PRECISAMOS RESGATAR O LOBBY DO BATOM

PRECISAMOS RESGATAR O LOBBY DO BATOM

Deputadas que fizeram parte do Lobby do Batom (Foto: Fernando Bizerra/Arquivo BG Press).

Em 1986, pleno período de redemocratização brasileira, surgiu uma articulação suprapartidária em prol, principalmente, da ampliação dos direitos da mulher, que ficou conhecida como Lobby do Batom. Essa mobilização levou 26 deputadas a serem eleitas, fazendo com que a representação feminina no Parlamento passasse de 1,9% para 5,3%, um número revolucionário para a época. Porém, em 2023, o Brasil conta com um dos piores índices de representatividade política feminina não somente na América Latina, mas no contexto global. De que forma o resgate do Lobby do Batom pode nos ajudar a mudar esse cenário? O que podemos aprender com o nosso próprio passado?

O que foi o Lobby do Batom?

Não é novidade que a luta por igualdade política no Brasil ainda tem um longo caminho pela frente, porém, em nossa história política o Lobby do Batom é um feito que merece destaque e, arrisco dizer, resgate. Apesar de ter recebido, inicialmente, essa denominação com intuito de descredibilizar o movimento, a mensagem ressoou de forma forte o suficiente para não restasse espaço para questionar a competência das deputadas envolvidas: Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher.

Dessa forma, 26 mulheres, das mais diversas profissões e posicionamentos políticos – abrangendo 8 partidos: PMDB, PT, PSB, PSC, PFL, PCdoB, PTB e PDT (MONTEIRO, 2018) –, se uniram em meio a suas diferenças ideológicas para colaborar na escritura da nova Constituição. Contudo, embora nem todas se considerassem feministas, todas tinham em comum um olhar progressista no que tange a igualdade de direitos, formulando reivindicações comuns acerca da não discriminação por sexo e raça-etnia, igualdade de direitos e deveres no âmbito da família, igualdade jurídica e laboral, entre outros (OSORIO, 2020).

Contexto histórico

Considerando o contexto histórico e político que servem de plano de fundo para os eventos aqui descritos, faz-se imprescindível recapitular a redemocratização brasileira, dado o fim da Ditadura Militar (1964-1985), que culminou em um pico das lutas por direitos, a partir da esperança de uma nova fase política para o Brasil. Por outro lado, é também a partir da década de 70 que a luta pelo direito das mulheres toma força, com vários acontecimentos marcantes em escala nacional e global. Entre esses eventos, houve a criação, em 1985, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), pelo então presidente da República, José Sarney, vinculado ao Ministério da Justiça, cumprindo uma promessa que Tancredo Neves havia feito a grupos organizados de mulheres (PASSARELLI, 2018).

Assim, o CNDM foi primordial para a bem sucedida articulação do Lobby do Batom, realizando palestras, encontros, seminários em todo o País, em união a movimentos feministas organizados, reunindo questões vistas como essenciais pelas mulheres brasileiras (PASSARELLI, 2018). Dessa forma, a partir das demandas e dados obtidos, foi estruturada e lançada a campanha “Mulher e Constituinte”, investindo em campanhas publicitárias em múltiplos canais acerca da importância da participação feminina na política (CRISTIE, 2022). Portanto, foi justamente por meio dessa campanha que o órgão trabalhou arduamente na busca por um aumento de candidaturas femininas para a elaboração da nova Carta Magna (OSORIO, 2020).

Nesse sentido, foi com o empenho do CNDM que a Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes foi entregue ao deputado Ulysses Guimarães, então presidente da Assembleia Nacional Constituinte. A carta contava ainda com as seguintes palavras de Jacqueline Pitanguy, presidente do CNDM entre 1986 e 1989, como introdução: 

“Nós, mulheres, estamos conscientes de que este país só será verdadeiramente democrático e seus cidadãos verdadeiramente livres quando, sem prejuízo de sexo, raça, cor, classe, orientação sexual, credo político ou religioso, condição física ou idade, for garantido tratamento e igual oportunidade de acesso às ruas, palanques, oficinas, fábricas, escritórios, assembleias e palácios” (CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER, 1986).

Ilustração da Carta aos Constituintes de 1987
Endereçamento da Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes (Fonte: Acervo Câmara dos Deputados)

Conquistas do Lobby do Batom

O Lobby do Batom é considerado um marco revolucionário não somente pela quantidade de congressistas do sexo feminino, mas também no significativo volume de propostas apresentadas, que totalizaram 3.321 emendas, possuindo uma média de cerca de 124 emendas por deputada (PASSARELLI, 2018). Além disso, cerca de 80% das reivindicações da bancada feminina foram aprovadas, alcançando então a ampliação dos direitos civis, sociais e econômicos das mulheres (MONTEIRO, 2018). Ademais, é importante ressaltar, ainda, que as deputadas não defenderam somente os direitos das mulheres, realizando reivindicações também dentro de outros segmentos (MONTEIRO, 2018).

Nesse particular, são exemplos das reivindicações propostas e, posteriormente, asseguradas: educação universal pública e gratuita em todos os níveis, liberdade de pensamento e expressão, soberania na negociação da dívida externa, livre associação profissional e sindical, além de políticas responsáveis de proteção ao meio ambiente e manutenção e respeito à integridade das populações indígenas (PASSARELLI, 2018). Entretanto, propostas no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos, em especial quanto ao aborto, não chegaram a ser estruturadas dada uma dificuldade de alcançar o consenso entre as opiniões dos constituintes (MONTEIRO, 2018).

Cenário atual

Considerando as vitórias e progressos descritos ainda em 1986 e com os avanços alcançados com a Constituinte de 1988, era de se esperar que, mais de 30 anos depois, houvesse uma mais expressiva ocupação feminina nesses espaços, mas o cenário observável se mostra um pouco diferente. Nesse sentido, as eleições de 2022 nos deixaram com o seguinte panorama de representatividade na política: apesar de um aumento de candidaturas, a sub-representação feminina em cargos políticos ainda é alarmante em relação à grande maioria dos demais países do globo (AGÊNCIA SENADO, 2022).

No que tange às eleições de 2022, das cadeiras eleitas para Deputados Federais, somente 17,7% correspondem a candidatas femininas, sendo um avanço ínfimo em relação ao resultado de 2018, quando 15% das cadeiras foram ocupadas por mulheres. Analogamente, nas Assembleias Legislativas estaduais têm-se 18% das cadeiras ocupadas por mulheres. No Senado observa-se que 18,5% das cadeiras estão ocupadas por mulheres, mas essa porcentagem seria consideravelmente menor caso suplentes não tivessem assumido (EXAME, 2023).

Além disso, ao analisar os cargos Executivos, a situação é um pouco pior: das 27 unidades federativas que compõem o Brasil, somente dois estados são governados por mulheres, sendo eles o Rio Grande do Norte e o Pernambuco. Analogamente, somente 12% dos municípios contam com prefeitas, sendo Palmas (TO) a única capital sob liderança de uma mulher (EXAME, 2023). Ainda, pensando nas Câmaras dos Vereadores, somente 16% dos pleitos foram ocupados por mulheres nas eleições de 2020 (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2023).

Sobretudo, partindo para uma análise a nível internacional, de acordo com os dados do Inter-Parliamentary Union, que mede mensalmente o índice de representatividade política feminina, o Brasil ocupa o terceiro lugar em menor representação parlamentar na América Latina, e a 129ª posição considerando os 190 países listados em escala global, ficando a frente principalmente dos países do Oriente Médio e das ilhas polinésias. Além disso, enquanto a média global de representatividade é de 26,5%, o Brasil conta com uma defasagem de mais de 11 pontos percentuais (INTER-PARLIAMENTARY UNION, 2023).

Como resgatar o Lobby do Batom

Essa estagnação observável pode se dar por alguns motivos: resistência dos partidos políticos em investir nas candidaturas de mulheres, que leva a fraudes às cotas de gênero previstas em lei, além da violência e assédio político direcionado às mulheres que ousam se candidatar. Por outro lado, de uma forma mais subjetiva (EXAME, 2023), é possível mencionar ainda, segundo Amâncio (2013), uma ideia de “lugares sociais” histórica e culturalmente atribuídos a homens e mulheres, estabelecendo que espaços políticos não são destinados a mulheres.

Vale evidenciar que a sub-representação feminina na política não impacta somente numa estagnação nos direitos das mulheres, mas também impede um debate adequado e plural, considerando a vivência feminina. Logo, é necessária a intensificação de debates que partam da perspectiva de gênero no âmbito político, fortalecendo a representatividade e combatendo a Violência de Gênero na Política (NÃO SE CALE, 2022). No entanto, para além disso, se faz primordial a recuperação de uma visão suprapartidária entre as mulheres, buscando se apoiar em intersecções ideológicas, pois somente aumentando o número de pleitos por mulheres poderemos alcançar um debate amplo que abarque opiniões diversas.

Nesse particular, partindo de uma visão mais macro, é essencial que seja feita uma análise sobre a nossa estrutura legislativa, bem como sobre as políticas afirmativas que já possuímos, para que possam ser otimizadas e se tornem mais assertivas. Contudo, também é importante que haja engajamento e cobrança, que a sociedade civil esteja envolvida nessa luta, que façamos um novo Lobby pela equidade. Dessa forma, deixo aqui algumas recomendações de projetos que buscam pela igualdade e representatividade política no Brasil e na América Latina:

Caso tenha interesse em saber mais sobre o lobby do batom, deixo também as seguintes recomendações

Caso tenha interesse em continuar lendo sobre direitos das mulheres, recomendo dar uma olhada no texto abaixo:

Referências

AGÊNCIA SENADO. Apesar de maior presença de mulheres na disputa ao Senado, bancada feminina diminui. 2022. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/10/03/apesar-de-maior-presenca-na-disputa-ao-senado-bancada-feminina-reduz-tamanho. Acesso em: 02 abr. 2023.

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER. [Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes]. Destinatário: Constituintes de 1987. Brasília, 26 ago. 1986. 1 carta. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/a-constituinte-e-as-mulheres/arquivos/Constituinte%201987-1988-Carta%20das%20Mulheres%20aos%20Constituintes.pdf. Acesso em: 13 mar. 2023. 

CRISTIE, Agatha. Lobby do batom: “Constituinte sem mulher fica pela metade”. Im.Pulsa. 2022. Disponível em: https://www.impulsa.voto/materials/lobby-do-batom-constituinte/. Acesso em: 23 mar. 2023.

EXAME. A sub-representação das mulheres na política brasileira. 2023. Disponível em: https://exame.com/esferabrasil/a-sub-representacao-das-mulheres-na-politica-brasileira/. Acesso em: 17 abr. 2023. 

FLORENTINO, Karoline. Representatividade das mulheres na política. 2018. Disponível em: https://unale.org.br/representatividade-das-mulheres-na-politica/. Acesso em: 23 mar. 2023.

INTER-PARLIAMENTARY UNION. Monthly ranking of women in national parliaments. 2023. Disponível em: https://data.ipu.org/women-ranking?month=1&year=2023. Acesso em: 15 abr. 2023. 

LIMA, Caroline Araújo Florêncio de. A Participação das Mulheres na Elaboração da Constituição Federal de 1988: o Lobby do Batom. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

MONTEIRO, Ester. Lobby do Batom: marco histórico no combate às discriminações. Agência Senado. 2018. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/03/06/lobby-do-batom-marco-historico-no-combate-a-discriminacoes. Acesso em: 20 mar. 2023.

NÃO SE CALE. Sufrágio – A importância da Representatividade Feminina na Política. 2022. Disponível em: https://www.naosecale.ms.gov.br/sufragio-a-importancia-da-representatividade-feminina-na-politica/#:~:text=O%20Brasil%20ocupa%20o%203,15%2C%2056%25%20Deputadas%20Estaduais. Acesso em: 02 abr. 2023. 

OSORIO, Ana Dayse. Lobby do Batom: conheça a história desse movimento de mulheres. Politize. 2020. Disponível em: https://www.politize.com.br/lobby-do-batom/. Acesso em: 17 mar. 2023.

PASSARELLI, Vinícius. Lobby do Batom mostrou poder de coesão feminina na Constituição de 1988. Estadão. 2018. Disponível em: https://arte.estadao.com.br/focas/capitu/materia/lobby-do-batom-mostrou-poder-de-coesao-feminina-na-constituicao-de-1988. Acesso em: 10 mar. 2023. 

Ana Laura Baia de Morais

Mineira, graduanda em Relações Internacionais pela UFG e mãe de gato. Estudo sobre feminismo, tráfico humano e decolonialidade. Artista nas horas vagas, amante de criar playlists novas e um bom rolê de queijos e vinhos.

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