China Blue
Oi, meu nome é Jenny. Sou a gerente de vendas. Na Lifeng, ficamos felizes por fazer jeans para o mundo todo. Nós nunca perdemos um prazo, nem que nossos empregados tenham que trabalhar a noite inteira.
Com uma população de 1,393 bilhão (2018) e um PIB (Produto Interno Bruto) crescente a uma taxa de 10% ao ano, a China tornou-se rapidamente um dos maiores contribuintes para o mercado internacional. Entre 1970 e 1980, com inserção de Deng Xiaoping na presidência, o país passou por reformas econômicas, conhecidas como “Políticas de Portas Abertas”, que transformaram o processo econômico chinês.
A China é considerada o país que mais cresceu economicamente nos últimos 30 anos, com altas taxas de elevação do PIB e do PIB per capita. De 1980 a 2004, alcançou a posição de sexta maior economia do mundo. Em 2010, de forma impressionante e jamais vista, conseguiu a posição de 2ª lugar no ranking de maior economia global. Entretanto, o crescimento notável do país tem seu lado tétrico: a exploração do trabalho humano.
É nesse contexto que o documentário Blue China expõe as relações de trabalho em uma empresa de jeans, e deixa evidente as imposições das demandas ocidentais em um mundo globalizado. Quando Jenny, na propaganda da empresa Lifeng, diz que os empregados trabalham a noite inteira para não perderem um prazo, ela não está mentindo. Sem pagamento de horas extras, muitas mulheres — entre elas adolescentes e mães de colo — e alguns homens são obrigados a trabalhar mais de 12 horas por dia; muitos possuem apenas 4 horas de sono.
Mais de 130 milhões de camponeses chineses, a maioria mulheres jovens, deixaram suas aldeias em busca de empregos na economia globalizada. Eles constituem o maior grupo mundial de mão de obra barata e são os principais produtores de roupas e outras mercadorias para os consumidores ocidentais (HEAVEN, 2009, p. 11-12).
Jasmine, de apenas 16 anos, é a personagem central do documentário. De origem camponesa, a jovem, como tantas outras adolescentes, falsifica documentos para trabalhar na fábrica da Lifeng, documentação que é fornecida pela própria empresa. Trabalham 17 horas por dia, ganhando 6 centavos a hora. O salário é usado para pagar as despesas de comida e dormitório da própria fábrica de jeans, o restante Jasmine tenta poupar e ajudar financeiramente sua família, mas os custos são altos e a poupança é quase infame. Seu quarto é dividido com outras 12 meninas.
O documentário demonstra a luta dessas garotas em sobreviver às duras condições de trabalho. Inicialmente, elas foram com um propósito: ajudar a família e juntar dinheiro para que pudessem melhorar suas condições de vida, acreditando que um dia iriam sair daquele emprego, pois conscientemente sabiam da exploração que as oprimem. Das 8h às 2h da manhã, sete dias por semana, não recebem hora-extra, nem o salário mínimo exigido por lei, trabalham para viver e vivem para trabalhar.
Jasmine é sonhadora, escreve contos e desejos de um dia viver como uma princesa. O sonho mais provável de se realizar, diz ela, é de que aquela vida seja temporária, e de que possa fazer mais do que apenas trabalhar para viver. Ela deseja uma vida justa, com salários justos, horas extras pagas e mais folgas para que possa visitar seus parentes no campo.
Os abusos das fábricas de exportação, como a Lifeng, são comuns por toda a China. Mas são abusos cometidos tanto por quem exporta como por quem importa tais mercadorias. As informações de inspeção e o slong das marcas estrangeiras, como Walmart e Levi’s, apresentadas no documentário, de que seus produtos vêm de fábricas chinesas que estão consoantes com as leis trabalhistas, são falsos. Eles apresentam o que o direito internacional e os direitos humanos exigem, mas praticam o que gera lucro: a exploração de mão de obra extremamente barata chinesa. Um dos funcionários da fábrica diz:
Primeiro de tudo, na China a mão-de-obra é barata. Nós temos vários recursos, especialmente recursos humanos.
Clientes, como Walmart, só vêm aqui para checar a qualidade do produto. Eles não se importam com a condição de trabalho. Em média os funcionários dormem 4 horas. Às vezes, eles só dormem 1 ou 2 horas e depois voltam para o trabalho. Falar com a mídia estrangeira é quebrar leis de segurança nacional, não estou falando em benefício próprio, mas pelos direitos de todos os trabalhadores. Organizadores que exigem os direitos trabalhistas correm o risco de ser mandados para campos de reeducação.
O Sistema misto, ideologia comunista e poder econômico descentralizado, colaborou para as atividades de trabalho forçado sancionado e não-sancionado. Corrupção, falta de fiscalização, ausência de políticas públicas e o sistema repressivo chinês impede o controle por meio de estatísticas sistemáticas sobre a extensão da força de mão-de-obra explorada, como repreende as tentativas de denúncia pelos funcionários manufatureiros (LEPILLEZ, 2007).
Para competir na economia global, os proprietários de fábricas concordam em produzir bens a preços baixos exigidos pelos clientes estrangeiros. As elites fabris e as corporações multinacionais colhem os lucros, e os compradores em todo o mundo se alegram com os preços acessíveis. Mas a demanda por produtos baratos no mundo globalizado tem repercussões humanas muito reais (INDEPENDENTLENS, 2007). Em uma reportagem, o diretor Micha Peled resume essa questão como finalidade do seu documentário:
Eu queria dar um rosto humano a essa questão da escravidão moderna. Todos nós sabemos que os trabalhadores do Terceiro Mundo estão sendo explorados em nosso nome. Mas, enquanto forem massas sem rosto, podemos facilmente ignorar o problema. Assim que os espectadores conhecerem Jasmine e seus amigos como adolescentes normais com sonhos, humor e personalidade diários, não é mais aceitável que essas meninas sejam tratadas tão mal só para termos roupas baratas.