Ucrânia – Conflitos e casos de amor

Ucrânia – Conflitos e casos de amor

     Atualmente, o território ucraniano tem vivido dias de conflito. O conflito atual?  A guerra civil ucraniana. Em linhas gerais, um conflito que tem seu início oficial em 2014, por meio de operações do governo de Kiev às regiões de Donestsk e Lungask, províncias ao leste ucraniano. Esses ataques acabaram configurando um conflito armado envolvendo forças separatistas no país. A promoção do conflito é dada por diversos fatores. Dentre eles a influência russa, que alguns autores poderão sintetizar como um processo de Russificação da Ucrânia ; consequências da  guerra Crimeia , referendos e protocolos que não foram efetivados e uma crescente dos sentimentos nacionalistas diversos.

     O que raios isso tem a ver com casos de amor? Calma, não vou entrar em pormenores desse conflito para que esse artigo não te faça perder a linha de raciocínio. Aliás, é muito comum esse efeito ao estudar conflitos. Isso porque os atores e o formato que suas atuações se aplicam a realidade nem sempre vão seguir uma tendência. Tudo está em constante mudança. Além do mais, temos uma dificuldade já dada ao analisar coalizões das forças ao oriente. Esse fator está diretamente ligado à habitualidade que temos de lidar com os conceitos que diferem do nosso mundo ocidental. Prometo te guiar nessa jornada.

     Podemos iniciar através da exemplificação organizacional governamental ucraniana comparada à brasileira. No Brasil vivemos em uma República Federativa Presidencialista enquanto na Ucrânia verificamos uma República em um sistema semi presidencial, ou seja, por lá existem duas figuras significativas no governo: o presidente e o primeiro-ministro, um como o chefe de estado e outro como chefe de governo, respectivamente. 

                                                                            

                                                                      IBGE, Ucrânia

      A Ucrânia ainda se difere em sua organização territorial. Começando pelo fato de que o Estado ucraniano se conforma no modelo de Estado Unitário. Significa dizer que qualquer unidade sub governamental é condicionada ao governo central. Sendo assim, toda unidade do Estado está propensa às vontades do governo. Este podendo ampliar e restringir as funções sem consentimento prévio bem como criar ou extinguir essas mesmas unidades. Pois é, uma confusão para conseguirmos entender. Por lá, essas unidades do Estado são entendidas como províncias (oblasts – областях em ucraniano) e juntamente com a República Autônoma da Crimeia e duas cidades com estatuto especial Kiev e Sebastospol compõem o país.

     Provavelmente, a essa altura você deve estar se perguntando, onde foi que eu me meti. Acalme seu coração, por isso eu falei que não iria explicar o atual conflito em si. No entanto, preciso que se atentem as motivações crescentes e ainda atuais desses movimentos separatistas que inflamam o conflito recente. Isso porque ele permeia a composição do território ucraniano desde de sua formação mais remota. Nas palavras do autor brasileiro Luiz Alberto Moniz Bandeira: 

‘A Ucrânia sempre foi um território heterogêneo, penetrado, através dos séculos, por diversas culturas, religiões e tendências políticas. Nunca teve unidade étnica, homogeneidade cultural nem fronteiras definidas, ao longo da história. Foi fragmentada muitas vezes e crucificada por quatro estados, como disse Trotsky.”
(MUNIZ BANDEIRA, A desordem mundial, p. 210, 2016)

     Ainda no século XVII, o território que entendemos como Ucrânia era tida como espaço de conflitos e lar dos Cossacos. Os Cossacos são um povo nativo, que em sua formação histórica teve suas estruturações fomentadas por camponeses que fugiam de seus senhores feudais, principalmente de feudos polacos e moscovitas. Esse povo ficou conhecido por suas desenvolturas em guerra que inclusive, mais tarde, viria a formar parte do Exercito Russo.  Há época, o povo Cossaco foi liderado por Ivan Stepanovych Mazeppa.

                                                   Sim, é agora que você entenderá o entrelaço entre os conflitos e casos de amor.

   Mazeppa, antes de ser considerado o líder dos cossacos, viveu um romance com a Condessa Tereza. Condessa Tereza era desposada por Lord Bryon, o rei da Polônia. Quando o rei descobriu o caso de amor entre ambos mandou que prendessem Mazeppa ao dorso de um cavalo, e, totalmente nu, o soltasse sem destino pelas estepes da região. No entanto, Mazeppa não morreu, antes, foi encontrado pelo povo Cossaco e se ergueu como líder dos mesmos (considerado atamán na terminologia ucraniana). Ainda, segundo Muniz Bandeira, seria Ivan S. Mazeppa a ter o ideal de unir os territórios como Estado Unitário, mantendo a ordem tradicional dos Cossacos.

                                                                                      

                 Dariusz T Wielec  Um cossaco ucraniano nos tempos das Repúblicas das Duas Nações 

       Na medida em que os anos se passavam, as margens do Rio Dniepre, o principal rio da região, à esquerda levantavam-se novos líderes sob a soberania da Rússia (os chamados Atamanatos) de forma semi-independentes. Enquanto à direita da margem, o controle territorial era exercido pela Polônia. No entanto, o conflito se tornou iminente somente quando o Czar Russo, Pedro, o grande, começa a enviar agentes para comandar o povo cossaco. Neste momento, nasce uma aliança por meio de Mazeppa e o Rei da Suécia para a defesa do povo Cossaco e com a promessa de uma ‘independência ucraniana’.

      A tentativa de oposição ao império russo não surte efeito. Os russos avançavam e, dentre os efeitos colaterais, a dissolução de autonomia dos líderes dos Atamanatos. Mazeppa falece. O curioso é que, como se já não bastasse à insurgência do líder dos cossacos através das consequências de um caso de amor, não seria o último romance que traria ganhos e perdas nesse processo conjuntural.

    Dessa vez,  o romance seria proveniente do lado russo. A Czarina Catarina II, predecessora do Czar Pedro, obteve ganhos de extrema relevância através de uma aproximação romântica. Grigory Aleksandrocich, então príncipe e marechal russo que exercia um domínio muito incisivo na região da Crimeia, foi o responsável por conseguir oficialmente a anexação do território. O território já havia sido conquistado em 1771, mas somente em 1783, quando o príncipe através de suas influencias, influi na abdicação do último Khan[1] da Criméia em favor da czarina. O reconhecimento do Império Otomano  veio como consequência naquele mesmo ano.

    Os conflitos seguiram contínuos na região, vide a situação atual. Inclusive, deixo aqui uma incitação: foi esse mesmo príncipe quem recebeu a incumbência de construir uma base naval para que a frota do mar negro pudesse controlar zonas energéticas de petróleo e gás da região. Essa mesma base gerou vários conflitos, inclusive gerou bombardeios presentes durante a Guerra dos 30 anos[2].

    Ah, mas essa análise vai ficar para outro momento. Espero que eu tenha conseguido te guiar até aqui de modo que você saia dessa leitura entendendo um pouco mais sobre essa região do mundo e entendendo que, nas relações internacionais, conflitos e casos de amor podem ser peças importantíssimas na construção dos jogos de poder mundial.


[1] Khanatato nada mais é do que a forma de governo dos povos que viviam povoado Tatars e Nogais tribos turcas da região, que eram regidos por um Khan.. 

[2]O conflito que se encerrou com um dos mais conhecidos acordos nas Relações Internacionais, o Acordo De Paris de 1856 que estabeleceu neutralidade sobre o mar negro dentre outros pontos.

BIHARPRABLHA, I.  Pro russian group in Donestsk declare independence from Ukraine. Disponível em: <https://news.biharprabha.com/2014/04/pro-russian-group-in-donetsk-declare-independence-from-ukraine/> Acessado em 04/07/2020

BOBBIO, R. Dicionário de Política. 1976 Ed. UNB, 2008

MUNIZ BANDEIRA, L A. A desordem mundialo espectro da total dominação. 2017. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2016.

UCRÂNIA. Disponível em: <https://www.kmu.gov.ua/en>.  Acessado em 04/07/2020.


Marcos Souza

Diretor de Conteúdo do Dois Níveis Graduando em Relações Internacionais (UFG)

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