“BOM DIA, VIETNÔ E AS PROXY WARS DOS ANOS 1960 

“BOM DIA, VIETNÔ E AS PROXY WARS DOS ANOS 1960 

Inspirado na vida do Sargento da Força Aérea Americana Adrian Cronauer (1938-2018), o filme “Bom Dia, Vietnã” relata a vivência das bases militares estadunidenses em Saigon durante o conflito da Guerra do Vietnã. Com algumas (lê-se várias) alterações hollywoodianas elaboradas pelo roteiro – que contou com a participação do próprio Cronauer em sua confecção -, a obra aborda desde o relacionamento entre soldados norte-americanos e a população vietnamita, à dinâmica do serviço militar com a cobertura midiática, centralizando sua narrativa no papel principal de Adrian, interpretado por Robin Williams, e em sua atuação como o DJ no programa matinal da rádio do exército, cujo bordão dos dias na ativa rendeu ao filme seu nome, e a Cronauer, um leve ranço por parte dos soldados que acompanhavam sua empolgada voz nas florestas do Vietnã, todos os dias pela manhã (BBC, 2018).

O VIETNÃ ANTES DA GUERRA: A FRANÇA INDOCHINESA

Muito além dos Beatles, da corrida espacial e do bicampeonato mundial do Brasil, os anos seguintes à Segunda Guerra Mundial foram também marcados pela onda de descolonização que perpassou os continentes africano e asiático entre os anos de 1950 até o início dos anos 1990. Enfraquecidas pelos efeitos do conflito em seus territórios, as potências europeias se depararam com uma reprise dos séculos XVIII e XIX e viram, novamente, processos de independência acontecendo em suas colônias ao redor do mundo, sendo o palco, desta vez, a Ásia e o continente africano. Quinze anos após sua criação, a Organização das Nações Unidas aumentou seu corpo de membros, partindo de 51 para 99, sendo a grande maioria dos recém-chegados, ex-colônias europeias. No ano de 1960, quando a instituição incorporou mais 17 Estados, foi-se assinada a Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais, em 14 de dezembro, a fim de reconhecer a importância da liberdade na construção da paz mundial (Betts, 2012).

Reunião da Conferência de Genebra realizada em 1954, organizada com a finalidade de discutir a situação na Indochina (Imagem: Wikicommons)

Na época, países como França, Holanda e Reino Unido ainda contavam com diversas colônias, abdicando uma por uma durante o período das independências. O Vietnã, o Laos e o Camboja, por exemplo, fizeram parte do domínio francês que levou o título de “Indochina”, e cujos conflitos por libertação perduraram até a década de 1970. No caso do Vietnã, a proclamação de independência veio logo após o fim da Segunda Guerra, quando o líder nacionalista Ho Chi Minh declarou o território como livre da governança francesa, ocasionando em oito anos de combate de guerrilha entre os dois países, devido à recusa do governo europeu em reconhecer a independência (Britannica, 2020). 

Em 1954, a França teve que bater em retirada após a derrota no forte Dien Bien Phu em maio do mesmo ano, assinando a Conferência de Genebra e partindo definitivamente do solo do Vietnã. Com isto, o país asiático recém-liberto encontrou-se em discussões de como seria organizado, sendo dois flancos opostos orquestrados nos dois extremos do território: um Norte que havia desempenhado forte influência na derrocada francesa e que desejava unificar o país sob um regime comunista e um sul, que tinha o objetivo de manter a proximidade com as potências ocidentais (CVCE, 2017). Sob tal pretexto, desenrola um conflito armado com o apoio dos Estados Unidos da América (sul do Vietnã) e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (norte do Vietnã) aliadas à República Popular da China, que naquele mesmo momento vivenciavam uma tensão digna de cortar o ar com a faca. 

PROXY WARS E A TERCEIRIZAÇÃO DA GUERRA 

A Guerra do Vietnã, ocorrida durante os mornos dias da Guerra Fria, é um dos vários outros conflitos realizados no curioso espaço de tempo entre 1945 e 1991, aquele quando o mundo esteve às prévias de outra guerra em escala mundial. Como já havia sido exemplificado por outros embates ao longo da história – tal qual a recém finda Segunda Guerra Mundial -, países diretamente envolvidos em disputas são fortemente impactados pelas mazelas dos dispêndios alocados nos combates, e para as duas grandes potências da época, havia a certeza de uma destruição mútua por ambas as partes envolvidas, a M.A.D (Mutually Assured Destruction). É dessa perspectiva de redução de custos da qual nascem alternativas à guerra convencional, sendo uma delas as proxy wars, ou seja, as guerras por procuração (Onyekwuma, 2022).  

Nesses conflitos, os países atingem uns aos outros de forma indireta a fim de demonstrar poderio e influência, mas sem sofrer diretamente os danos trazidos pela guerra tradicional. Para Karl Deutsch, as guerras por procuração são conflitos internacionais entre dois países, mas que acabam sendo realizados no solo de um terceiro Estado. Assim, ocorridos como a Guerra da Coreia (1950-1953), a crise no Congo (1960-1965), a Crise dos Mísseis (1962) e a Guerra Afegã-Soviética (1979-1989) foram algumas das proxy wars utilizadas por grandes potências para objetivos políticos (Onyekwuma, 2022). 

Com uma campanha que perdurou por pouco mais de uma década, a presença dos EUA no Vietnã marca mais uma das empreitadas indiretas organizadas pelo país durante seu entrave político-ideológico com a União Soviética. Promovida à população estadunidense como uma forma combater o avanço do comunismo no período, sem deslocar grandes recursos para um confronto direto contra a União Soviética, a Guerra do Vietnã foi executada por meio do envio de tropas, armamentos e equipamentos bélicos, rendendo na escalada do conflito em uma guerra total quando Lyndon B. Johnson, presidente dos EUA na época, autorizou o envio de 200.000 tropas ao país entre os anos de 1965 e 1966 (Britannica, 2020). 

Do outro lado, China e União Soviética investiam no fortalecimento das necessidades de Ho Chi Minh, líder da Frente Nacional de Libertação do Vietnã (Viet Cong). Enquanto a União Soviética cedeu bilhões em apoio militar e econômico, além do envio de conselheiros e técnicos militares, a China colaborou com as forças vietnamitas de Hanói por meio de suporte em tópicos de infraestrutura como engenharia,  artilharia antiaérea e fornecimento de apoio médico. Com o auxílio das forças chinesa e soviética, as tropas do norte vietnamita reduziram as perdas durante os bombardeios aéreos estadunidenses além de demonstrarem vantagem em campo com os conhecimentos sobre guerrilha, através de emboscadas e aprisionamentos (Britannica, 2020; World 101, 2023).

A MÍDIA DO ESPETÁCULO DA GUERRA

Como demonstrado nos momentos finais de “Bom Dia, Vietnã”, ao longo do tempo a reprovação da guerra nos EUA era voto da maioria, com menos da metade dos habitantes sendo a favor da participação do país no conflito (Britannica, 2020). Devido ao fato de que a guerra aconteceu durante uma crescente no índice de famílias com acesso à televisão, a cobertura midiática foi essencial para a formação da opinião pública, tornando-se rapidamente a fonte primária de informações sobre o andamento da situação e do desempenho do país naquele momento. Durante os 15 anos nos quais as redes de televisão abordaram a guerra, a abordagem constante sobre o assunto transformou o conflito em um tópico mundano, como apontado por Vaughan (2020).

Protesto anti-guerra realizado por soldados da Força Aérea dos EUA em 1971 (Imagem: Wikicommons)

Com o passar do tempo, o movimento anti-guerra tornou-se mais forte e a retirada das tropas passou a ser requerida nas ruas. Imagens gráficas passaram a circular pelos jornais impressos, revistas e televisões, como o Massacre de My Lai,1 as baixas de soldados de ambos os lados mortos, vilarejos queimados e as consequências vitalícias do uso do Agente Laranja – arma química composta por uma mistura de herbicidas, cuja finalidade era dizimar as plantações dos Viet Cong. Para Vaughn (2020), a abordagem sobre o conflito na mídia não foi tão intensa quanto a memória popular aponta ter sido, mas a gravidade das imagens e o clima da época marcaram os efeitos na mente do cidadão estadunidense por muitos anos após o seu fim.

CONCLUSÃO

Marcante por sua atuação, enredo e cenários, “Bom Dia, Vietnã” é uma obra de sua época, buscando retratar além das imagens mostradas no jornal e por dentro dos bastidores da guerra. O filme, através das experiências de Adrian Cronauer, explora os efeitos sociais do conflito, como a censura em comunicar perdas que simbolizassem a derrota e a complicada relação entre os soldados alocados em um conflito que não lhes fazia sentido e os vietnamitas, que sofriam em meio a uma guerra escalonada que no final do dia, não estava sendo lutada por eles.

A guerra, convencional ou não, direta ou jogada por outros corpos, deixa marcas, gera mudanças e abre espaço para lições. Com 50 anos tendo se passado desde o fim da Guerra, o que fora vivido pelo Vietnã serviu para mostrar o pior da humanidade e esperar que nada daquilo acontecesse novamente, objetivo distante de ser alcançado levando em consideração de que a guerra na contemporaneidade, tornou-se um espetáculo a ser acompanhado, uma tendência a sair de moda e um assunto cansativo de se ouvir sobre. O Vietnã foi em sua época o que o Congo, o Sudão do Sul, a Palestina, a Ucrânia e vários outros mais são hoje: tragédias da humanidade usados pelas potências e pelos tablóides para vender, expor e prender a atenção até que uma nova notícia apareça.

Imagens:

Impawards. Good Morning, Vietnam. 1987. 1 foto. 445 x 755 pixels. Disponível em:http://www.impawards.com/1987/good_morning_vietnam.html

Wikicommons. First Indochina War. 1954. 1 foto. 755 x 600 pixels. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:1stIndochinaWar003.jpg

Wikicommons. 1971 Armed Forces Day at Fort Hood. 1971. 799 x 329 pixels. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:1971_Armed_Farces_Day_at_Ft_Hood.jpg 

Referências

COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. Eight “Hot Wars” During the Cold War. Disponível em: https://world101.cfr.org/understanding-international-system/conflict/eight-hot-wars-during-cold-war. Acesso em: 22 mar. 2024.

Decolonisation of French Indo-China – Decolonisation: geopolitical issues and impact on the European integration process – CVCE Website. Disponível em: https://www.cvce.eu/en/education/unit-content/-/unit/dd10d6bf-e14d-40b5-9ee6-37f978c87a01/5bcbdcc4-0405-4034-90c0-e21875b5c356. Acesso em: 22 mar. 2024.

EBIE SUNDAY ONYEKWUMA. Proxy Wars and the Dilemma of Global Peace: Interrogating the Roles of the Super Powers (1946-1991). Economics, politics and regional development, v. 3, n. 2, 12 dez. 2022.

GROSS, T. Remembering Adrian Cronauer, The DJ Who Inspired “Good Morning Vietnam”. NPR.org, 23 jul. 2018.

HOLLIS, P. The Media and the Vietnam War. Disponível em: https://pjhollis123.medium.com/the-media-in-the-vietnam-war-c0e35f9f6461. Acesso em: 20 mar. 2024.

Obituary: Adrian Cronauer – the real Good Morning, Vietnam DJ. BBC News, 20 jul. 2018.

RAYMOND F. BETTS. Decolonization: A brief history of the word. In: BOGAERTS, E.; RABEN, R. (Eds.). BEYOND EMPIRE AND NATIONThe decolonization of African and Asian societies, 1930s-1960s. [s.l.] Kitlv Press, 2012.

SALVADOR, B. My Lai: 50 anos do massacre americano que escancarou os horrores no Vietnã. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/my-lai-50-anos-do-massacre-americano-que-escancarou-os-horrores-no-vietna-22489867. Acesso em: 31 mar. 2024.

SPECTOR, R. H. Vietnam War – Firepower comes to naught | Britannica, 31 mar. 2024. (Nota técnica).

THE EDITORS OF ENCYCLOPEDIA BRITANNICA. Indochina wars | Asian history, 9 ago. 2016. (Nota técnica).VAUGHAN, B. J. War, Media, and Memor , Media, and Memory: American T y: American Television News Co vision News Coverage of the Vietnam War. ” Bridges: An Undergraduate Journal of Contemporary Connections, v. 4, n. 1, 2020.

  1.  Massacre ocorrido no vilarejo de My Lai no sul do Vietnã. Ao longo do ocorrido, que durou cerca de quatro horas, entre 300 e 500 civis desarmados foram mortos pela companhia do tenente William Calley. Fonte: O Globo, 2018. ↩︎

Giovana Silva Santiago

Estudante de RI amante de frutas, livros, músicas e musicais e que se encontra em um sério relacionamento internacional com o BTS.

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