A OTAN Está Pronta Para o Século XXI?

A OTAN Está Pronta Para o Século XXI?

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é um acordo internacional da década de 1940 e que perdura até hoje, na qual define alguns objetivos das políticas de segurança de diversos países na América do Norte e Europa. Ela é hoje o maior tratado dessa área no mundo. A OTAN teve diversos objetivos e inimigos durante a sua história, e, como qualquer Organização Internacional, teve que se adequar ao tempo. Neste artigo analiso a OTAN numa perspectiva histórica e na visão do governo de Donald Trump. Boa leitura!

Durante os anos finais da Segunda Guerra Mundial, inicia-se arranjos na política internacional para preparar o terreno para o mundo pós-guerra. Entre tratados de paz e acordos políticos informais, é pouco conhecida a Carta do Atlântico: realizada em 1941, foi uma declaração política entre os Estados Unidos e Reino Unido, na qual ressaltavam a intenção de, após derrotada a tirania nazista, “estabelecer a paz que proporcionará a todas as nações os meios de se estar em segurança nas suas próprias fronteiras […]” (ONU, 2020). A Carta do Atlântico foi uma fagulha de esperança para os países ocupados pelo nazifascismo na Europa. Em 1948, no início da Guerra Fria, França, Reino Unido, Bélgica, Holanda e Luxemburgo assinam o Tratado de Bruxelas, acordo para coordenação política e militar que precederia a OTAN (DA COSTA, 2006). Tanto o Tratado de Bruxelas como a Carta do Atlântico são acordos securitários que precederam a OTAN.

Mas então, para que serve exatamente a OTAN?

Segundo o próprio tratado, os objetivos da Organização são: resolução por vias pacíficas dos países membros (artigo primeiro); contribuir para relações internacionais livres, amigáveis e pacíficas (artigo segundo); consultas internacionais para solução de conflitos (artigo quarto) e a segurança mútua contra intervenção estrangeira (artigo quinto) (OTAN, 1949). Como percebe-se, os artigos representam intenções e valores da organização recém criada. Porém, o artigo quinto concede à OTAN um meio de retaliação militar, embasado juridicamente pelo próprio tratado, na qual afirma que, se um ou mais membros do tratado sofrer ataque armado[1], cada uma das partes do acordo prestará assistência à nação atacada.

Fundada em 5 de abril de 1949, com a presença de 12 países[2], logo no início da Guerra Fria se iniciou  os processos de expansão da OTAN para novos membros. E com isso, a Grécia (1952), Turquia (1952) e Alemanha Ocidental (1955) adentram à Organização. A OTAN foi criada com base em abordagens que consideravam a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) a nova rival geopolítica do Ocidente. Para impor-se militarmente, a União Soviética cria o Pacto de Varsóvia em 1955, com o mesmo princípio da OTAN de segurança coletiva e resposta militar conjunta em situação de ataque à uma das partes. Portanto, durante toda a Guerra Fria, a OTAN teve como seu objetivo implícito e intrínseco a contenção da expansão soviética na Europa, resguardando seus membros de um potencial ataque da URSS. Ao comentar interesses paralelos entre a China e os EUA, o ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, diz o seguinte sobre a Organização:

A Otan buscava unir seus parceiros, acima de tudo, numa resistência contra a agressão soviética de fato. Manifestamente evitava qualquer conceito de ação militar preemptiva. Preocupando-se em evitar o confronto diplomático, a doutrina estratégica da Otan tem sido exclusivamente defensiva (KISSINGER, 2011, p. 355).

Portanto, com o fim da URSS e a ascensão de um Sistema Internacional unipolar liderado pelos Estados Unidos, como ficou a OTAN?

Os países membros da Organização tinham noção de que ela deveria ser reinventada. Portanto, no ano de 1991 é publicado o primeiro Conceito Estratégico da OTAN, na qual, além de reassegurar conceitos basilares já existentes, ressalta a aproximação da instituição com antigos adversários (DA COSTA, 2006, p. 136). Logo, a atuação da Organização passa de uma contenção da expansão comunista para novas pautas na agenda, como a estabilização da democracia nos Estados integrantes e auxílio financeiro aos novos membros, além de combate ao terrorismo (BAGHDADI; SOUSA, 2020). Assim veio as novas agendas, e assim vieram os novos Estados partes. O Tratado, que se iniciou com doze membros fundadores, expande-se para trinta países em 2020[3]

Qual a relação do governo Trump com a Organização?

Segundo o ex-assessor de segurança nacional do governo Trump, John Bolton, a aliança era um exemplo de sucesso de ‘estrutura de dissuasão’. Ainda segundo ele:

Era a nossa aliança, e era primordialmente para nosso benefício [dos Estados Unidos], não porque nós estávamos nos alugando para defender a Europa, mas porque defender ‘o Ocidente’ era defender o interesse estratégico dos Estados Unidos. (BOLTON, 2020, p. 133)[4]

Trump, antes do início da sua presidência, já não era simpático à Organização. Chamou-a de obsoleta em 2016, durante campanha presidencial. E na sua primeira cúpula em 2017, enfatizou o Comprometimento de Cardiff – o comprometimento da OTAN de 2014, selado em Cardiff, Wales, que definia que até 2024 todos os membros deviam gastar 2% do seu PIB em defesa (BOLTON, 2020, p. 134). Logo, Trump ameaça o Secretário Geral da OTAN, Jens Stoltenberg, de reduzir suas contribuições à organização. Durante a cúpula, o presidente Donald Trump pressionou especialmente a Alemanha de Merkel, demonstrando sua insatisfação com a porcentagem de gastos militares alemães em comparação ao seu PIB. Trump afirma que tem consideração e respeito pela OTAN e seu Secretário Geral, mas ressalta a necessidade dos outros parceiros elevarem seus gastos militares. O presidente dos Estados Unidos, em pré-briefing[5], afirma:

É muito triste quando a Alemanha faz um grande acordo de petróleo e gás com a Rússia. Nós estamos protegendo todos estes países, e eles fazem um acordo de oleoduto. Nós devemos proteger vocês, e vocês ainda estão pagando todo esse dinheiro para a Rússia. A Alemanha é totalmente controlada pela Rússia. A Alemanha paga pouco mais de 1%, nós pagamos mais de 4%. Isto está acontecendo por décadas… temos que fazer algo, porque nós não podemos continuar assim. A Alemanha foi capturada pela Rússia. (BOLTON, 2020, p. 139)[6].

Visto que a crítica mais contundente da administração Trump concerne à porcentagem dos gastos militares em relação do PIB, analisemos no gráfico abaixo quais países bateram tal meta.

FONTE: OTAN (2019, p.3).

Percebe-se, portanto, que em 2019 eram apenas nove dos trinta países que tinham gastos em defesa superior a 2% em relação ao PIB. No caso, os países que já atingiram a meta, antecipadamente, são: Estados Unidos, Bulgária, Grécia, Reino Unido, Estônia, Romênia, Lituânia, Letônia e Polônia. Destaca-se no gráfico acima a situação de Alemanha (1,38%), Itália (1,22%) e Espanha (0,96%). São países ricos, com PIBs significativos, mas com gasto muito aquém da linha definida pelo Comprometimento de Cardiff.

Portanto, entende-se que a OTAN teve um objetivo específico para sua criação, mas com o fim da Guerra Fria, sua razão de existir se esvai. Portanto, a década de 1990 é o período temporal de reinvenção da Organização, tanto de novas agendas propostas, como de novos membros aceitos. Mais recentemente, o embate EUA-OTAN durante o governo Trump se tornou ainda mais incisivo, com cobranças explícitas e diretas dos Estados Unidos aos governos da Europa, em especial à Alemanha. A pressão estadunidense exige o aumento dos gastos militares dos países membros, a fim de regredir a morte cerebral da Organização, termo utilizado pelo presidente da França, Emanuel Macron, para diagnosticar o estado atual da Organização do Tratado do Atlântico Norte.

CURIOSIDADE

O artigo quinto da OTAN, que garante a reprimenda militar se um dos países membros for atacado, foi utilizado apenas uma vez. A situação foi o ataque de 11 de setembro nos Estados Unidos (BOLTON, 2020, p. 133).

BIBLIOGRAFIA

DA COSTA, Rogério. Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN): Histórico, Características, Objetivos, Funcionamento e Influência na Segurança Coletiva. Relações Internacionais em Revista: Curitiba, n. 6, p. 129-151, 2006.

KISSINGER, Henry. Sobre a China. Tradução de Cássio de Andrades Leite. 1. Ed, Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

ONU. 1941: The Atlantic Charter. 2020. Disponível em: <https://www.un.org/en/sections/history-united-nations-charter/1941-atlantic-charter/index.html>. Acesso em: 25 out 2020.

OTAN. Tratado do Atlântico Norte. 1949. Disponível em: <https://www.nato.int/cps/en/natohq/official_texts_17120.htm?selectedLocale=pt>. Acesso em: 25 out 2020.

____. Defence Expanditure of Nato Countries (2013-2019). Comunicado PR/PC (2019) 123. Bruxelas, 2019. Disponível em: <https://www.nato.int/nato_static_fl2014/assets/pdf/pdf_2019_11/20191129_pr-2019-123-en.pdf>. Acesso em: 25 out 2020.

____. What is NATO?. 2020. Disponível em: <https://www.nato.int/nato-welcome/index.html>. Acesso em: 25 out 2020.

BAGHDADI, Tanguy; SOUSA, Daniel. Friends and Foes: os aliados, os rivais, os inimigos. Curso em Parceria do Petit Journal com Clipping CACD: Estados Unidos – Manutenção do Poder num mundo em transformação. 2020.

[1] O conceito de ‘ataque armado’ é definido logo no artigo sexto, que delimita todas as regiões no mundo em que são considerados ataques armados às partes do acordo. Além do mais, para se coordenar a resposta armada do artigo quinto, a OTAN baseia-se explicitamente no direito de legítima defesa do artigo 51 da Carta das Nações Unidas.

[2] Os países fundadores da OTAN são respectivamente, em ordem alfabética: Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Holanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Reino Unido.

[3] Depois dos quinze membros já citados, os novos países signatários são, respectivamente, em ordem cronológica: Espanha (1982), Hungria (1999), Polônia (1999), República Tcheca (1999), Bulgária (2004), Estônia (2004), Letônia (2004), Lituânia (2004), Romênia (2004), Eslováquia (2004), Eslovênia (2004), Albânia (2009), Croácia (2009), Montenegro (2017) e Macedônia do Norte (2020) (OTAN, 2020).

[4] No original: “It was our aliance, and it was primarily for our benefit, not because we were renting ourselves out to defend Europe, but because defending “the West” was in America’s strategic interest”.

[5] Espécie de pré-reunião.

[6] No original: “It’s very sad when Germany makes a massive oil-and-gas deal with Russia. We’re protecting all of these countries, and they make a pipeline deal. We’re supposed to protect you, and yet you’re paying all this money to Russia… Germany is totally controlled by Russia. Germany pays a little over one percent, we pay over four percent. This has been going on for decades… We’re going to have to do something, because we’re not going to put up with it. Germany is captured by Russia”.

Gustavo Milhomem

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás. Idealizador do Dois Níveis.

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