Entrevista com o Embaixador do México no Brasil, V. Ex.ª José Piña Rojas

Entrevista com o Embaixador do México no Brasil, V. Ex.ª José Piña Rojas

O Dois Níveis tem a honra de trazer ao público uma entrevista com a Sua Excelência, o Senhor Embaixador dos Estados Unidos Mexicanos (México) no Brasil, José Ignacio Piña Rojas. Sua Excelência José Piña foi embaixador do governo mexicano em sete outros países antes do Brasil (2019-), sendo eles: El Salvador (1995-1999), Peru (1999-2001), Panamá (2002-2005), Cuba (2005-2007), República Dominicana (2011-2015) e, novamente, Panamá (2015-2019). Ele também desempenhou funções na Chancelaria mexicana, dentre outras, como assessor do Diretor Geral de Organizações Internacionais (1976-1978), Diretor Geral do Serviço Exterior e de Pessoal (1995-1999) e Diretor Geral para a América Latina e Caribe (2007-2011), além de ter participado em muitas delegações mexicanas, reuniões e conferências de órgãos correlatos a Organização das Nações Unidas (ONU).

Por fim, Sua Excelência José Piña também recebeu numerosas condecorações do governo mexicano pelos serviços prestados ao país, com destaque para a Condecoração ao Mérito por 25 anos como membro ativo do Serviço Exterior Mexicano.

José Ignacio Piña Rojas possui licenciatura em Relações Internacionais com foco em América Latina e Caribe pela Universidade Autônoma do México (UNAM), além de ter concluído estudos de formação diplomática no Instituto Matías Romero, a escola de diplomatas da Secretaria de Relações Exteriores do México, tendo ingressado nesta última em 1974.

Sua Excelência Embaixador José Ignacio Piña Rojas é membro atuante na integração regional latino-americana e, em especial, nas relações bilaterais Brasil e México. Nesta entrevista conversamos sobre integração regional latino-americana, as relações bilaterais Brasil e México, o combate à pandemia de COVID-19, o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), dentre outros assuntos relacionados a política externa mexicana.

O Dois Níveis agradece pela entrevista concedida pelo Embaixador José Piña. Agradecemos especialmente à Embaixada e ao senhor José Ramón López de León Ibarra, assessor do embaixador mexicano, que nos facilitou o contato.

Dois Níveis: Visto o papel ativo do Brasil e do México nos seus respectivos blocos de integração regional – Mercosul e Aliança do Pacífico -, juntamente com a aproximação entre os dois blocos desde o ano de 2014, o senhor considera que a economia latino-americana tem se integrado cada vez mais?

Embaixador Piña: Certamente houve avanços na integração econômica latino-americana com a aproximação desses dois importantes blocos. No entanto, as duas maiores economias da região, como são Brasil e México, precisam consolidar suas relações econômicas bilaterais, principalmente por meio da expansão e aprofundamento do Acordo bilateral de Complementação Econômica 53.

Dois Níveis: A cooperação comercial e financeira é parte central do relacionamento México-Brasil, e visa integrar as duas maiores economias da América Latina. Como destacado na IV Comissão Binacional México-Brasil, foram realizadas oito reuniões até 2018 com o objetivo de aprofundar o Acordo de Complementação Econômica nº53, acordo este que visa estreitar o relacionamento econômico entre os dois países. O quanto este acordo tem beneficiado o lado mexicano? O senhor crê que as modificações feitas no documento até o ano de 2018 fortaleceram ainda mais as relações bilaterais Brasil-México?

Embaixador Piña: O Acordo de Complementação Econômica nº 53 está em vigor desde maio de 2003. Desde esse ano até 2019, o comercio entre México e Brasil teve um aumento de 181%, passando de US$ 3,888 milhões para US$ 10,937 milhões. Porém esse Acordo não responde à potencialidade econômica de ambos os países, porque concede preferências a apenas 17% do total das frações tarifárias.

Depois de oito rodadas de negociações, houve avanços significativos na negociação em várias disciplinas: Coerência Regulatória, Serviços, Resolução de Controvérsias, Compras Governamentais, Regras de Origem, Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, Barreiras Técnicas ao Comércio e Facilitação do Comércio e Propriedade Intelectual. Em matéria de acesso a mercados os avanços são mais limitados. Sem embargo, também se está trabalhando neste capítulo.

Atualmente, os negociadores de ambas as partes já intercambiaram propostas tarifárias e estão definindo os novos termos de referência para retomar as negociações.

Dois Níveis: Em visita recente ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), o Secretário de Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard Casaubon, denunciou a desigualdade do acesso às vacinas contra a COVID-19, destacando que os países mais pobres e vulneráveis foram os mais atingidos. Quais são as possíveis soluções para este desequilíbrio que foram propostas pelo México?

Embaixador Piña: O Governo do México promove uma política exterior que procura garantir o acesso universal, oportuno e equitativo a vacina contra a COVID-19. Por isso, o chanceler Marcelo Ebrard, propôs no passado 17 de fevereiro no Conselho de Segurança da ONU, a necessidade do mecanismo de vacinação Covax, que acelere a distribuição de vacinas e se reverta o acúmulo de alguns países que concentram três quartos de todas as vacinas. O México está se esforçando para implementar os esforços do Conselho de Segurança, como a resolução 2.532, que propõe um cessar-fogo mundial no contexto da pandemia, além de garantir o acesso justo, equitativo e oportuno às vacinas. Este último é o principal desafio a enfrentar pela comunidade internacional.

Dois Níveis: Em 27 de setembro deste ano, o México completará 200 anos de independência da Espanha. Nestes dois séculos enquanto Estado independente, o México já chegou a ser um Império (1821-1823), domínio do império francês (1864-1867) até passar por uma revolução que estabeleceu uma república (1911) . Hoje em dia, os Estados Unidos Mexicanos vivem uma democracia vibrante e sólida na América Latina. Qual a opinião do senhor sobre a consolidação da democracia mexicana nas últimas décadas?

Embaixador Piña: Nos últimos 20 anos, mediante o exercício do sufrágio, o México vem fortalecendo suas instituições eleitorais. A última eleição realizada em 2018, na qual venceu o presidente Andrés Manuel López Obrador, marca um avanço no processo de democratização do México. Atualmente, o desafio é fortalecer a inclusão social e os mecanismos de participação direta da população nas grandes decisões nacionais para avançar na luta contra a pobreza e a corrupção, bem como alcançar melhor equidade e melhor distribuição de riqueza

Dois Níveis: Em outubro de 2018 o México assinou um novo acordo de livre-comércio com os Estados Unidos da América (EUA) e com o Canadá. Tal acordo, nomeado de EUA-México-Canadá (USMCA na sigla em inglês) é visto como resultado de renegociações feitas sobre o NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio – North American Free Trade Agreement, em inglês), tanto que alguns jornalistas chamaram o novo acordo de “NAFTA 2.0”. Tendo isso em vista, quais vantagens o México vê sobre o USMCA?

Embaixador Piña: A negociação da modernização do NAFTA resultou no Tratado entre o México, os Estados Unidos e o Canadá (TMEC na sigla em espanhol), que entrou em vigor em 1º de julho de 2020. Com o TMEC, consolida-se o acesso irrestrito ao mercado de América do Norte, o estabelecimento de regras de origem que beneficiem o México e promovam o investimento, a modernização dos procedimentos aduaneiros, a congruência nas regulamentações fitossanitárias e zoosanitárias, e a maior integração dos mercados de trabalho.

Os novos capítulos do TMEC garantem um comercio mais inclusivo e fortalecem os mecanismos de resolução controvérsias. Da mesma forma, a modernização do acordo promove a competitividade da região, incentiva o desenvolvimento e facilita o comércio.

Também se adicionaram os seguintes anexos: aduanas e facilitação do comércio; anexos setoriais; comércio digital; trabalho; meio ambiente; PMEs; competitividade; anticorrupção; boas práticas regulatórias, e política macroeconômica.

Dois Níveis: Os EUA e o México possuem laços diplomáticos cada vez mais próximos desde o final do século XIX. Um dos grandes aspectos da cooperação e integração Estados Unidos e México é o fluxo migratório entre os dois países norte-americanos. Sobre essa questão, quais têm sido as políticas de cooperação bilaterais em favor de uma migração mais tranquila, segura e benéfica para ambos os países?

Embaixador Piña: No governo do presidente Andrés Manuel López Obrador, o México foi o primeiro país a adotar o Pacto Global para as Migrações em dezembro de 2018, promovido pelas Nações Unidas para garantir um fluxo migratório seguro, ordenado e regular. Consequentemente, o Governo do México implantou uma nova política migratória baseada em dois pilares fundamentais: a defesa dos direitos dos migrantes e a promoção do desenvolvimento econômico desde uma perspectiva humanitária, para enfrentar as causas estruturais da migração. Por isso, o Governo do México promove o Plano Integral de Desenvolvimento. Com a colaboração da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), que contempla diversos projetos para promover o desenvolvimento econômico da Guatemala, Honduras e El Salvador e, desta forma, atenuar as causas estruturais que desencadeiam os fluxos migratórios.

O Governo do México é respeitoso com o direito dos Estados Unidos de implementar sua legislação de imigração, mas atua de forma soberana e independente ao fixar de sua própria política de migração, em relação no fluxo de pessoas procedentes de qualquer país. As autoridades de migratórias do México mantêm comunicação fluída com suas contrapartes estadunidenses a fim de que o trânsito de pessoas pela fronteira comum seja realizado de maneira segura, legal e ordenada.

Dois Níveis: O que o senhor crê que pode ser feito com o objetivo de estreitar ainda mais as relações bilaterais entre o Brasil e o México? O que o senhor vislumbra no futuro das relações Brasil-México?

No âmbito bilateral, México e Brasil poderiam avançar em assuntos de interesse mútuo para ambos os países, incluindo a cooperação em questões de segurança regional, luta contra a corrupção, tráfico de drogas e crimes relacionados, como lavagem de dinheiro e tráfico de pessoas. O México tem interesse em conhecer a experiência e capacidade tecnológica do Brasil para aderir a iniciativas de cooperação bilateral ou trilateral, como a iniciativa de constituição de uma Agência Espacial Latino-Americana e Caribenha promovida por nosso país e pela Argentina. No âmbito multilateral, o México e o Brasil poderiam explorar esquemas de colaboração para compartilhar suas experiências no Conselho de Segurança, no qual vamos coincidir como membros não permanentes em 2022 e em mecanismos de diálogo informal, como o G-20.

Na esfera econômica, México e Brasil devem aproveitar a escala de suas economias para aumentar seu comércio bilateral e seus investimentos recíprocos. Os governos dos dois países devem trabalhar com seus setores privados para formar uma comunidade empresarial que transcenda suas divisões geográficas e sirva de ponte para integrar os blocos econômicos dos quais fazem parte.

Também ambos países devemos fazer esforços adicionais para que haja um maior conhecimento recíproco por parte de nossas sociedades em todos os âmbitos. Entre outros aspectos, será conveniente promover um maior intercâmbio entre intelectuais e acadêmicos das duas nações, assim como propiciar a ampliação das bolsas destinadas a cidadãos brasileiros e mexicanos que realizam estudos de pós-graduação em nossos respectivos países.

Letícia Martins Lima

Internacionalista em formação pela Universidade Federal de Goiás, gosta da área geral de Relações Internacionais, mas tem interesse mais específico nas áreas de Política Internacional e Diplomacia.

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