EQUADOR: A ESCALADA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME ORGANIZADO

EQUADOR: A ESCALADA DA VIOLÊNCIA E DO CRIME ORGANIZADO

Imagem destacada – Palácio de Carondelet. Fonte: Francisco Veintimilla, 2014.Introdução

1. Introdução

Nas últimas semanas, o Equador virou tema de grande repercussão no cenário internacional: o candidato à Presidência, Fernando Villavicencio, foi assassinado após participar de um comício para a campanha eleitoral. Atualmente, o país sul-americano está passando por uma turbulenta corrida presidencial, marcada por tensões políticas, escândalos de corrupção e, especialmente, uma escalada de violência sem precedentes, por meio da atuação de facções criminosas. Porém, a ascensão dos crimes violentos não é uma problemática que se iniciou durante o atual governo de Guillermo Lasso. As raízes para essas adversidades remontam desde a primeira década do século XXI.

O Equador terá um segundo turno de eleições no dia 15 de outubro, na qual disputarão a candidata de esquerda Luisa González e o empresário liberal Daniel Noboa. O próximo mandatário ou mandatária do país terá que colocar a pauta securitária como a principal prioridade durante suas futuras gestões. O presente artigo tem por objetivo elucidar sobre as diversas razões que tornam o Equador um lugar tão atrativo para a atuação de organizações criminosas, com destaque ao papel do narcotráfico nessa questão. Sendo assim, será feita uma análise das principais políticas securitárias que o país adotou, desde a gestão de Rafael Correa até a atual administração de Guillermo Lasso.

2. Localização geográfica e estrutura do crime organizado no Equador

O Equador é um país que está localizado na costa oeste da América do Sul, dividido pela linha do Equador. Os seus vizinhos fronteiriços são a Colômbia e o Peru, e ambos são líderes da produção de cocaína e outras drogas ilícitas (Villacrés et al., 2023). Tendo em vista o atual nível da globalização, a transnacionalidade1 do crime organizado também é uma realidade no país. Até meados da segunda década do século XXI, o Equador ocupava uma função no mercado transnacional do crime organizado como um país de trânsito de distribuição de drogas para outros países e regiões, como os Estados Unidos e a Europa (Rivera-Rhon; Bravo-Grijalva, 2020). 

Contudo, esse papel mudou. Hoje, o país parou de ser um lugar de trânsito e se converteu em um cenário extremamente atrativo para a atuação de organizações criminosas internacionais, principalmente as mexicanas e colombianas (Villacrés et al., 2023). Além disso, nos últimos anos, máfias provenientes da Albânia vêm intensificando sua presença no território equatoriano  (Villacrés et al., 2023).Ocupando um posto privilegiado na cadeia do narcotráfico, o Equador vem aumentando a sua participação na produção, no refinamento, no armazenamento e no deslocamento de drogas ilícitas, tornando-se dessa maneira, um destino muito cobiçado por facções criminosas locais e internacionais (Rivera-Rhon; Bravo-Grijalva, 2020).

Todos esses fatores acarretaram em graves consequências para o país, especialmente no que tange à segurança civil. Desde 2019, o país tem enfrentado uma escalada de homicídios, sequestros, atentados e inúmeras apreensões de substâncias ilegais (Rivera-Rhon; Bravo-Grijalva, 2020). Antes considerado um dos países mais seguros da América Latina, segundo dados da organização de jornalismo investigativo do crime organizado na América Latina e Caribe Insight Crime, atualmente o país se encontra na quarta posição das nações latino-americanas que apresentam as maiores taxas de homicídios (Appleby et al., 2023).

Figura 1: Taxas de homicídios na América Latina (2022)

Fonte: Insight Crime, 2023.

As organizações criminosas cobiçam o território equatoriano justamente por ele apresentar facilidades logísticas no sistema rodoviário e fluvial, para transportarem suas cargas ilícitas para outras regiões (Rivera-Rhon; Bravo-Grijalva, 2020). Tais facilidades logísticas se dão por meio do baixo preço de combustíveis na localidade e a utilização de normas locais que facilitam o livre trânsito de veículos nas zonas fronteiriças (Rivera-Rhon; Bravo-Grijalva, 2020). Somado a esses fatores, a falta de fiscalização nos portos marítimos do Equador, onde são transportadas as drogas ilícitas para outros países, juntamente com os altos níveis de corrupção entre atores públicos e privados, como as forças de segurança, dificultam políticas assertivas no combate ao crime organizado (Villacrés et al., 2023).

Por fim, tendo em vista que a economia equatoriana é dolarizada, a moeda estadunidense permite que as mercadorias ilegais apresentem um valor mais alto, uma vez que o dólar é uma moeda de troca atrativa no mercado criminal, além de facilitar a lavagem de dinheiro em virtude das deficiências de fiscalização do país (Rivera-Rhon; Bravo-Grijalva, 2020).

3. Os governos de Rafael Correa (2007-2017)

Durante as décadas de 1980 e 1990, o Equador presenciou uma grande alta nas taxas de violência. Em 1980, a taxa era de 6 homicídios a cada 100 mil habitantes (Cevallos; Vélez; Leime, 2020). Já em 1999, ela se encontrava em um patamar de 14 homicídios a cada 100 mil habitantes, e atingiu seu ápice no ano de 2009, quando o país registrou mais de 200 assassinatos no ano, com índices de 19 homicídios para cada 100 mil habitantes (Cevallos; Vélez; Leime, 2020). Sendo um dos grandes representantes do chamado Socialismo do século XXI,2 Rafael Correa conseguiu ser eleito para governar o Equador em 2006, em meio a um cenário de crise econômica e um descontentamento do eleitorado em relação ao sistema de partidos políticos (Espinosa Soto, 2018).

De 2007 a 2017, a gestão de Correa foi elogiada pelo crescimento da economia equatoriana, especialmente pelo aproveitamento do boom das commodities (Stuenkel, 2023). Em relação a indicadores socioeconômicos, foi observado uma redução considerável das desigualdades sociais, sendo que em 2006, 37,6% dos equatorianos se encontravam na linha da pobreza (Arancibia Romero et al., 2017). Já em 2014, no segundo mandato de Correa, essa estatística estava na faixa de 22,5%, indicando melhorias no âmbito social (Arancibia Romero et al., 2017). Porém, críticos do ex-presidente pontuam gastos públicos excessivos, escândalos de corrupção e até mesmo práticas autoritárias por parte de Correa (Stuenkel, 2023). 

Figura 2: Ex-presidente do Equador Rafael Correa

Fonte: Alfonso Ocando, 2008.

No que tange às políticas securitárias, em 2007 o governo de Correa começou a colocar em prática um controverso plano de legalização gradual de determinadas gangues (Echenique, 2018). Esta estratégia de inclusão social e conversão das quadrilhas em atores reconhecidos pelo Estado equatoriano trouxe resultados positivos, como a redução da taxa de homicídios no país (Echenique, 2018). Em 2011, a taxa era de 15 assassinatos a cada 100 mil habitantes, para chegar a 5 em 2017 (Echenique, 2018). De fato, ainda em 2018, o Equador estava na segunda posição de país latino-americano com as menores taxas de homicídios (Cevallos; Vélez; Leime, 2020).

 A administração de Correa também foi responsável por implementar, em 2011, o Plano Nacional de Segurança Integral. Este plano tinha como objetivo realizar uma mudança no combate de linha dura a organizações criminosas, focando em uma agenda mais multidimensional na prevenção da violência (Espinosa Soto, 2018). Exemplos disso são investimentos na área da educação e o combate às disparidades sociais do país.

Mesmo com todas estas reformas, em 2016, último ano de seu mandato, o ex-presidente já enfrentava grandes desgastes no cenário nacional, seja pela recessão econômica do país ou pelas tentativas frustradas de garantir outro mandato fora dos limites da Constituição equatoriana (Meléndez et al., 2017). Na campanha eleitoral de 2017, Lenín Moreno, que atuou como vice-presidente na gestão Correa, foi eleito como o novo presidente do Equador. 

4. O desmantelamento de políticas securitárias eficientes no governo de Lenín Moreno (2017-2021)

Embora a taxa de violência tenha encontrado indícios de queda nos governos de Rafael Correa, a situação carcerária do país começou a se deteriorar em grande escala. Esse fator é crucial para compreender a onda de violência que assola o país atualmente, no qual os centros de detenções viraram cenários de grandes massacres entre as organizações criminosas. Segundo Molina (2022), um fator principal para a ocorrência desses atos de violência é o narcotráfico atuando em conjunto com a rivalidade entre as facções dentro dos presídios.

Desde 2013, o Equador começou um processo de expansão da infraestrutura do sistema carcerário, a fim de mitigar problemas de superlotação, condições de insalubridade e violações de direitos humanos (Pontón, 2022). A ampliação dos centros de detenção fez a população carcerária quadruplicar entre 2019 e 2021 (Pontón, 2022).A construção das novas penitenciárias facilitou a proliferação das facções criminosas dentro dos novos presídios, além de favorecer práticas de corrupção, culminando em uma forte articulação entre as organizações e suas logísticas (Pontón, 2022). 

Com a chegada de Lenín Moreno à presidência em 2017, é notada uma grande mudança na condução da política securitária das penitenciárias (Pontón, 2022). Por meio da reestruturação dos serviços de segurança, a administração de Moreno eliminou o Ministério da Justiça em 2018, criando em seu lugar o Serviço de Atenção Integral de Pessoas Adultas Privadas de Liberdade e Adolescentes Infratores (Pontón, 2022). Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, essa mudança provocou fortemente a desinstitucionalização do sistema prisional do Equador (Pontón, 2022). Além desse elemento, a condução da política econômica do governo Moreno foi determinante na deterioração das condições dos centros de detenções. Desde 2015, foram observados grandes cortes orçamentários para as penitenciárias, afetando duramente projetos educacionais dentro dos presídios e até mesmo a redução de funcionários de segurança (Pontón, 2022). Em 2020, foi realizado um corte de 80% dos investimentos direcionados às penitenciárias (Pontón, 2022).

Tendo em vista tal cenário,

A partir de 2019, um fenômeno sem precedentes foi observado no Equador. Mais de 400 mortos provocaram confrontos violentos entre as gangues criminosas carcerárias, que tem surpreendido a comunidade por seu alto nível de brutalidade e sadismo, devido a uma série de mutilações e decapitações que comoveram a opinião pública nacional e internacional

Pontón, 2022, p.2, tradução nossa

Por meio destas políticas de desmantelamento de investimentos nos centros de detenções, em 2021 morreram mais de 320 pessoas privadas de liberdade nos centros penitenciários do país (Pontón, 2022). Enquanto entre 2021 e 2022, o Equador presenciou a ocorrência de onze massacres nas penitenciárias (Primícias, 2022). 

5. A atuação de linha dura de Guillermo Lasso (2021-2023)

Em meio à escalada de violência no Equador, Guillermo Lasso assume a presidência do país em 2021, em um contexto de extrema instabilidade. O ano de 2022 foi marcado pela eclosão de vários protestos da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), juntamente com outros setores opositores ao governo  (Sánchez et al., 2023). As demandas dos manifestantes estavam ligadas à melhoria das condições socioeconômicas dos equatorianos, reparações históricas com o movimento indígena e, principalmente, políticas securitárias eficientes para combater a insegurança, a violência e o narcotráfico (Sánchez et al., 2023). 

Nesse mesmo ano, Lasso enfrentou baixas taxas de aprovação, escândalos de corrupção e até mesmo ameaça de Impeachment (Stuenkel, 2023). Em decorrência de tais aspectos, em maio de 2023, o atual presidente invocou um mecanismo constitucional para dissolver o Parlamento equatoriano, a fim de convocar novas eleições (Stuenkel, 2023). 

Para conter a onda de violência que continuou a níveis alarmantes, Lasso declarou estado de exceção em todas as penitenciárias do país, além de decretar uma medida polêmica, na qual autorizou a posse de armas de uso civil para defesa pessoal (El Universo, 2023). No desenrolar de uma corrida presidencial marcada pelo assassinato de figuras políticas, assim como a contínua insegurança nas penitenciárias e nas ruas, o próximo mandatário ou mandatária do Equador terão um curto período de governo até 2025, para mitigar os efeitos da ascensão de violência que percorre todo o país (Stuenkel, 2023). 

6. Conclusão

Findando a discussão no presente artigo, percebe-se que a escalada da violência e do crime organizado no Equador possuem distintos fatores e atores. As raízes para o atual cenário do Equador se deram por meio de um país que desde finais do século anterior já possuía taxas de homicídios consideráveis. Além do mais, a reestruturação do sistema prisional, a má gestão estatal em políticas securitárias assertivas, juntamente com a posição privilegiada que o país se encontra entre a Colômbia e o Peru, fazem que o país se torne extremamente vulnerável e atrativo para as ações do crime organizado. Quem quer que ganhe as eleições de 15 de outubro terá um árduo trabalho de tentar pacificar um país tomado pela violência, que não dá sinais de trégua.  

REFERÊNCIAS

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ECHENIQUE, M. LA ESTRATEGIA DEL ECUADOR PARA COMBATIR EL CRIMEN. Disponível em: https://www.iadb.org/es/mejorandovidas/la-estrategia-de-ecuador-para-combatir-el-crimen. Acesso em: 5 set. 2023.

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  1. Termo amplamente utilizado no campo das relações internacionais. A transnacionalidade se refere a fenômenos políticos, econômicos e sociais que ultrapassam as fronteiras nacionais. 

  2. O socialismo do século XXI é um conceito político criado pelo sociólogo alemão Heinz Dieterich, em 1996. Esse conceito está fortemente vinculado ao conjunto de doutrinas políticas do Bolivarianismo que vigora em alguns países do cone sul, como a Venezuela. O Bolivarianismo defende o estado de bem estar social, a união dos países latino-americanos, assim como o repúdio a interferências estrangeiras em questões nacionais. 

    Na primeira década do século XXI, os principais mandatários representantes desta doutrina foram Hugo Chávez, Fernando Lugo e Rafael Correa. 

Pedro Henrique Santos Chaves

Graduando em Relações Internacionais pela UFG. Sou fascinado por cinema e literatura de suspense, fantasia e ficção científica. Tenho grande interesse em questões voltadas para o Continente Africano e América Latina, como Guerras Civis, Ditaduras Militares, Intervenções Humanitárias e Terrorismo.

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