NEW START E O REGIME INTERNACIONAL DE NÃO-PROLIFERAÇÃO NUCLEAR

NEW START E O REGIME INTERNACIONAL DE NÃO-PROLIFERAÇÃO NUCLEAR

Fonte: Egor Myznik (2020).

O presente artigo busca compreender o que são os regimes internacionais para as Relações Internacionais e aprofundar no Regime Internacional de Não-Proliferação Nuclear, este que tem sido constantemente debatido em razão da atual tensão entre Rússia e OTAN, derivado da guerra na Ucrânia. A partir disso, foram feitas algumas pontuações históricas relacionadas ao regime e, em seguida, uma compreensão da importância dos Estados Unidos e da Rússia dentro do debate relacionado às armas nucleares, especialmente em razão de seus vastos arsenais e variados tratados assinados em conjunto. Por fim, foi trazida uma análise  baseada em autores importantes na área de Relações Internacionais a respeito das atuais tensões e possíveis consequências para o regime. 

O REGIME INTERNACIONAL DE NÃO-PROLIFERAÇÃO NUCLEAR 

O conceito de regimes internacionais no campo das Relações Internacionais é descrito por diversos autores como Stephen Krasner, Robert Keohane e Joseph Nye. Nesse artigo, será utilizado a caracterização de Krasner, que compreende um regime internacional como o conjunto de princípios, normas, regras e práticas decisórias no qual as ações e expectativas daqueles presentes no ambiente internacional em determinada esfera estão convergidas (Krasner, 1982). A partir disso, pode ser identificada a existência de regimes relacionados à comunicação, à economia, ao meio ambiente, em que os atores existem no meio de regras não vinculantes, mas que, devido à expectativa delas serem cumpridas, são sustentadas. 

O Regime de Não-Proliferação e Desarmamento Nuclear possui princípios, normas, regras e práticas responsáveis pela manutenção e regulamentação da posse e produção de armas nucleares. Ele se apoia em quatro princípios, sendo eles: 

um princípio que associa a proliferação de armas nucleares a uma maior probabilidade de guerra nuclear; um princípio que reconhece a compatibilidade de uma política multilateral de não-proliferação nuclear com a continuidade e disseminação da utilização de energia atômica para fins pacíficos; um princípio que estabelece uma ligação entre a proliferação nuclear horizontal e vertical (ou seja, a noção de que, a longo prazo, a proliferação de armas nucleares só pode ser travada se as potências nucleares estiveram dispostas a reduzir os seus arsenais nucleares); um princípio de verificação (Hasenclever; Mayer; Rittberger, 1997, p. 9, tradução nossa) [1]. 

Esse regime está fundamentado no Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), aberto para assinatura em 1968 (Stockholm International Peace Research Institute, [2021?]), e que entrou em vigor em 1970 (Nações Unidas, 2022). Assinado pela maioria dos Estados, incluindo os cinco com direito de possuir armas nucleares – China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia –  o documento foi renovado [2] por tempo indefinido em 1995, e é considerado o tratado de limitação bélica mais significativo e ratificado no ambiente internacional (United Nations, [s.d.]). Seus objetivos são “(…) impedir a disseminação de armas nucleares, promover a cooperação no uso da tecnologia nuclear para fins pacíficos e promover o objetivo de alcançar o desarmamento nuclear” (Nações Unidas, 2022). 

Dentro do mesmo regime, existem diversos acordos e tratados, sendo o TNP o mais importante. Entretanto, em 2017 foi aberto para assinatura o Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPNW, sigla em inglês), que visa proibir a aquisição, o desenvolvimento e armazenamento de armas ou dispositivos nucleares (NTI, 2024). Além disso, os Estados-Partes estariam proibidos de usar essas armas como ameaça e seriam obrigados a ajudar em questões humanitárias causadas por acidentes relacionados ao seu manuseio (NTI, 2024). O tratado entrou em vigor em 2021, todavia, os Estados possuidores de armas nucleares e seus aliados recusaram a assiná-lo, o que dificultou o funcionamento e sucesso do TPNW (Stockholm International Peace Research Institute, [2021?]). 

ESTADOS UNIDOS E RÚSSIA: O ACORDO NEW START

Atualmente, a quantidade de países com armas nucleares aumentou comparado com 1968, quando o TNP entrou em vigor. A Rússia possui o maior arsenal nuclear do mundo, ficando na frente até mesmo dos Estados Unidos, como pode ser visto no Mapa I abaixo. No entanto, cerca de 89% da quantidade de ogivas nucleares pertencem aos dois países, visto que, durante a Guerra Fria houve uma corrida armamentista entre União Soviética e Estados Unidos. Isso resultou no desenvolvimento bélico acelerado, especialmente no que se trata de armas nucleares (Federation of American Scientists, 2023). 

Maps I – Estimativa dos inventários mundiais de ogivas nucleares (2023)

Fonte: Federation of American Scientists (2023).

Para evitar a possibilidade de uma guerra nuclear de capacidade inestimável, a partir de 1970, Estados Unidos e Rússia assinaram diversos acordos [3] para redução de suas ogivas (Council on Foreign Relations, 2021). Para compreensão da situação atual do Regime de Não-Proliferação Nuclear, esse artigo passa a estudar o New START, ou seja, o último tratado de controle de armas nucleares entre os dois países. Nomeado a partir de seus antecessores, START (1991) e START II (1993), o New START foi assinado em 2011 e tinha previsão de expirar em 2021, dez anos depois (U.S. Department of State, [s.d.]). 

O tratado impõe que os países deveriam ter apenas “1.550 ogivas nucleares de longo alcance implantadas; 700 veículos de lançamento nuclear de longo alcance implantados; e 800 lançadores e veículos de lançamento, instalados e não instalados” até 2018 (Carnegie Endowment for International Peace, 2021, tradução nossa) [4]. Além disso, era permitida flexibilidade para decidirem quais armamentos nucleares e formas de lançamento gostariam de utilizar. Para garantir que o acordo estava sendo cumprido, as instalações e dispositivos eram inspecionados anualmente (Carnegie Endowment for International Peace, 2021). 

Como dito anteriormente, o tratado expirava em 2021 e, mesmo com a comprovação do cumprimento dos limites pelos países em 2018, estes negociaram a prorrogação do New START até 2026, poucos dias antes do tratado acabar [5] (U.S. Department of State, [s.d.]; Council on Foreign Relations, 2021). Todavia, não se esperava que as tensões entre Rússia e Ucrânia aumentariam ao ponto do Estado russo invadir o território ucraniano e iniciar uma guerra ao lado de tantos aliados dos Estados Unidos dentro da OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte). Em março de 2023, com a crescente tensão entre Rússia e OTAN, Vladimir Putin, Presidente russo, suspendeu o tratado New START e colocou o Regime de Não-Proliferação Nuclear em risco. 

Vale ressaltar que, no mês anterior ao acontecido, a Rússia recusou as inspeções anuais dos Estados Unidos em seu território, o que descumpria um dos requisitos do tratado (Bugos, 2023). Somado a isso, a inexistência de um acordo entre os dois maiores possuidores de ogivas nucleares cria uma lacuna de desinformação acerca do que está sendo construído em ambos os lados, o que pode levar a uma nova corrida armamentista com possíveis novos competidores (Carnegie Endowment for International Peace, 2021). 

ANÁLISE CRÍTICA

Como discutido por Robert Keohane e Joseph Nye (2012) em Power and Interdependence, os regimes internacionais são afetados pela distribuição de poder dentro do ambiente internacional, assim como a estrutura desse ambiente e as decisões dentro dele são afetadas pelo regime. De forma analítica, o Regime de Não-Proliferação Nuclear é bem consolidado no que se trata de garantir a não utilização de armas nucleares ou a emergência de uma guerra nuclear. Entretanto, sempre foi um regime que, apesar de influenciar as tomadas de decisão dos Estados, é muito afetado pelo hard power [6] dos atores do ambiente internacional. 

O Regime de Não-Proliferação Nuclear, como coloca Stephen Krasner (1982), deve ser compreendido para além de um conjunto de normas, regras, princípios e práticas temporárias, que mudam na medida que os interesses e o foco de poder se alteram. Desde sua criação, o regime não conseguiu uma adesão universal ao TNP e uma aceleração no ritmo do desarmamento (Rathbun, 2014). Um dos catalisadores desse problema é a não assinatura do tratado por parte de novos Estados possuidores de armas nucleares, como Índia, Israel e Paquistão, que fomentam a discordância de um possível desarmamento nuclear total (Rathbun, 2014).

Entretanto, as discordâncias existentes entre os Estados Unidos e a Rússia, e a tensão crescente entre seus aliados alimenta o Regime de Não-Proliferação Nuclear de forma negativa, na medida em que existe a sobreposição de interesses estatais dentro dele e o esgotamento de seu objetivo. Por todo exposto, compreende-se que o regime não está funcionando de maneira eficiente como um instrumento unificador para conter a disseminação das armas nucleares, especialmente após a Rússia suspender o New START. A falta de consenso e cooperação entre as potências nucleares esgota o funcionamento do regime, e cria um ambiente propício para proliferação de armas nucleares em regiões críticas e em contextos delicados que podem prejudicar a segurança global. 

Notas

[1] “(1) a principle which links the proliferation of nuclear weapons to a higher likelihood of nuclear war; (2) a principle that acknowledges the compatibility of a multilateral nuclear  non-proliferation policy with the continuation and even the spread of the use of atomic energy for peaceful purposes; (3) a principle stating a connection between horizontal and vertical  nuclear proliferation (i.e. the notion that in the long run the proliferation of nuclear weapons can only be halted if the nuclear powers are ready to reduce their nuclear arsenals); (4) a principle of verification” (Hasenclever; Mayer; Rittberger, 1997, p .9).

[2] Para manutenção do tratado, os altos funcionários dos Estados signatários reúnem-se para revisá-lo a cada cinco anos (Nações Unidas, 2022). A última conferência de revisão foi feita em 2020 e a próxima está sendo preparada para 2026 (United Nations, 2024). 

[3] Para saber mais sobre os acordos entre Estados Unidos e Rússia, sugere-se a leitura da linha do tempo: https://www.cfr.org/timeline/us-russia-nuclear-arms-control 

[4] “1,550 deployed long-range nuclear warheads”; 700 deployed long-range nuclear delivery vehicles; 800 deployed and nondeployed launchers and delivery vehicles” (Carnegie Endowment for International Peace, 2021). 

[5] É importante ressaltar que em 2021 houve a posse do presidente norte-americano Joe Biden, que apresentava políticas externas distintas às do ex-presidente Donald Trump. 

[6] Também entendido como poder duro, é a capacidade de um ator influenciar outro agente a fazer o que ele deseja. Esse poder pode ser visto por meio de incentivos ou sanções econômicas e força militar.

Imagens

MYZNIK, Egor. 14 set. 2020. 1 fotografia. Disponível em: https://unsplash.com/pt-br/fotografias/preto-e-branco-numero-9-TsbPt7n2bjI. Acesso em: 06 mar. 2024.

Referências

BUGOS, Shannon. Russia suspends NEW Start. Arms Control Association, [S.l.], 2023. Disponível em: https://www.armscontrol.org/act/2023-03/news/russia-suspends-new-start. Acesso em: 03 mar. 2024. 

CARNEGIE ENDOWMENT FOR INTERNATIONAL PEACE. New START: The Last Nuclear Arms Treaty. [S.l.], 2021. Disponível em: https://carnegieendowment.org/publications/interactive/new-start#. Acesso em: 04 mar. 2024.

COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. 1949 – 2021 U.S.-Russia Nuclear Arms Control.  [S.l.], 2021. Disponível em: https://www.cfr.org/timeline/us-russia-nuclear-arms-control. Acesso em: 04 mar. 2024. 

FEDERATION OF AMERICAN SCIENTISTS. Status Of World Nuclear Forces. [S.l.], 31 mar. 2023. Disponível em: https://fas.org/initiative/status-world-nuclear-forces/. Acesso em: 02 mar. 2024.

HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter; RITTBERGER, Volker. Theories of International Regimes. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. Ebook

KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence. Longman: Glenview, 2012. Ebook

KRASNER, Stephen D. Structural Causes and Regime Consequences: Regimes as Intervening Variables. International Organization, [S.l.], v. 36, n. 2, p . 185-205, 1982. Disponível em: https://pos-graduacao.uepb.edu.br/ppgri/files/2016/02/Krasner-Structural-Causes-and-Regime-Consequencies-Regime-as-Intervening-Variables.pdf. Acesso em: 03 mar. 2024.

NAÇÕES UNIDAS. O que você precisa saber sobre o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. ONU News, [S.l.], 05 ago. 2022. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2022/08/1797352. Acesso em: 04 mar. 2024.

New START: The Last Nuclear Arms Treaty. Carnegie Endowment. [S.l.], 10 set. 2019. 1 vídeo (56 seg). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FN4pHMHDa4Q&ab_channel=CarnegieEndowment. Acesso em: 03 mar. 2024. 

NTI. Treaty on the Prohibition of Nuclear Weapons (TPNW). NTI, [S.l.], 2024. Disponível em: https://www.nti.org/education-center/treaties-and-regimes/treaty-on-the-prohibition-of-nuclear-weapons/. Acesso em: 02 mar. 2024.

RATHBUN, Nina Srinivasan. Glass Half Full? Evaluating the Impact of New U.S. Policy on the Legitimacy of the Nuclear Nonproliferation Regime. In: FIELDS, Jeffrey R. State Behavior and the Nuclear Nonproliferation Regime. Georgia, 2014. Cap. 2, p . 56-106. Ebook

STOCKHOLM INTERNATIONAL PEACE RESEARCH INSTITUTE. The nuclear non-proliferation and disarmament regime. Stockholm International Peace Research Institute, [S.l.], [2021?]. Weapons of mass destruction. Disponível em: https://www.sipri.org/research/armament-and-disarmament/nuclear-disarmament-arms-control-and-non-proliferation/nuclear-non-proliferation-disarmament-regime. Acesso em: 02 mar. 2024.

UNITED NATIONS. NPT Review Conferences and Preparatory Committees. [S.l.], 2024. Disponível em: https://disarmament.unoda.org/wmd/nuclear/npt-review-conferences/. Acesso em: 02 mar. 2024. 

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UNITED NATIONS. Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons. [S.l.], [s.d.]. Disponível em: https://disarmament.unoda.org/wmd/nuclear/npt/. Acesso em: 02 mar. 2024.

U.S. DEPARTMENT OF STATE. New START Treaty. Washington, [s.d.]. Disponível em: https://www.state.gov/new-start/. Acesso em: 03 mar. 2024. 

Laura Silveira Curto Coelho

Graduada em Relações Internacionais da PUC Minas. Possui interesse nas áreas de Instituições, Sustentabilidade e Política Externa.

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