Você conhece o Conselho de Cooperação do Golfo?

Você conhece o Conselho de Cooperação do Golfo?

A Política Internacional é uma área de estudo pouco conhecida do cidadão brasileiro. Se pouco conhecida, muito menos é entendida pela população em geral. As línguas (principalmente árabe e persa), os conflitos étnicos, religiosos e/ou políticos são entraves consideráveis para a compreensão da região. Porém, nós do Dois Níveis gostaríamos de apresentar uma parte do Oriente Médio pouco discutida na mídia mundial: convergência política e econômica entre os países. A quebra do estereótipo de que nações do Oriente Médio são necessariamente belicosas é o primeiro passo para entende-las mais profundamente. E nada melhor que desenvolver esta ideia trazendo um exemplo de cooperação técnica entre nações. Nesta semana, trazemos o caso do Conselho de Cooperação do Golfo para o Dois Níveis.

Antes de tudo, é melhor que introduzamos você ao contexto do Oriente Médio na segunda metade do século XX. No Sistema Internacional (SI), estávamos no auge da Guerra Fria. Havia três vias possíveis para as Nações nesta época: alinhamento com as potências capitalistas lideradas pelos EUA; alinhamento com o comunismo liderado pela URSS; adentrar o movimento de Não-Alinhados. Além do mais, outro fator marcante para o SI no período foram as independências de ex-colônias europeias pela Ásia e África. E é nesta época que quatro dos seis países que formariam o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) se tornariam independentes do Reino Unido: Bahrein, agosto de 1971; Emirados Árabes Unidos (EAU), dezembro de 1971; Catar, setembro de 1971; Kuwait, junho de 1961[1].

Gulf Cooperation Council
Map of the constituent countries of the Gulf Cooperation Council.
Encyclopædia Britannica, Inc./Kenny Chmielewski. Fonte original: <https://www.britannica.com/topic/Gulf-Cooperation-Council>

O CCG foi estabelecido em 1981. Porém, anos antes os Estados do Golfo já tinham algumas iniciativas na área de instituições internacionais. O Kuwait auxiliou na criação do Fundo Árabe para o Desenvolvimento Econômico e Social (FADES) em 1974; os EAU estabeleceu o Fundo Monetário Árabe em 1975; no mesmo ano o Banco Islâmico de Desenvolvimento foi criado (ULRICHSEN, 2012). Portanto, percebe-se que mesmo que muitos dos países do Golfo tivessem poucos anos de independência política, eles já estavam bem integrados numa cadeia de instituições regionais.

Mas, dentre todos os alinhamentos expostos ainda no primeiro parágrafo desse texto qual foi o alinhamento adotado por esses países em questão? Pois bem, todos os seis, após suas independências, aderiram ao movimento não-alinhado. Porém, Kristian Ulrichsen (2012, p. 116), doutor em história pela Universidade de Cambridge, afirma que: “[…] as prioridades da Arábia Saudita voltaram-se para o engajamento pan-islâmico, seguindo a ascensão de Faisal, em 1964, e a criação da Organização da Conferência Islâmica, em 1972”. Ou seja, o que configuraria uma possível quarta via de alinhamento durante a Guerra Fria.

Em 1979 ocorre a Revolução Iraniana. O Xá, até então o líder do país, era ligado ao ocidente, além de ser inimigo declarado do comunismo. O novo governo no Irã era visto como uma ameaça existencial para os seis países do CCG (Arábia Saudita, Bahrein, Catar, EAU, Kuwait e Omã). A questão da segurança coletiva em reação à revolução iraniana pode ser vista por muitos especialistas como o principal motivo de criação da CCG. Entretanto não pode ser entendida como o único motivo que levou à convergência para a criação da CCG. Questões culturais, linguísticas, sociais e econômicas também foram determinantes para a criação do bloco.

Segundo Ferraz (2013, p. 859), doutor em ciência política pela UFMG: “o CCG foi amplificado pelo reconhecimento comum de ameaça coletiva aos países que compõe o Conselho”. Desde 1981 até hoje, os protocolos de integração de segurança dos países do Golfo vêm se intensificando, a ponto da cooperação militar chegar ao ponto de que um ataque a um membro é entendido como um ataque à toda a coalizão, nas palavras de Ferraz: “coordenação militar regional”.

E em tempos mais recentes, quais são as implicações do Conselho? Os eventos da Primavera Árabe são um exemplo da atuação forte pelo CCG. A Primavera foi uma cadeia de eventos iniciada em 2011 e propagada por todo o mundo árabe. As exigências eram diversas, mas em geral requisitavam melhores condições de vida, além de governos com maior representação democrática, já que muitas nações em questão eram comandadas por ditadores. A Primavera Árabe teve efeitos positivos a longo prazo em poucos países, como na Tunísia. Porém no Golfo, os casos de maior sucesso são do Omã e do Bahrein.

No caso do Omã, o país foi governado de 1970 até 2020 por QABOOS bin Said Al-Said. Em 1970 ele havia sido destronado pelo seu próprio pai. O mesmo buscou algumas reformas políticas e econômicas no seu sultanato, mesmo antes da Primavera. Segundo a CIA (2020), sua política externa foi moderada, evitando os conflitos na região, além de ter priorizado parcerias estratégicas com o Reino Unido e os Estados Unidos. Durante os protestos de 2011, manifestantes exigiam a diminuição do desemprego e melhores condições sociais. O Sultão QABOOS anunciou reformas políticas e econômicas, incluindo a mudança que tornava o país bicameral, sendo a Câmara Baixa escolhida por voto direto. No fim, as mudanças em prol da liberdade não tiveram efeito a longo prazo.

Segundo o Human Freedom Index (2019), entre 19 países do Oriente Médio e Norte Africano, o Omã está apenas em 11º no ranking de liberdade. Importante lembrar que muitos especialistas consideram apenas os três primeiros países da região como democracias: Israel em primeiro, e Jordânia e Líbano, respectivamente, mas em menor escala que Israel. O mesmo ranking aponta que, de 162 países analisados, o Omã está em 147º em liberdades individuais; 89º em liberdades econômicas. Já no ranking de liberdade humana, o país estava em 114º em 2011, quando iniciaram os protestos da Primavera Árabe no país. Em 2017 eles caíram para 134º. Portanto, uma queda considerável e que demonstra a perda de liberdades no país.

No Bahrein, a situação já é um pouco diferente. No país, a maioria da população é da vertente islâmica xiita, mas o Sultão é sunita. Quando estourou os protestos da Primavera Árabe, as exigências eram bem parecidas com as já citadas: melhoria de questões sociais e de emprego. Por afinidades religiosas e políticas, o Irã apoiou o movimento xiita (já que é a maioria do país iraniano). O Conselho de Cooperação do Golfo atuou no Bahrein através da Peninsula Shield Force, com as tropas majoritariamente provenientes da Arábia Saudita e EAU (FERRAZ, 2013). Os protestos foram controlados pelo Conselho de Cooperação do Golfo. É interessante notar que o CCG foi fundado em 1981, entre outros motivos, para conter a expansão geopolítica iraniana,e mesmo trinta anos depois esses objetivos fundadores permanecem sólidos e atuantes.

O presente artigo não teve como intenção apresentar a estrutura institucional do Conselho de Cooperação do Golfo. Quisemos identificar e analisar brevemente as questões políticas e práticas do CCG, e sua atuação em alguns casos isolados. Sem dúvidas as questões institucionais são de grande importância para a estabilização da própria CCG, mas talvez o aprofundamento em suas burocracias não seria de tamanha relevância para o artigo. Para aprofundar mais na área, recomendamos ao leitor, caso tenha interesse, em ler artigos e notícias sobre os países do Golfo. Por vezes, suas ações políticas são tomadas em conjunto, e o CCG é uma das principais ferramentas para tal. Entendê-lo melhor é entender melhor a própria região do Golfo.

BÔNUS

Em maio de 2005, em Brasília, o Mercosul e o CCG assinaram um acordo de cooperação econômica. O primeiro encontro da Cúpula Mercosul-CCG foi feito na capital saudita em 26 e 27 de novembro de 2005. De novembro de 2006 a janeiro de 2007 houveram três encontros para as negociações do acordo de livre comércio. Em documento do Mercosul de janeiro de 2007 (pelo Brasil, assinado pelo chanceler da época Celso Amorim), os blocos já tinham finalizado vários capítulos do acordo, e planejavam o seu término e assinatura para junho do mesmo ano. O acordo não foi para frente após isso.

BIBLIOGRAFIA

CIA. Oman. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/mu.html>. Acesso em 20 de julho de 2020.

FERRAZ, João Paulo. Soberania em Perspectiva Comparada: O Conselho de Cooperação do Golfo em 1981 e Pós-Primavera Árabe. Revista Geonorte, Edição Especial 3, v. 7, n. 1, p. 849-865, 2013.

HUMAN FREEDOM INDEX. A Global Measurement of Personal, Civil and Economic Freedom. 2019. Disponível em: <https://www.cato.org/sites/cato.org/files/human-freedom-index-files/cato-human-freedom-index-update-3.pdf>. Acesso em: 20 de julho de 2020.

ULRICHSEN, Kristian. Cooperação Sul-Sul e a mudança do papel dos Estados do Golfo. Austral: Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais: v. 1, n. 1, 2012.

[1] Por curiosidade, os outros dois membros do CCG são a Arábia Saudita e o Omã. O primeiro unificou-se em 1932, portanto não houve independência em relação a um determinado país. Já o Omã comemora sua independência com a expulsão de portugueses de seu território em 1650. (CIA, 2020). No Caso do Omã, havia influência informal do governo britânico sobre o país, com pressão recaindo sobre o regime do Sultão Bin Taimur, que governou o país de 1932 à 1970 (ULRICHSEN, 2012).

Gustavo Milhomem

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás. Idealizador do Dois Níveis.

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