A TALVEZ DECADÊNCIA DA TALVEZ MEDIAÇÃO
Pouco mais de duas semanas atrás, no domingo, 18 de fevereiro, o presidente Lula, na 37º Cúpula de Chefes de Estados e Governos da União Africana, utilizou-se de sua participação observadora e de seu momento de discurso para apontar suas opiniões acerca de uma das crises humanitárias mais pertinentes do mundo contemporâneo: a situação de Gaza, o povo palestino e os ataques de Israel . A partir de sua fala, houve alvoroço internacional causado pela intensidade de suas palavras e posição extremamente crítica à Israel. Esse momento é até apontado como início de uma crise diplomática entre o governo brasileiro o israelense. Diante sua fala, questionamentos podem ser levantados como: Significaria isso o ínicio do fim das relações diplomáticas entre Brasil e Israel? Qual o impacto de sua fala no mundo internacional? Foi ou não uma gafe? E, a mais presente de todas: “haverá um pedido de desculpas? Um retratamento?”
O DISCURSO
O momento da fala do presidente que mais chamou a atenção mundial foi:
Os pontos a serem debatidos sobre essa fala de 15 segundos são diversos e que compreendem vários aspectos históricos e políticos. Inicialmente, é necessário salientar que o presidente também condenou as ações do grupo Hamas. O estado de choque em decorrência da fala claramente se dá pela comparação da perseguição histórica que ocorrida durante os anos do regime nazista. Esse foi um dos momentos mais sombrios da humanidade já se é de conhecimento comum como as câmaras de gás, utilização de judeus como cobaias para a ciência, a fome, o trabalho escravo, entre tantos outros elementos da subjugação alemã que contribuíram para a morte de cerca de seis milhões de judeus em um período de doze anos.
Ainda, o Estado de Israel é considerado pelo o povo judaíco, entre outras coisas, a grande promessa bíblica de um território para os judeus. Um sinônimo de proteção após os horrores de uma perseguição sistematizada baseada em uma ideologia radical. E esse é o retrato da intensidade representada na fala do presidente, memórias de um horror vivido. Igualmente, a mudança de postura do presidente entre condenação de ambas as partes para utilização de momentos históricos para se críticar a situação é relevante de se avaliar.
O BRASIL E O MUNDO
É inegável a grande repercussão internacional do seu discurso e o grande debate em torno do “que” de seu conteúdo. Entre alguns que consideram improviso¹ de sua parte e outros interpretam como um ato político pensado, é importante relembrar que a trajetória do presidente não começou agora. Tendo experiência enquanto chefe do executivo por dois mandatos consecutivos com uma diplomacia presidencial forte, a máxima é difícil de se acreditar.
O termo diplomacia presidencial teve seu ápice inicial atribuído para a política externa de Theodore Roosevelt, 26º presidente dos Estados Unidos, refere-se aos regimes presidencialistas e a capacidade do presidente em possuir forte influência pessoal na política externa²
Porém, outro interessante debate é acerca da mudança que o presidente faz na distância pragmática que o Brasil tende a ter em questões de guerra internacional. Exemplo visto no caso entre Rússia e Ucrânia, do qual o governo se negou a enviar armas para Ucrânia para não contribuir com a guerra. Sim, situações e dimensões diferentes, mas ainda representa a distância da diplomacia brasileira que tende a transparecer o seu pragmatismo na busca dos interesses nacionais.
O POTENCIAL DE MEDIAÇÃO
O Brasil já tentou por algumas vezes, inclusive muito recentemente na guerra russo-ucraniana, o rise up como uma personalidade mediadora do conflito, adotando o princípio de resoluções pacíficas de controvérsias internacionais. Para garantir que uma responsabilidade de tal tamanho seja possível é primordial que a posição do mediador se mantenha neutra e não seja de ataque direto à uma das partes.
Portanto, com a fala de Lula é possível entender que essa possibilidade, mesmo que estivesse distante de acontecer, agora é basicamente inexistente. A sua classificação enquanto persona non grata até que se retrate e peça desculpas distancia as remotas possibilidades. Ainda, não apenas o presidente da República, como também o seu assessor especial, ex-ministro das Relações Exteriores e diplomata Celso Amorim, se negaram a fazer.
DISCURSSÃO VIA TWITTER
Um interessante desenvolvimento da escalada diplomática entre Brasil e Israel é a utilização de mídias sociais como plataforma direta de resposta. Tanto o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, como o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, utilizaram da plataforma X, antigo Twitter, para desenvolver publicamente suas respostas. O primeiro a iniciar o diálogo virtual foi o primeiro-ministro israelense condenando as falas de Lula.
A midiatização dos diálogos em política externa pode ser uma estratégia utilizada para buscar maior alcance informal. Isso visto quando comparado à uma nota de repúdio ou pronunciamento oficial, ainda, traz a atenção da opinião pública para o assunto³. Neste caso, uma possível interpretação seria a de que o primeiro-ministro israelense utiliza-se do ataque brasileiro para um fortalecimento interno e a consolidação da sua narrativa de “todos estão contra nós”. Em um momento de proximidade das eleições israelenses, a troca de liderança poderia representar instabilidade política, é um discurso oportuno.
NETANYAHU E ISRAEL
Olhando para a política interna em Israel as coisas não parecem andar bempara Netanyahu, primeiro-ministro mais vezes na história do país, totalizando seis mandatos. O seu governo de coalizão de extrema direita vem sido enfraquecido com a guerra chegando ao ponto onde 76%⁴ de seus apoiadores lhe culpam pelos ataques de 7 de Outubro, quando todo o conflito atual começou⁵.
Com isso, é evidente o papel da oposição dentro do caos nacional. A oposição afirma que o governo se utiliza de violência policial contra protestantes que pedem por antecipação das eleições.
LULA E O SUL
Analisar o curso que seu discurso inicial tomou até chegar ao momento presente, indo até em desencontro com a imparcialidade dos BRICS, é relevante. Desde o início da guerra, Lula mantinha a posição pragmática, condenando ambos lados, retratando Hamas como grupo terrorista e Israel de insano⁶. Tendo em vista essa posição inicial, a mudança pode ser ententida também pela extensão imprevista da guerra atual e mesmo uma tentativa de projeção internacional.
Apesar da tradição de neutralidade brasileira, como quando negou o envio de munições para a Ucrânia⁷ em nome da paz e para não se envolver no conflito, o cenário político da questão palestina é diferente. Ainda, de muitas maneiras o Brasil sempre tentou de se projetar enquanto uma liderança latino-americana e até mesmo uma liderança do Sul Global. E, pode ser que o momento de dizer o que pensa tenha sido cômodo visto que: 1. a sua fala agradou, de maneira geral, o Sul Global, e, alguns países, como o próprio Estados Unidos, não quiseram se opor à fala de Lula. 2. o presidente brasileirofoi de fato interpretado como uma voz eminente do sul⁸ e sua fala, de fato, agrada o mundo em desenvolvimento.
CONCLUSÃO
Em última análise, é visto algumas manobras diplomáticas de ambos os lados para reforçar suas opiniões particulares. A convocação do embaixador brasileiro para uma conversa em um memorial ao Holocausto e a “chamada para casa” desse embaixador para comunicação interna.
Em última instância, a medida brasileira pode representar um ponto crítico da pressão internacional em busca da paz, visto tentativas frustradas de sob cessar-fogo. É possível que as reais intenções por trás da fala do presidente não sejam tão claras no atual momento e tampouco são suas consequências: representaria um rompimento das relações com Israel?
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NOTAS
¹SOARES, Jussara. Improviso levou Lula a fala desastrosa, avaliam diplomatas. CNN Brasil, 25 de fevereiro de 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/jussara-soares/politica/improviso-levou-lula-a-fala-desastrosa-avaliam-diplomatas/.
²PRETO, Alessandra Falcão. O CONCEITO DE DIPLOMACIA PRESIDENCIAL: O papel da presidência da república na formulação de política externa. 2006. 101f. Dissertação (Pós-Graduação em Ciência Política) – Universidade de São Paulo
³STEPHANOU, Eduarda Sarmento. O USO POLÍTICO DAS REDES SOCIAIS E SEUS IMPACTOS NA POLÍTICA EXTERNA: O CASO DAS FAKE NEWS NO BRASIL. 2022. 76f. Dissertação (Graduação em Relações Internacionais) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
⁴SRAELIS BLAME GOV’S FOR HAMAS MASSACRE, SAY NETANYAHU MUST RESIGN – POLL. 12 de Outubro de 2023. The Jerusalem Post. Disponível em: <https://www.jpost.com/israel-news/article-767880>
⁵Líder da oposição em Israel acusa polícia de violência em protestos. Agência Brasil. 2024. Disponível em:https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-02/lider-da-oposicao-em-israel-acusa-policia-de-violencia-em-protestos.
⁶HOLANDA, Marianna. Lula chama hamas de terrorista e diz que reação de Israel é “insana”. 20 de Outubro de 2023. Estado de Minas. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/10/20/interna_politica,1579573/lula-chama-hamas-de-terrorista-e-diz-que-reacao-de-israel-e-insana.shtml>
⁷GIELOW, Igor. Lula veta envio de munição do Brasil para tanques na Ucrânia.27 de Janeiro de 2023.. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/01/lula-veta-envio-de-municao-do-brasil-para-tanques-na-ucrania.shtml.
⁸Le Monde. Après les propos du président brésilien, la crise diplomatique entre le Brésil et Israël s’aggrave. 2024. Disponível em: https://www.lemonde.fr/international/article/2024/02/19/apres-les-propos-du-president-bresilien-la-crise-diplomatique-entre-le-bresil-et-israel-s-aggrave_6217397_3210.html