CORRIDA PRESIDENCIAL ESTADUNIDENSE: A TRAJETÓRIA ATÉ A CASA BRANCA

CORRIDA PRESIDENCIAL ESTADUNIDENSE: A TRAJETÓRIA ATÉ A CASA BRANCA

A cada quatro anos, entre meados de julho até novembro, todas as atenções se voltam para a corrida presidencial nos Estados Unidos, e com isso, surgem dúvidas de como as eleições funcionam no país. Dessa maneira, para a compreensão de toda a discussão que envolve a atual disputa pela presidência da maior potência mundial, bem como o funcionamento do sistema eleitoral americano, cujas raízes se encontram na Constituição do país, é necessário primeiramente explicar o contexto de criação deste documento.

A Constituição Federal dos Estados Unidos, em vigor desde 1789, demonstra o mais claro sucesso dos Pais Fundadores[1] em editar um documento inovador, que se tornou o principal elemento para a solidez política e jurídica do país, se mantendo quase totalmente inalterado e uma marca da unidade nacional.

Assim sendo, a Independência dos Estados Unidos em 4 de julho de 1776 encerrou as relações coloniais estabelecidas entre a Inglaterra e as Treze Colônias (povoações na costa leste da América provenientes da colonização britânica) por iniciativa da elite descontente com a metrópole. Diante disso, surgiram, naquele momento, discussões acerca do estabelecimento da Constituição do país, que suscitaram a polarização, durante a Convenção Constitucional, de dois grupos divergentes – federalistas e antifederalistas -, cujas ideologias mais tarde guiariam a formulação da Constituição.

Sob este panorama, os federalistas sustentavam a formação constitucional de um governo central, único e de amplitude nacional que unisse os estados como uma nação, de modo a solidificar uma República com soberania popular. Além disso, defendiam a implementação da indústria em virtude dos resultados que a Inglaterra estava alcançando através da Revolução Industrial. Em contrapartida, os antifederalistas defendiam o desenvolvimento agrícola do país, temiam a presença de um executivo centralizando poder, visto que as Colônias haviam vivenciado o autoritarismo dos representantes da Coroa inglesa, e por isso, preconizavam a concentração do poder nas Assembleias Legislativas estaduais, e que a soberania fosse concedida aos Estados e aos seus respectivos representantes.

Por conseguinte, o sistema eleitoral americano, edificado na Constituição, foi muito influenciado por esse debate. Dessa maneira, durante a Convenção Constitucional, em 1787, foram discutidas alternativas para a escolha do presidente, sendo descartadas, conforme aponta William C. Kimberling (1992), vice diretor do escritório administrativo da Comissão Eleitoral Federal dos Estados Unidos da América, as propostas de eleição presidencial por meio da Câmara, das legislaturas estaduais ou pelo voto popular direto. Consequentemente, ao final da Convenção, foi deliberado pela adoção do sistema de Colégio Eleitoral, conforme está disposto no Artigo II, Seção I, Cláusula III da Constituição Federal que buscou harmonizar as concepções federalistas e antifederalistas na nova formatação política.

A admissão desse sistema de votação foi uma tentativa dos Pais Fundadores em manter o controle sobre o processo eleitoral, colocando sob a responsabilidade da elite, a incumbência de eleger os representantes que estariam a frente da tomada de decisão do governo, por considerarem que suas preferências individuais representariam melhor as decisões de todos os cidadãos americanos. O sistema eleitoral, gradativamente foi perdendo seu caráter elitista e, atualmente, é de responsabilidade da população a escolha dos nomeados presidenciais do Partido Democrata e do Partido Republicano.

Por conseguinte, o processo eleitoral para presidente nos Estados Unidos possui duas fases: prévias e eleições gerais. Na primeira, portanto, os estados realizam, entre janeiro e junho, eleições primárias (votações diretas) ou caucuses (assembleias de eleitores) a fim de que sejam indicados os candidatos favoritos à presidente. Assim sendo, durante essa primeira etapa, os partidos – Republicano e Democrata – submetem seus candidatos a uma avaliação popular, de forma que os filiados a esses partidos (eleitorado) sinalizam quais os candidatos de sua preferência, para tanto, os vários pré-candidatos percorrem os Estados e disputam as primárias em cada um deles, e isso irá indicar aos partidos quem possui maior popularidade, já que precisam angariar aval popular a fim de obter capital político e mostrar aos partidos que possuem força política para receberem uma nomeação oficial.

A partir do resultado das primárias, os partidos alocam a cada candidato um número de delegados, os quais correspondem a uma parte da população de determinado lugar, escolhidos em nível local ou estadual, cujos votos são fundamentais para um pré-candidato, que precisa atingir maioria simples de votos de delegados para conquistar a candidatura do partido. Na Convenção Nacional de cada partido, são contabilizados os votos de todos os delegados e divulga-se os candidatos à presidência pelo Democrata ou Republicano.

A segunda fase, conhecida como eleições gerais, são realizadas no início de novembro, embora possam ocorrer antes, caso as pessoas requeiram votar antecipadamente ou por correio. Portanto, nesse momento da disputa eleitoral, as pessoas que se registraram para participar das eleições, votam efetivamente nos candidatos selecionados pelos partidos. Este ano, o candidato à presidência pelo Democrata é Joe Biden e pelo Republicano, o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Contudo, em virtude da adoção do Colégio Eleitoral, não há realmente uma grande eleição geral, mas, simplificando, pequenas eleições, na qual cada estado elege seu próprio presidente. Com isso posto, se na Califórnia um determinado candidato vence com 70% dos votos, por exemplo, terá todo o Colégio Eleitoral pertencente a este Estado, seguindo a lógica do sistema eleitoral majoritário pluralista que segue a regra do winner-take-all ou vencedor fica com tudo que consiste em: quem teve mais votos terá todas as cadeiras do Colégio Eleitoral daquele Estado.

À vista do exposto, o Colégio Eleitoral equivale a uma soma que considera a proporção de representantes que cada estado possui conforme a sua densidade populacional, de forma que a soma do total de senadores (100) ao número de deputados (438) corresponde ao número total do Colégio Eleitoral, isto é, 538 cadeiras, as quais são divididas de acordo com o peso político de cada estado, diretamente relacionado com a sua densidade de ocupação, fazendo, consequentemente, que certas regiões sejam mais poderosas politicamente, como é o caso da Califórnia com cerca de 55 cadeiras ou do Texas com direito a aproximadamente 34 votos.

Portanto, um presidente para ser eleito, precisa conquistar pelo menos 270 votos, buscando receber maioria simples nas eleições (50% +1) na maior parte dos estados para arrecadar o total de cadeiras referentes ao Colégio Eleitoral onde vencer, isso explica porque os candidatos concentram, dada a dimensão do país, suas campanhas em determinados estados que podem alavancar suas probabilidade de vitória. Explicado o funcionamento do sistema eleitoral na fase federal, seguiremos para os desdobramentos mais recentes dessas noções básicas na atual corrida presidencial.

A um mês das eleições presidenciais, Donald Trump, buscando a reeleição pelo partido Republicano, e Joe Biden, do partido Democrata disputam o mais alto cargo político da maior potência mundial, durante uma grave crise de saúde pública e uma forte retração econômica. Sob esse cenário, o presidente republicano, que escolheu manter seu atual vice-presidente Mike Pence em sua nova candidatura, possui, segundo pesquisa publicada no site FiveThirtyEight, 53% de desaprovação, sendo também muito criticado internacionalmente acerca de sua atuação ao combate à pandemia, o que coloca Biden, vice de Barack Obama durante seus dois mandatos, como o favorito nas pesquisas nacionais, porém, assim como em 2016, ser o favorito não representa grandes garantias se tratando do sistema eleitoral norte americano.

Assim sendo, o democrata faz uma campanha que promete restabelecer o que foi perdido durante a gestão Trump e estratégias mais eficazes de mitigação das consequências do Covid-19 em solo norte-americano. Biden venceu as prévias e teve o nome oficializado pelo partido na Convenção Democrata em agosto, quando também, anunciou que a senadora Kamala Harris seria sua vice, o que representou um marco mediante aos protestos antiracistas em virtude do assassinato brutal de George Floyd pela polícia, haja vista que Harris é a primeira mulher negra a concorrer por um dos grandes partidos dos Estados Unidos.

Dessarte, nos estados o que se tem observado, como mostra o Financial Times, é que o democrata tem conquistado popularidade em estados-chaves para vitória, em Wisconsin, onde Trump venceu em 2016 com uma diferença mínima na margem de votos, Biden possui 6 pontos de vantagem, enquanto que, na Flórida, estado que apresentou aumento exponencial dos números de infectados pelo coronavírus, lidera com 4 pontos percentuais. Além disso, Biden tem uma pequena vantagem no Arizona, onde só um democrata ganhou em 70 anos ou na Carolina do Norte, reduto republicano em 9 das últimas 10 eleições federais. No Texas, majoritariamente republicano, também haverá uma disputa acirrada para decidir quem levará todas as cadeiras do Colégio Eleitoral. Por conseguinte, mesmo que Biden tenha uma vantagem considerável nas pesquisas nacionais no mês de outubro, cerca de 51.2% contra 42.2% de Trump, esta não é absoluta, haja vista que existem incertezas quanto aos vencedores em cada estado, somando-se ainda a delicada conjuntura atual, que certamente influenciará os votos dos eleitores e os caminho a serem traçados pelos Estados Unidos em sua política interna e externa.

[1] Líderes políticos que estiveram à frente da conquista da Independência dos Estados Unidos, retirando as 13 colônias do domínio dos britânicos. Além disso, são responsáveis pela criação de documentos fundamentais para o país, como a Declaração da Independência e a Constituição dos Estados Unidos.

REFERÊNCIAS

BELENKY, Alexander S. Who Will Be the Next President?: A Guide to the U.S. Presidential Election System. Second. ed. [S. l.]: Springer, 2012. 165 p. Disponível em: <https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-319-44696-7.pdf>. Acesso em: 8 set. 2020.

Brasil de fato, 2020. Quem é quem nas eleições presidenciais nos Estados Unidos. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2020/08/22/quem-e-quem-nas-eleicoes-presidenciais-nos-estados-unidos>. Acesso em: 9 ago. 2020.

ESTADOS UNIDOS. [Constituição (1787)]. Constitution of the United States. [S. l.: s. n.], 1877. Disponível em: <https://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm>. Acesso em: 6  set. 2020.

FINANCIAL TIMES, 2020. BIDEN VS TRUMP: WHO IS LEADING THE 2020 US ELECTION POLLS? Disponível em: <https://ig.ft.com/us-election-2020/>. Acesso em: 9 ago. 2020. 

FiveThirtyEight, 2020. LATEST POLLS – UPDATED THROUGHOUT THE DAY. Disponível em: <https://projects.fivethirtyeight.com/polls/trump-approval/>. Acesso em: 9 set. 2020. 

KIMBERLING, William C. THE ELECTORAL COLLEGE. National Clearinghouse on Election Administration Federal Election Commission, [s. l.], Maio 1992. Disponível em: <https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=mdp.39015029850503&view=image&seq=5>. Acesso em: 9 set 2020.

PEREIRA, Antônio Celso Alves. Fundamentos históricos-constitucionais do sistema eleitoral dos Estados Unidos da América. Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 9, n. 4, p. 2227-2247, 1 set. 2016. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/viewFile/25841/18890>. Acesso em: 7 set. 2020.

TUDO sobre o Sistema Eleitoral Americano. Intérpretes: Lucas Leite e Fernanda Magnotta. Youtube: Canal Em dupla Com Consulta, 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=O7VgIdmrylc>. Acesso em: 6 set. 2020.

Giovana Machado

Formada em Relações Internacionais na Universidade Estadual Paulista (UNESP). Tem interesse em Direitos Humanos e Segurança Internacional.

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