BANIMENTOS NOS JOGOS OLÍMPICOS AO LONGO DA HISTÓRIA: PAÍSES EXCLUÍDOS E OS MOTIVOS

BANIMENTOS NOS JOGOS OLÍMPICOS AO LONGO DA HISTÓRIA: PAÍSES EXCLUÍDOS E OS MOTIVOS

Os Jogos Olímpicos são um dos maiores eventos esportivos do mundo, realizados a cada quatro anos, reunindo atletas de diversas nações para competir em uma ampla gama de disciplinas. Originados na Grécia antiga, em 776 a.C., os jogos foram realizados a cada quatro anos até 393 d.C., quando o imperador romano Teodósio os proibiu, após a Grécia perder sua independência. No início, o evento consistia apenas em uma corrida, mas, ao longo do tempo, novas competições foram adicionadas, como arremesso de disco e dardo, salto em distância, boxe, luta livre, pentatlo e corrida de bigas, estendendo a duração dos jogos para sete dias, que incluíam cerimônias religiosas. (Queiroz, 1978, p.208)

No século XIX, o Barão Pierre de Coubertin desempenhou um papel crucial na reativação dos Jogos Olímpicos. Ele acreditava que reunir atletas de diferentes países a cada quatro anos em um ambiente amistoso seria benéfico. Para isso, convidou todas as nações para uma conferência internacional na Sorbonne, Paris, em 1894, que foi frequentada por representantes de nove nações diferentes. Coubertin defendia que os jogos deveriam superar rivalidades nacionais e diferenças de raça, religião, política, riqueza e status social, promovendo a união e o espírito esportivo, tornando-se um símbolo de paz e cooperação internacional.  (Queiroz, 1978, p.208)

No entanto, ao longo da história, algumas nações enfrentaram banimentos que os impediram de participar das competições olímpicas. Esses banimentos geralmente resultaram de ações políticas, conflitos bélicos ou violações de princípios éticos e esportivos, refletindo as complexas interações entre esporte e política global. Este texto propõe explorar os períodos históricos em que países foram banidos dos Jogos Olímpicos, analisando as razões que levaram a essas decisões. Entre os casos mais notáveis, destacam-se as sanções impostas à Alemanha e ao Japão após a Segunda Guerra Mundial, a exclusão da África do Sul durante o apartheid e, mais recentemente, proibições à Rússia devido a questão da invasão da Ucrânia. Através da análise desses eventos, busca-se compreender como as dinâmicas políticas e sociais influenciam o mundo do esporte.

BANIMENTO AO LONGO DA HISTÓRIA
1- Alemanha- Jogos Olímpicos de 1920 (Antuépia, Bélgica)


Fonte: Olympics Games, 1920

O primeiro caso de banimento de uma nação nos Jogos Olímpicos ocorreu em 1920, quando a Alemanha e o Império Austro-Húngaro foram impedidos de participar da competição. A VII Olimpíada estava inicialmente agendada para 1916, na cidade de Berlim, mas foi cancelada devido ao impacto devastador da Primeira Guerra Mundial, que também afetou outros eventos esportivos internacionais. Entre 1914 e 1918, milhares de atletas foram convocados para o Serviço Militar de seus países e foram enviados para lutar na guerra. Com o término do conflito, os Jogos foram restabelecidos pelos Estados vencedores, mas sem a participação da Alemanha e de seus aliados, em razão do seu status de “inimigo” das nações que saíram vitoriosas. (Ferreira, 1984)

“O comitê Olímpico resolveu manter a continuidade da numeração dos Jogos Olímpicos, como se não tivesse havido a interrupção provocada pela I Guerra Mundial. A cidade de Antuérpia foi designada, como uma justa homenagem à heróica resistência de sua população, durante a invasão das tropas alemãs em território belga.”

(Ferreira, 1984, p.2)

Durante o período da guerra, o exército alemão ocupou a Bélgica, causando a destruição de diversas instalações militares e de locais destinados aos eventos esportivos, o que dificultou a organização dos Jogos Olímpicos. Contudo, através da determinação do Rei Alberto, a Olimpíada foi realizada. Em menos de um ano, um novo estádio foi construído, com capacidade para 30 mil espectadores. Um aspecto notável desse evento foi a apresentação da bandeira olímpica, que pela primeira vez foi hasteada, simbolizando a união dos cinco continentes do mundo. Além disso, a exclusão da Alemanha em 1924 pelo comitê organizador está diretamente relacionada a esses eventos, já que a nação também foi impedida de participar devido às consequências da Primeira Guerra Mundial. (Ferreira, 1984, p.2)

2- Jogos Olímpicos de 1948 (Londres, Reino Unido)

  Fonte: Olympics Games, 1948

O segundo caso de exclusão ocorreu em 1948, durante os Jogos Olímpicos realizados em Londres, no Reino Unido, quando a Alemanha e o Japão não foram convidados a participar do evento. Essa decisão foi motivada pelas atrocidades cometidas por esses países durante a Segunda Guerra Mundial. A Alemanha nazista foi responsável pelo Holocausto, um genocídio sistemático que resultou na morte de aproximadamente seis milhões de judeus, mas também pessoas com deficiencia, homossexuais, prisioneiros políticos. Por sua vez, o Japão perpetrou atos brutais, como o Massacre de Nanking, que culminou na morte de centenas de milhares de civis chineses, além de utilizar prisioneiros de guerra para trabalhos forçados e experimentos biológicos. Diante de tais barbaridades, o Comitê Olímpico Internacional (COI) optou por excluir esses países como uma forma de sanção. (Rubio, 2010)

3. África do Sul – Jogos Olímpicos de 1964 (Tóquio, Japão) até 1988 (Seul, Coreia do Sul)

  Fonte: Olympics Games, 1988

A África do Sul foi banida de participar das Olimpíadas de 1964, realizadas em Tóquio, Japão, até as competições de 1988 em Seul, Coreia do Sul, em razão da adoção da política de apartheid. Este regime de segregação racial foi institucionalizado em 1948 e impôs uma divisão rigorosa da população com base em critérios raciais. O apartheid resultou em profundas desigualdades sociais e violências sistemáticas contra a população negra, perpetuando um sistema de opressão que durou por décadas. (Capinussú, 2007)

A luta contra o apartheid gerou pressões internacionais significativas e resistência interna, o que culminou na sua eventual abolição nos anos 1990. Essa transição histórica foi marcada pela eleição de Nelson Mandela como o primeiro presidente negro da África do Sul em 1994, simbolizando um novo capítulo para o país. A exclusão da África do Sul das Olimpíadas refletiu a condenação global do apartheid e a busca por igualdade e justiça social. (Capinussú, 2007)

4. Rodésia – Jogos Olímpicos de 1972 (Munique, Alemanha)

 

 Fonte: Olympics Games, 1972

A Rodésia do Sul, atualmente conhecida como Zimbábue, foi governada por uma minoria branca que implementou políticas de discriminação racial que a favorecia. Sob a liderança de Ian Smith, o governo estabeleceu uma série de políticas que marginalizavam a população negra, negando-lhes direitos políticos, sociais e econômicos fundamentais. Essa situação de opressão e exclusão gerou um ambiente de tensão e resistência entre as nações africanas.

A OUA (Organização para a Unidade Africana) se manifestou contra o convite do COI à Rodésia, que havia recentemente conquistado a independência, alegando que o país era racista. Essa posição se manteve até poucos dias antes da abertura dos Jogos, quando a própria Rodésia decidiu se retirar, afirmando que os acordos firmados não foram cumpridos. A questão racial foi, de fato, a principal razão para o significativo boicote aos Jogos Olímpicos de 1976, em Montreal. Naquela ocasião, 23 nações africanas não participaram dos Jogos em protesto contra a presença da Nova Zelândia, que havia jogado uma partida de hóquei contra a África do Sul, esta última banida dos Jogos Olímpicos por adotar políticas de segregação racial. (Rubio, 2010, p. 63)

5. Afeganistão – Jogos Olímpicos de 2000 (Sydney, Austrália)

   Fonte: Olympics Games, 2000

Em 2000, o Comitê Olímpico Internacional decidiu banir o Afeganistão dos Jogos Olímpicos de Sydney, na Austrália, em resposta ao regime talibã que governava o país. Essa medida foi uma forma de protesto contra as numerosas violações dos princípios olímpicos perpetradas pelo governo talibã, que impôs restrições drásticas à participação das mulheres na sociedade, afetando áreas cruciais como educação e esporte. A exclusão do Afeganistão dos Jogos Olímpicos de Sydney refletiu os valores fundamentais do olimpismo, que promovem a igualdade de gênero e a participação universal. A ação do COI reiterou a importância de respeitar os princípios olímpicos em um contexto em que os direitos das mulheres estavam sendo sistematicamente violados, sublinhando a necessidade de uma sociedade inclusiva e equitativa no cenário esportivo global. (FUNAG, 2008)

6. Kuwait – Jogos Olímpicos de 2016 (Rio de Janeiro, Brasil)

Fonte: Olympics Games, 2016

Kuwait foi excluído dos Jogos Olímpicos de 2016 devido à interferência do governo nos assuntos do Comitê Olímpico do Kuwait, o que constitui uma violação da Carta Olímpica. Em 2015, o Comitê Olímpico Internacional (COI) suspendeu o comitê nacional, mas autorizou que alguns atletas kuwaitianos competissem sob a bandeira olímpica como “Atletas Olímpicos Independentes”. Essa decisão foi tomada para garantir que os atletas pudessem participar das competições, apesar das restrições impostas ao comitê.(GLOBO, 2016)

Desde outubro de 2015, o Kuwait continuava excluído do cenário esportivo internacional, após a FIFA e o COI anunciarem a suspensão do país pela mesma razão. Em resposta a essa situação, um processo judicial foi iniciado contra 14 membros do COI, com o intuito de buscar compensação por danos resultantes da suspensão. Essa ação foi destacada pelo ministro das Comunicações do Kuwait, Sheikh Salman al-Humoud Al-Sabah, refletindo a insatisfação do governo kuwaitiano com as decisões tomadas pelo COI. (GLOBO, 2016)

7. Rússia – Jogos Olímpicos de 2020 (Tóquio, Japão) 

 Fonte: Olympics Games, 2020

No jogos de 2020, a Rússia foi banida devido ao escândalo de doping patrocinado pelo Estado, que veio à tona após os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 em Sochi, Rússia. A Agência Mundial Antidoping (WADA) e o Comitê Olímpico Internacional (COI) descobriram que o país havia implementado um esquema sistemático de doping, que incluía a manipulação de amostras de atletas. O escândalo foi revelado por uma investigação de uma rede de TV alemã em 2014, e um relatório da WADA, publicado dois anos depois, confirmou evidências de adulteração durante os Jogos de Sochi, destacando o uso generalizado de substâncias para melhorar o desempenho e práticas de doping sanguíneo entre atletas russos. (BBC, 2021)

Como resultado das investigações, a Rússia foi proibida de competir nos Jogos de Tóquio 2020 e nos Jogos de Inverno de Pequim 2022 sob sua bandeira nacional. Durante as cerimônias de premiação, quando atletas russos conquistavam medalhas de ouro, ouviam um concerto para piano de Tchaikovsky em vez do hino nacional russo, e não podiam agitar a bandeira do país nem competir em nome da Rússia. Contudo, atletas considerados limpos tiveram a oportunidade de competir sob a bandeira do “Comitê Olímpico Russo” (ROC), com mais de 300 atletas de 30 modalidades representando o ROC em Tóquio. (BBC, 2021)

8- Rússia e Belarus- Jogos Olímpicos de 2024 (Paris, França)

                                                                 Fonte: BBC News, 2024

O último caso de banimento é o deste ano de 2024, onde o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou que os atletas da Rússia e de Belarus estavam impedidos de participar da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, em virtude das ações desses países na guerra da Ucrânia. De acordo com a decisão, ambos estão proibidos de enviar suas equipes para os Jogos em decorrência da invasão da Ucrânia pela Rússia, que conta com o apoio de Belarus. Durante as competições, os atletas não poderão utilizar cores que remetam aos seus países, e, em caso de conquista de medalhas, o hino nacional não será tocado. (BBC, 2024) 

“A decisão foi unânime e a lógica é muito clara para nós. Os atletas neutros individuais vão competir como indivíduos, a cerimônia de abertura é um desfile para delegações e times. Eles não estarão em nenhuma delegação”

(James MacLeod, diretor do COI para relações com os comitês olímpicos nacionais, 2024)

Os atletas da Rússia e de Belarus participarão das Olimpíadas na condição de Atletas Individuais Neutros (AIN). Além de estarem proibidos de usar bandeiras e hinos nacionais, eles não serão incluídos no quadro oficial de medalhas. (CNN, 2024)

Conclusão

A análise dos casos de banimento de países das Olimpíadas ao longo da história revela a intrínseca relação entre esporte e política internacional, evidenciando como eventos e decisões políticas podem influenciar diretamente a participação de nações em competições internacionais. Desde a exclusão da Alemanha e do Japão após a Segunda Guerra Mundial até as sanções impostas à África do Sul durante o apartheid, os Jogos Olímpicos têm servido como um reflexo das tensões geopolíticas e das lutas sociais por direitos humanos e igualdade.

Esses episódios ressaltam não apenas as consequências que os atletas enfrentam em decorrência das ações de seus governos, mas também a responsabilidade das instituições esportivas em promover valores de inclusão e respeito aos direitos humanos. Ao impedir a participação de nações que não cumprem tais princípios, o COI busca reafirmar a importância de um ambiente esportivo justo e equitativo. No entanto, a exclusão de atletas que muitas vezes são vítimas de políticas de seus países levanta questões éticas sobre a justiça dessas sanções e o papel do esporte como um agente de mudança social. Dessa forma, a história dos banimentos olímpicos serve como um convite à reflexão sobre a complexa interseção entre o esporte e as dinâmicas sociais e políticas globais.

REFERÊNCIAS:

BBC BRASIL. Olimpíadas de Paris 2024: veja o que se sabe até agora. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cz478jx277do. Acesso em: 8 ago. 2024.

BBC BRASIL. Rússia e Belarus barrados da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58065172. Acesso em: 8 ago. 2024.

CAPINUSSÚ, José Maurício. A política nos Jogos Olímpicos. Revista de Educação Física/Journal of Physical Education, v. 76, n. 136, 2007.

CNN BRASIL. Atletas de Rússia e Belarus são barrados da cerimônia de abertura das Olimpíadas de 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/olimpiadas/olimpiada-2024-atletas-de-russia-e-belarus-sao-barrados-da-cerimonia-de-abertura/. Acesso em: 8 ago. 2024.

FERREIRA, Eduardo Fernandes. O Brasil nos jogos olímpicos de antuérpia em 1920. Revista de Educação Física/Journal of Physical Education, v. 53, n. 115, 1984.

FUNAG. Esporte, poder e relações internacionais. Disponível em: https://funag.gov.br/loja/download/852-Esporte_Poder_e_Relacoes_Internacionais.pdf. Acesso em: 8 ago. 2024.

GLOBO. Suspenso e fora da Olimpíada, Kuwait processa COI em US$ 1 bilhão. Disponível em: https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/2016/06/suspenso-e-fora-da-olimpiada-kuwait-processa-coi-em-us-1-bilhao.html. Acesso em: 8 ago. 2024.

QUEIROZ, Ivanise Barbosa de; PATÚ, Evanil Lopes Gonçalves; PEIXOTO, Cyrene Martha da Silva. História e evolução dos jogos olímpicos. 1978.

RUBIO, Kátia. Jogos Olímpicos da Era Moderna: uma proposta de periodização. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v. 24, n. 01, p. 55-68, 2010.

IMAGENS

Imagem dos Jogos Olímpicos de Antuérpia 1920. Disponível em: https://olympics.com/en/olympic-games/antwerp-1920. Acesso em: 10 ago. 2024.]

Imagem dos Jogos Olímpicos de Londres 1948. Disponível em: https://olympics.com/en/olympic-games/london-1948. Acesso em: 10 ago. 2024.

Imagem dos Jogos Olímpicos de Seul 1988. Disponível em: https://olympics.com/en/olympic-games/seoul-1988. Acesso em: 10 ago. 2024.

Imagem dos Jogos Olímpicos de Munique 1972. Disponível em: https://olympics.com/en/olympic-games/munich-1972. Acesso em: 10 ago. 2024.

Imagem dos Jogos Olímpicos de Sydney 2000. Disponível em: https://olympics.com/en/olympic-games/sydney-2000. Acesso em: 10 ago. 2024.

Imagem dos Jogos Olímpicos do Rio 2016. Disponível em: https://olympics.com/en/olympic-games/rio-2016. Acesso em: 10 ago. 2024.

Imagem dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Disponível em: https://olympics.com/en/olympic-games/tokyo-2020. Acesso em: 10 ago. 2024.

Imagem de Lausanne, Suíça, 13 de julho de 2019. Disponível em: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/lausanne-switzerland-july-13-2019-new-1634131159. Acesso em: 10 ago. 2024.

Nathalia Braga dos Santos

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