Guerra na Ucrânia: o resultado da falha de coerção russa.

Guerra na Ucrânia: o resultado da falha de coerção russa.

Foto: AFP

DUZENTOS E SESSENTA E TRÊS DIAS SEPARAM O INÍCIO DA GUERRA E A PUBLICAÇÃO DESTE ARTIGO 

Embora seja evidente a seletiva comoção da mídia internacional, não pode-se negar que a então chamada operação especial russa nos territórios ucranianos gerou uma das maiores crises humanitárias dos últimos anos no velho continente. A baixa em civis, grande migração de refugiados, cidades quase como cenários pós apocalípticos e o impacto da crise energética na Europa são apenas alguns dos sintomas de curto prazo a serem sentidos em maior ou menor escala, não apenas nos países diretamente envolvidos mas sim em todo o continente. Por meios teóricos é possível analisar que a distorcida percepção de realidade de Vladimir Putin lhe fez ver que a ofensiva de 24 de Fevereiro seria a melhor maneira de conseguir com que seus interesses econômicos, políticos e ideológicos se sobressaíssem aos do seu antigo irmão dos tempos de União Soviética, além de enfrentar os medos atuais de um inimigo do passado: a Organização Tratado do Atlântico Norte. 

Nesta primeira publicação do Machtpolitik observamos a invasão russa à Ucrânia como estratégia de compelência sob luz da diplomacia coercitiva. 

Afinal, o que é a teoria da compelência? 

Segundo Thomas C. Schelling, economista e ex-professor de política externa, segurança e controle de armas da Universidade de Maryland, em seu livro Arms and Influence a compelência (compellence, em inglês) é uma forma de diplomacia coercitiva de ação direta onde um ator busca coagir um outro a desistir de algo por meio de ameaças ou até mesmo o uso limitado de força. O objetivo principal é o cumprimento de demandas ou a busca pelo cenário de negociação mais favorável para aquele que está a coagir. No entanto, para ser bem sucedida, a compelência precisa de alguns fatores em seu favor: o papel das garantias de desejos limitados, a credibilidade do ator que está a compelir e uma boa percepção dos riscos da ação. 

Primeiramente, para o êxito completo da compelência, o papel da garantia de que as imposições não se estenderão para além dos acordos finais é primordial para o entendimento daquele que estiver a sofrer a compelência, pois lhe passa a segurança de que uma vez que ceder, não irá ceder mais que o planejado e/ou acordado com a outra parte. Por conseguinte, é necessário haver credibilidade mediante ameaças, demonstração de capacidade física militar, de recursos humanos e políticos que ilustrem que o ator poderá efetivar suas ameaças, caso não obtenha o que foi demandado. A credibilidade de uma ameaça pode ser diretamente ligada à reputação de um ator, considerando que teóricos desde Joseph Nye até o próprio Thomas Schelling falam de sua importância para ações dentro do sistema internacional, sendo uma condição formada a partir da história e do poder obtido durante ela. E, finalmente, a percepção dos riscos e possíveis respostas do adversário deve entrar no cálculo de análise de custo benefício de uma ação.

a dissuasão repousa antes de tudo sobre o fator material: é preciso ter um grande poder de destruição, uma boa precisão e uma boa capacidade de penetração. – BEAUFRE, 1998, p.90

O CASO RUSSO-UCRANIANO

Foto: Vitaly V. Kuzmin

Exemplo prático de compelência exercida pela Rússia pode ser ilustrados pela utilização do Iskander-M, um sistema de míssil balístico de curta distância que foi movido do 41º Distrito Central Militar na Sibéria para um suposto exercício militar nas proximidades da fronteira ucraniana. O exercício foi finalizado no dia 16 de setembro de 2021 mas o Iskander não voltou para sua base e continua na mesma região. Portanto, podemos interpretar como um claro exemplo de tentativa de intimidação mediante demonstração de força militar, visando coagir as decisões ucranianas. 

Foto: Yulii Zozulia/ Ukrinform/Barcroft Media via Getty Images 

Embora dentro do sistema internacional a Rússia seja de fato vista como uma potência militar, sua credibilidade foi afetada às vésperas da invasão, com o episódio de falsas ameaças aos britânicos nas águas territoriais da Crimeia. A fragata HMS Defense foi enviada para tal região no Mar Negro, após assinatura de um memorando entre Reino Unido e Ucrânia para a implementação de armas navais. Com a chegada inesperada da fragata, o lado russo reportou tiros em advertência e lançamento de bombas aéreas, mas o lado britânico relatou que tais ações não aconteceram, desmentindo a Rússia e impactando na sua credibilidade de ameaça. De um lado, a Rússia declarou falta de educação da parte britânica por invadir suas águas sem permissão, enquanto do outro, o Reino Unido alegou manter boas relações com a Ucrânia, assumindo que não vê a Crimeia como parte legalmente anexada pela Rússia. 

NurPhoto via Getty Images

À luz do conflito, a Rússia tinha como demanda o aceite dos acordos de Minsk em sua versão, o afastamento ucraniano dos Estados Unidos da América, bem como a diminuição da expansão deste sobre os países que fazem fronteira com a Rússia e as antigas integrantes da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; a retirada de todas as forças militares estadunidense do continente europeu; e a retirada de forças da OTAN em países pós soviéticos, mesmo que integrantes à Organização. Eram pedidos exorbitantes mas que seguiam não apenas a nova linha de política externa mais hostil do presidente russo como também apresentavam-se constantes durante o tempo, cerca de um ano antes da invasão de fato. Embora os pedidos fossem claros, por motivos históricos de até mesmo agressão com a própria Ucrânia, não se viam garantias de que as demandas iam se conter apenas a essas demandas iniciais e não se prolongariam, uma vez que Zelensky cedesse. 

O RESULTADO FINAL 

A extensão das sanções ter sido um fator surpresa¹ para a Rússia revela a falha em calcular as reações dos adversários, que vê da ofensiva algo maior que uma disputa territorial: representa a tentativa de manutenção de poder em países pós soviéticos, alguns que atualmente até são integrantes da OTAN. Ainda, mediante publicação antecipada de vitória na Ucrânia em jornal russo, revela que as intenções na ofensiva seria de mesma tática acontecida em episódios anteriores: invasão rápida e de baixo custo, como ocorreu na Síria, Georgia e Crimeia, subestimando a capacidade defensiva militar ucraniana que vinha se fortalecendo desde 2014 e a expansão do sentimento de pertencimento e identidade nacional. Por fim, a teoria afirma que a Rússia não conseguiu exercer a compelência que desejava e sua ganância resulta hoje em 4,8 milhões de refugiados e milhares de vidas perdidas.

Referências

DREZNER, Daniel W. Why did deterrence fail in Ukraine? The Washington Post, 2022. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/outlook/2022/03/27/why-did-deterrence-fail-ukraine/>

GOULD-DAVIES, Nigel. Putin’s Strategic Failure. Survival. Vol 64 N2. 2022. pp7-16.

SCHELLING, Thomas, C. Arms and Influence. 

GOULD-DAVIES, Nigel. Russia’s choices and the prospect of war in Ukraine. International Institute for Strategic Studies. 2022.  Disponível em: <https://www.iiss.org/blogs/analysis/2022/02/russia-choices-and-prospect-of-war-in-ukraine>. Acesso em: 

TRAVASSOS, Gabrielle Lessa Rangel. Diplomacia coercitiva como instrumento de política externa: sua aplicação e eficácia na resolução de conflitos. Monografia (Relações Internacionais). Centro de Ciências Biológicas e Sociais Aplicadas, Universidade Estadual da Paraíba. João Pessoa, 2014. 

WILLIAMS, Paul D. War. In: Paul D. Williams & Matt McDonald (orgs), Security Studies: an introduction, 3 ed., 2018, pp. 175-190.

Camila Cavalcanti de Santana

Do agreste pernambucano, é estudante de Relações Internacionais pela Universidade Federal da Paraíba. Apaixonada por Segurança Internacional, América Latina, Direito, café gelado e sua gatinha frajola chamada Olivia.

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