Cooperação Sul-Sul Brasileira: O Caso do “Cotton 4 + Togo”

Cooperação Sul-Sul Brasileira: O Caso do “Cotton 4 + Togo”

A cooperação Sul-Sul, que é caracterizada como uma articulação entre as nações do chamado Sul global para o crescimento econômico mútuo, é um ramo dos estudos da cooperação internacional [1] para o desenvolvimento. Como elenca Neto (2014, p. 126), suas principais características são, dentre outras: “horizontalidade [2], solidariedade, benefício mútuo e respeito à soberania”. Todos estes aspectos revelam o que está por trás do conceito da cooperação Sul-Sul: a busca pelo desenvolvimento das nações subdesenvolvidas ou aquelas em desenvolvimento.

Vale ressaltar que, dentre as modalidades deste modelo de desenvolvimento do Sul global está a cooperação técnica, que é caracterizada, em sua gênese, pela transferência de conhecimento entre as partes em uma determinada temática, que, por sua vez, tem como finalidade o avanço recíproco das nações envolvidas. Desta forma, a Agência Brasileira de Cooperação- ABC elenca que

O seu foco é o desenvolvimento de capacidades, entendido como a identificação, mobilização e expansão de conhecimentos e competências disponíveis no país parceiro, com vistas à conquista da autonomia local para o desenho e implementação de soluções endógenas para os desafios do desenvolvimento.

(ABC, 2013)

Desta forma, a criação da ABC em 1987, foi um marco para as relações de cooperação do Brasil, pois o país se tornou mais ativo no âmbito da cooperação internacional e passou a protagonizar programas de apoio a países da África, América Latina, dentre outros. A cooperação horizontal (cooperação Sul-Sul) foi adotada pelo Brasil por meio dos projetos elaborados e implementados pela ABC, contribuindo assim, de forma significativa, não somente com o desenvolvimento das nações receptoras do conhecimento, mas também com o aumento da qualidade de vida dos brasileiros [3].

A Iniciativa Brasileira

Caracterizado como uma das grandes potências econômica, territorial e demográfica, o Brasil possui um papel fundamental na amplificação da cooperação entre os atores estatais do Sul global, principalmente no que se refere ao desenvolvimento dos países que se localizam nesta área. E a África desempenha um papel chave para a atuação brasileira no âmbito da cooperação Sul-Sul. Autores como Christina Stolte (2015) consideram o continente como a última fronteira econômica do mundo. Sendo assim, verifica-se que o Brasil procura, via cooperação técnica, estabelecer fortes laços com a região visando o aumento do seu status internacional. Por ser um grande produtor agropecuário, o Brasil se utiliza desta “vantagem comparativa [4]” para aumentar sua projeção internacional. E uma dessas iniciativas é o programa Cotton 4 + Togo.

O programa é, dentre outros empreendimentos [5] que envolvem a cultura do algodão na África, uma parceria técnica do Brasil com países do Oeste Africano. Inserida no âmbito da cooperação Sul-Sul, os países que participam da parceria por parte do continente africano são Benin, Burkina Faso, Chade, Mali e Togo. Tal parceria está sob os auspícios da ABC, que, por sua vez, está acoplada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE). Diversos órgãos nacionais da sociedade civil bem como organizações internacionais também participam do processo de cooperação [6].

De acordo com a ABC (2016), Benin, Burkina Faso, Chade, Mali e Togo contabilizavam, juntos, dez milhões de pessoas que dependiam do cultivo do algodão em 2015. No Mali, por exemplo, o algodão correspondia a 85% das exportações. Visando este quadro de dependência dos países ao cultivo da fibra e, buscando, portanto, diversificar a economia destes [7], o Brasil aceitou o convite de cooperação por parte dos países africanos em 2009. No entanto, os primeiros ensaios para a cooperação foram identificados em 2003. Estas nações (exceto o Togo) instituíram a Iniciativa do Algodão no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMS) e viram no Brasil uma liderança na produção da commodity, portanto, concluíram que o país seria o líder ideal para fazer frente aos interesses das nações desenvolvidas . Sendo assim, os quatro países solicitaram ao MRE uma iniciativa de cooperação. E o governo brasileiro acatou tal proposta. Mas por que o Brasil aceitou? Christina Stolten (2015) dá algumas pistas.

As Motivações do Brasil

Os fatores que levaram o Brasil a aceitar a cooperação técnica no âmbito do setor da cotonicultura e outras iniciativas semelhantes é tridimensional. De acordo com a autora, são eles: econômico, político e cultural. No campo econômico, buscou-se por meio da cooperação, a transferência de tecnologia brasileira para os países africanos para que estes se fortalecessem economicamente. Em relação ao programa Cotton 4 + Togo, essa transferência se deu, principalmente, por meio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). No entanto, o Brasil também se beneficiou desta parceria pelo fato de conseguir obter informações antecipadamente de novas pragas antes que estas atingissem as lavouras brasileiras.

Já no âmbito político, o governo brasileiro procurou se afirmar como grande parceiro dos países africanos para que estes possivelmente viessem o apoiar em futuras questões de interesse nacional, a exemplo do anseio do Brasil em alcançar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), e, como os países africanos representam boa parte das nações (54 países) que compõem a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), aquele continente, é frequentemente, alvo de lobbying por parte dos países reclamantes de um assento no CSNU, o chamado G4 [8]. Por fim, no âmbito cultural, fez-se referência à ancestralidade africana que o Brasil possui, visto que é a segunda nação em população de afrodescendentes fora da África. Além do mais, o país se utilizou de termos como países irmãos ou próximos (seja culturalmente ou geograficamente falando) para se aproximar do continente. 

O Desenvolvimento da Cooperação

Quando o programa Cotton 4 + Togo iniciou em 2003, era chamado de projeto de “Apoio ao Desenvolvimento do Setor Algodoeiro nos Países do C-4”, conhecido também como “Projeto C-4”. Ao notar o desenvolvimento do programa, Togo começou a negociação de entrada ao C-4, que, ingressando o programa na sua segunda fase (a partir de 2014), e com a adesão do país em questão, o projeto passou a ter o nome atual. Tal desenvolvimento do programa foi impulsionado pelo contencioso do algodão na Organização Mundial do Comércio (OMC), disputa entre Brasil e Estados Unidos da América (EUA) que se iniciou em 2002 e se arrastou até 2009 com a vitória brasileira. 10% do valor da compensação paga pelos EUA ao Brasil foram alocados para o Fundo do Algodão (gerido pelo Instituto Brasileiro do Algodão- IBA) que, por sua vez, foram utilizados no fortalecimento da cooperação com países da África Subsaariana e América Latina. Os valores foram pagos ao Brasil até o ano de 2013, quando foi assinado entre os dois países um Memorando de Entendimento que visava o pagamento de um adicional de U$S 300 milhões dos EUA ao Brasil.

Desde então, a cooperação técnica do algodão vem se fortalecendo e se espalhando em diversas frentes por toda a África, contabilizando um total de quinze países já atendidos, a exemplo do Zimbábue, Senegal, Etiópia e outros. Como afirmou o embaixador Ruy Pereira no seu discurso de abertura do 12º Congresso Brasileiro do Algodão, realizado em Goiânia-GO no ano de 2019: “além de se projetar como líder e fonte de iniciativas de desenvolvimento agrícola, o país [Brasil] expande seus conhecimentos em tecnologias e boas práticas relacionadas à produção e ao aproveitamento do algodão e dos seus subprodutos”. Como notado na fala do embaixador, a cooperação é uma via de mão dupla, ao menos neste caso de cooperação Brasil-África, pois beneficia ambas as partes.

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[1] Subcampo das Relações Internacionais.

[2] Não é uma relação vertical, entre o Norte (nações desenvolvidas, ex.: países da Europa, Estados Unidos) e o Sul global (Brasil, Índia, países da África, América Latina, etc.), mas sim de horizontalidade, ou seja, entre os países do Sul.

[3] No projeto Cotton 4 + Togo (explicitado no decorrer do artigo), por exemplo, quando o Brasil observa as pragas desconhecidas que estão atuando nas lavouras de algodão em países da África, ele consegue, a partir da observação, produzir formas de combate a elas antes que estas ocorram no país. E, se há um número menor de pragas ou se são erradicadas, uma quantidade maior de algodão é colhida, o preço do produto cai pelo fato da oferta ser maior, e, assim, a população pode usar o excedente que ia utilizar na compra do algodão em outros itens do mercado, movimentando assim a economia em outras frentes, gerando, portanto, maior qualidade de vida aos brasileiros.

[4] Teoria do economista David Ricardo (1772-1823) que afirma que o comércio entre dois atores pode ser benéfico se estes se especializarem na produção daqueles produtos aos quais eles encontram um custo de oportunidade maior. Exemplo: a cada 2 kg de batatas, um ator produz 4 kg de carne. Neste caso, será melhor se ele se especializar na produção de carne. Aqui a relação é de 1 kg de batata a cada 2 kg de carne, portanto, o tempo que usaria para produzir 1 kg de batata, ele pode usar para produzir 2 kg de carne.

[5] Cotton Victoria; Cotton Shire Zambeze; Cotton Cameroun; Cotton Côte d’Ivoire; Cotton Etiópia; Cotton Zimbábue; Cotton Senegal; Cotton Solos; Cotton Fibras; Projeto + Algodão, dentre outros. Ao total, são quinze iniciativas.

[6] Universidade Federal de Lavras (UFLA); Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA); Instituto Brasileiro do Algodão (IBA); Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural (Asbraer); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO); Organização Internacional do Trabalho (OIT); Centro de Excelência Contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos (PMA, do original em inglês WFP), dentre outros.

[7] Ao produzir mais algodão, os agricultores possuem um maior excedente, portanto, um maior lucro. Desta forma, conseguem cultivar diferentes culturas, elevando assim, a qualidade de vida.

[8] Alemanha, Brasil, Japão e Índia são componentes deste grupo, e todos se apoiam simultaneamente no que se refere à candidatura a um assento no CSNU.

REFERÊNCIAS 

ABC. Manual de Gestão da Cooperação Técnica Sul-Sul. Brasília: ABC, 2013. 196 p. Disponível em: <http://www.abc.gov.br/Content/ABC/docs/Manual_SulSul_v4.pdf>. Acesso em 12 jun. 2020.

______. Cotton 4 + Togo: Uma parceria de sucesso. Brasília: ABC, 2016. 100 p. Disponível em: <http://www.abc.gov.br/imprensa/mostrarconteudo/1056>. Acesso em 08 jun. 2020.

______. Conheça o projeto “Cotton – 4 + Togo”. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1EiU5V1uflI>. Acesso em 08 jun. 2020.

______. Programa especial TV NBR: projeto “Cotton 4 + Togo” no Mali. 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HcPNCcskc_4>. Acesso em: 08 jun. 2020.

______. Programa Brasileiro de Cooperação Técnica Sul-Sul para o Setor Algodoeiro. 2019. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ukSBl3Opoak&feature=youtu.be>. Acesso em 11 jun. 2020.

______. O coordenador-geral de Cooperação Técnica na África, Ásia e Oceania da ABC, Nelci Caixeta, falou um pouco sobre o projeto Cotton 4+Togo, durante o Congresso Brasileiro do Algodão, ocorrido em agosto de 2019. 2020. Twitter: @ABCgovBr. Disponível em: <https://twitter.com/abcgovbr/status/1259826169454739456>. Acesso em 12 jun. 2020.

NETO, W. A. D. A cooperação internacional para o desenvolvimento como uma expressão específica da cooperação internacional: um levantamento teórico. Revista Oikos, Rio de Janeiro, RJ, v. 13, n. 2, p. 115-128, 2014. Disponível em: <encurtador.com.br/dmEK6>. Acesso em 13 jun. 2020.

PEREIRA, R. Palestra. (ago 2019). Goiânia: Congresso Brasileiro do Algodão, 2019. Palestra proferida por ocasião do 12º Congresso Brasileiro do Algodão.

STOLTE, C. Brazil’s Africa Strategy: Role Conception and the Drive for International Status. Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2015. 220 p. 

Thiago Barros

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás. Diretor Executivo do Dois Níveis.

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