel de Estado mediador em conflitos entre os Estados-membros da Organização.

[3] «Российская внешняя  политика нацелена  на построение такой системы международных отношений,  которая исходит из того,  что наш мир –  многополюсный,  что  в  нем  не  должно быть  доминирования какого-то одного центра силы. […] Суть проста: мир XXI века должен меньше опираться на военную силу и гораздо больше – на силу права.» (RÚSSIA, 1997, trecho original).

REFERÊNCIAS

ANISIMOV, A.; KAYUSHNIKOVA, J. Trends and prospects for legislative regulation of legal responsibility for environmental offenses in BRICS countries: comparative law. BRICS Law Journal, v. 6, n. 1, p. 82–101, 2019.

BRASIL. MINISTÉRIO DE RELAÇÕES EXTERIORES. O que é o BRICS. Disponível em: <http://brics2019.itamaraty.gov.br/sobre-o-brics/o-que-e-o-brics>. Acesso em: 10 out. 2021. 

____________. MINISTÉRIO DE RELAÇÕES EXTERIORES. Declaração de Moscou da XII Cúpula do BRICS. Disponível em: <https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/2020/declaracao-de-moscou-da-xii-cupula-do-brics>. Acesso em: 10 out. 2021.

GLOBAL EDGE. Russia: Trade Statistics. 2021. Disponível em: <https://globaledge.msu.edu/countries/russia/tradestats>. Acesso em: 12 out. 2021.

LAGUTINA, M. L. BRICS in a world of regions. Third World Thematics: A TWQ Journal, v. 4, n. 6, p. 442–458, nov. 2019. 

MACFARLANE, S. N. The ‘R’ in BRICs: is Russia an emerging power? International Affairs, v. 82, n. 1, p. 41–57, jan. 2006.

MIRANDA, I. T. P. et al. A Review on Green Technology Practices at BRICS Countries: Brazil, Russia, India, China, and South Africa. SAGE Open, v. 11, n. 2, p. 22, abr. 2021. 

O’NEILL, J. et al. Goldman Sachs Economic Research Group. n. 66, p. 16, 2001. 

PANOVA, V. V. Rússia nos BRICS: visão e interpretação prática. Semelhanças e diferenças. Coordenação dos BRICS dentro das estruturas de instituições multilaterais. Contexto Internacional, v. 37, n. 1, p. 47–80, jun. 2015. 

____________. Age of multilateralism: Why is BRICS important despite possible weaknesses? A perspective from Russia. Global Policy, v. 12, n. 4, p. 514–518, 2021. 

PINTO, G. M. C. et al. Environmental management practices in industries of Brazil, Russia, India, China and South Africa (BRICS) from 2011 to 2015. Journal of Cleaner Production, v. 198, p. 1251–1261, out. 2018. 

ROSTEC. Новые рекорды России на мировом оружейном рынке (Novos recordes da Rússia no mercado mundial de armas). 2019. Disponível em: <https://rostec.ru/news/novye-rekordy-rossii-na-mirovom-oruzheynom-rynke/>. Acesso em: 12 out. 2021. 

RÚSSIA. PRESIDÊNCIA DA CÚPULA DE MOSCOU. Statement of the 6th BRICS Environment Ministers meeting. 2020a. Disponível em: <https://eng.brics-russia2020.ru/images/53/20/532001.pdf>. Acesso em: 12 out. 2021. 

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TOLORAYA, G. Why does Russia need BRICS? Disponível em: <https://eng.globalaffairs.ru/articles/why-does-russia-need-brics/>. Acesso em: 10 out. 2021.

Jorge Willian Ferreira Gonçalves

Graduando em Relações Internacionais pela UFG. Membro do Grupo de Estudos sobre a Rússia (PRORUS/UFSC) e pesquisador voluntário na Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM/UFG). Tenho interesse nas relações Brasil-Rússia e a política externa russa no âmbito da Organização para Cooperação de Xangai e os BRICS.

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