A IMPORTÂNCIA DAS REDES SOCIAIS NA PRIMAVERA ÁRABE: UMA REFLEXÃO

A IMPORTÂNCIA DAS REDES SOCIAIS NA PRIMAVERA ÁRABE: UMA REFLEXÃO

Foto de Ahmed Akacha. Reprodução: Pexels

É notório que as redes sociais transformaram as formas de comunicação em escala global. A velocidade com que notícias e informações são difundidas, por meio de plataformas como Twitter, Instagram, Facebook e Youtube, trouxe alterações no modo que se enxerga algo que está fisicamente distante, aproximando-o. Em países como Tunísia, Egito e Líbia, enquanto passavam pela Primavera Árabe, foi possível organizar movimentos populares em oposição ao autoritarismo, de forma a cessar alguns governos ditatoriais que eram supostamente intransigentes, através do uso da internet e das redes sociais. Portanto, a finalidade desse artigo é trazer uma reflexão e dar visibilidade à atuação da internet como ferramenta que potencializou a ação dos movimentos políticos, organizados pela sociedade civil, nas manifestações ocorridas nos países do Norte da África.

Mas o que foi a Primavera Árabe?

Um conjunto de movimentos revoltosos ocorridos em Estados tanto do Oriente Médio quanto do Norte da África, iniciado no final do ano de 2010 e com fim em meados de 2012. Os protestos compartilharam técnicas de resistência civil em campanhas envolvendo greves, manifestações, passeatas e comícios. O que fez tornar as manifestações que ocorreram nesse período similares foi a insatisfação popular com seus respectivos regimes ditatoriais e o anseio pela superação de governos intransigentes. Um elemento que se faz importante de ser mencionado é que os protestos realizados tinham um caráter democrático, uma índole social e demandavam melhorias nas condições de vida da população (SANTOS FILHO, 2013).

O estopim para o primeiro dos protestos, realizado no mês de dezembro de 2010 na Tunísia, se deu a partir da viralização de um vídeo, por meio das mídias tradicionais e pelas redes sociais, em que um vendedor ambulante local incendeia-se após ter suas mercadorias confiscadas por um profissional da força policial com a justificativa de que ele não possuia autorização para vender nas ruas [1]. O vendedor, chamado Mohamed Bouazizi, em um ato de desespero e de protesto contra as condições de vida tunisiana ateou fogo em seu próprio corpo, sem saber das repercussões que sua conduta acarretaria (VIEIRA, 2013).

Embora cada um dos Estados que sofreram com manifestações populares tenha tido suas particularidades, houve grandes semelhanças nas motivações em todos esses casos. As reivindicações, que se iniciaram em prol da diminuição dos preços de itens alimentícios, foram se expandindo para diversas áreas de natureza política, como: a luta contra o cunho autoritário de seus governos e a favor da liberdade política; a construção de um Estado com separação de poderes; a promoção da justiça social e o julgamento dos casos de corrupção e repressão (SANTOS FILHO, 2013).

Além disso, não há como deixar de mencionar as motivações econômicas para os protestos.  Uma impressionante escalada nos preços dos alimentos e da energia na região naquele período gerou um impacto direto nas populações que já viviam perto do limiar de pobreza, o que acontece com frequência no Norte de África. Dessa forma, as populações do Médio Oriente e do Norte de África se mostraram vulneráveis às subidas dos preços em decorrência desses países, todos ainda em estado de desenvolvimento, e possuíam taxas relativamente elevadas de desemprego, sobretudo, entre os jovens (JOFFÉ, 2011).

Foto de Khaled Desouki. Reprodução: CBN News

As consequências dos protestos

Em alguns países, os protestos civis produziram mudanças políticas imediatas e os governos foram forçados a renunciar ao poder. Este foi o caso da Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen. Porém, em outros lugares, os protestos civis ocorreram em pequena escala. No caso da Síria, o governo respondeu severamente às disputas com duras medidas de segurança e operações militares. Vale ressaltar que os episódios da chamada Primavera Árabe marcam o fim de um longo período de estabilidade política na região (GROIZARD; ISMAEL; SANTANA, 2016).

Em virtude da maioria dos protestantes ser constituída pela população jovem desses países, o acesso à internet foi um fator diferencial que contribuiu para uma maior divulgação dos movimentos protestantes organizados. A ideia da utilização das redes sociais surgiu com a finalidade de entender o anseio reprimido que a população árabe tinha de exonerar ditadores do poder e de que forma elas conseguiram dissipar as informações domésticas para o mundo inteiro através do uso das redes sociais, de forma direta e sem a intervenção das mídias tradicionais (LYNCH; GLASSER; HOUNSHELL, 2011).

O papel das redes sociais

Em uma resposta à insatisfação social generalizada, foi-se criando movimentos sociais com o objetivo de expressar contestação e desejo por mudanças políticas. Nesse cenário, a internet se tornou um veículo de contestação social, por meio da qual foi possível realizar a comunicação entre os manifestantes dos diversos países da região, atraindo cada vez mais adeptos às causas (JOFFÉ, 2011). 

Embora não existisse um uso em grande escala das redes sociais no mundo árabe, após o evento da Primavera Árabe, é notório que houve a multiplicação da utilização dessas redes no que se trata de ativismo político. Dessa forma, foi possível notar que um fator essencial para a popularização e o crescimento das manifestações na Primavera Árabe foi a exploração do potencial do ciberativismo [2], com o aumento do emprego de sites como Facebook, Twitter e Youtube. Enquanto isso, os Estados se apropriaram de mecanismos estratégicos, tais como a aplicação da vigilância e espionagem, para priorizar as suas pretensões particulares de modo a desconsiderar as solicitações e necessidades advindas da população protestante (BARTKOWIAK; FONSECA; MATTOS; SOUZA, 2017). 

A partir do momento que as informações de nível doméstico atingiram o nível internacional, mobilizou-se a opinião pública internacional, os Estados e as instituições internacionais para o lado dos manifestantes e contra os governantes. Assim, o apoio recebido através das redes sociais permitiu um contato mais íntimo com o cenário presente nos países árabes em 2011, fazendo com que a população árabe percebesse que não estava sozinha. Neste contexto,  as redes sociais foram capazes de manter o mundo inteiro informado do que estava acontecendo e, a partir disso, alcançaram o suporte de boa parte dos países ocidentais (BARTKOWIAK; FONSECA; MATTOS; SOUZA, 2017).

Considerações Finais

Os acontecimentos ocorridos nos países do Oriente Médio e do Norte da África tiveram semelhanças e divergências. Dadas as particularidades de cada país, o impacto das manifestações foi diferente. Entretanto, sempre convergindo para a luta por uma sociedade mais igualitária, pela justiça social e pelo fim da repressão governamental. 

Desta forma,  nota-se que a discussão acerca da mobilização digital no caso da Primavera Árabe torna-se importante na medida em que explica alguns dos mecanismos usados pela população dos países envolvidos, tanto para se organizarem politicamente, quanto para disponibilizarem imagens e circularem informações dos levantes, em plano doméstico e externo. Portanto, a Primavera Árabe pode ser entendida como um acontecimento de ordem complexa catalisada pelo uso das mídias sociais.

Notas

[1] Caso queira se aprofundar mais sobre os protestos que ocorreram na Tunísia, durante a Primavera Árabe, acesse o artigo sobre o assunto em nosso site, clicando aqui.

[2] Ciberativismo:  Refere-se a utilização dos meios digitais por grupos politicamente motivados que buscam difundir informações e reivindicações.

Referências

BARTKOWIAK, Jaqueline Zandona; FONSECA, Thatiane de Almeida; MATTOS, Gabriel Motta; SOUZA, Vitor Henrique do Carmo. A Primavera Árabe e as redes sociais: o uso das redes sociais nas manifestações da Primavera Árabe nos países da Tunísia, Egito e Líbia. Caderno de Relações Internacionais, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 66 – 94, 2017. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=30432@1&msg=28#. Acesso em: 01 de nov. 2022.

GROIZARD, José; ISMAEL, Mohanad; SANTANA, María. The economic consequences of political upheavals: the case of the Arab Spring and international tourism. Asociación Española de Expertos Científicos en Turismo, 2016.

JOFFÉ, George. A Primavera Árabe no Norte de África: origens e perspectivas de futuro. Relações Internacionais, n. 30, p. 85-116, jun. 2011. Disponível em: https://scielo.pt/pdf/ri/n30/n30a06.pdf. Acesso em: 28 de out. 2022.

SANTOS FILHO, Onofre. Os movimentos contestatórios no Oriente Médio e no Norte da África: a Tunísia é a solução?. Estudos Internacionais, v. 1, n. 1, p. 37-58, jan/jun 2013. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/estudosinternacionais/article/view/5159/5169. Acesso em: 02 de nov. 2022.

VIEIRA, Vivian Patricia Peron. O papel da comunicação digital na Primavera Árabe: apropriação e mobilização social. 5º Congresso Brasileiro de Pesquisadores em Comunicação Política, Curitiba, mai. 2013.

LYNCH, Marc; GLASSER, Susan B.; HOUNSHELL, Blake. Revolution in the Arab World: Tunisia, Egypt, and the Unmaking of an Era. Foreign Policy, 2011. Published by the Slate Group, a division of The Washington Post Company. 

Referências das Imagens

PEXELS. Ahmed Akacha. Disponível em: https://www.pexels.com/pt-br/foto/siria-anonimo-balao-bexiga-6929768/. Acesso em: 04/11/2022.

CBN News. Khaled Desouki. Disponível em: https://cbn.globoradio.globo.com/institucional/historia/aniversario/cbn-25-anos/boletins/2016/01/20/2011-PRIMAVERA-ARABE-DERRUBA-LIDERES-AUTORITARIOS.htm. Acesso em: 04/11/2022

Isadora Ferreira Marinho

Estudante de Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Possui interesse nas áreas de Direito Internacional Público e Política Internacional.

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