O BRASIL E O G20

O BRASIL E O G20

O Brasil recebe a Presidência do G20 no encerramento da cúpula de Nova Delhi. Fonte: Ricardo Stuckert/PR

O Grupo dos 20 (G20) é um fórum plurilateral de discussão e de debate de políticas públicas no mais alto nível político, formado por 19 países, a União Europeia e a União Africana, esta última aderida em 2023. Da mesma natureza que seu criador, o Grupo dos 8 (G8, atualmente G7), o G20 consiste em uma entidade informal. Tradicionalmente, as organizações multilaterais internacionais são organizadas e legisladas por uma carta de fundação ou um tratado internacional, a exemplo da Carta das Nações Unidas e dos Artigos do Acordo do Fundo Monetário Internacional, conjuntos de normas que organizam a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), respectivamente. Além disso, as organizações internacionais tradicionais possuem secretariados permanentes, responsáveis pela implementação de políticas, diretivas e decisões no corpo institucional da organização. O G8/G7, tampouco o G20, não possuem uma carta fundadora ou um secretariado permanente (Hajnal, 2019).

O Grupo dos 20 é formado pelos países do G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e os Estados Unidos) somando Argentina, Austrália, Brasil, China, Índia, Indonésia, México, República da Coreia, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, a União Europeia e a União Africana. É importante frisar que o G20 não é formado pelas 20 maiores economias no mundo, como se a posição no ranking fosse determinante para a inclusão no grupo. A África do Sul, por exemplo, estava na posição 25, em 2011, enquanto a Espanha, que não está incluída como membro, estava na posição 13. Assim, os critérios para se tornar parte efetiva do grupo incluem elementos não formais, estabelecidos durante a reunião dos Ministros das Finanças do G20, em 1999, que decidiu que a filiação se basearia na capacidade de determinado país de contribuir para a estabilidade econômica e financeira global (Hajnal, 2019).

Origem do G20

O G20 surgiu por meio da necessidade dos países do G8 para lidar melhor com a crise financeira dos Tigres Asiáticos no final dos anos 1990, que atingiu especialmente a Indonésia, Tailândia e Coreia do Sul (Brasil, 2023a). Durante uma reunião dos ministros das finanças e presidentes dos bancos centrais do G8, foi anunciado pelos delegados que o grupo pretendia ampliar o diálogo em problemas econômicos e financeiros chaves. Assim, os países foram escolhidos a dedo por Timothy Geithner, do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, e Koch-Weser, Ministro das Finanças da Alemanha, para serem convidados a participarem do próximo encontro dos ministros das finanças do G8, formando, dessa maneira, o G20. O resultado da lista construída por Geithner e Koch-Weser incluiu 19 países e a União Europeia. Os critérios, no entanto, não seguiram uma linha de inclusão global, ou seja, para incluir países representantes das diferentes regiões do mundo. A Argentina, por exemplo, importante aliada do Brasil no G20, foi escolhida com base na amizade pessoal do Ministro das Finanças argentino, Domingo Cavallo, com o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Larry Summers, que compartilharam um quarto quando estudaram juntos em Harvard (Tulchin, 2013).

Tanto o G7/G8, quanto o G20, foram criados para lidarem com as crises que abalavam o mundo no momento de suas fundações. O G8 foi fundado por 6 países (França, Alemanha Ocidental, Itália, Japão, Reino Unido e os Estados Unidos) em resposta às crises de petróleo nos anos 1970. O Canadá se tornou membro em 1976, formando o G7, e em 1998, a Rússia foi aderida, consolidando o G8. No entanto, após as ações russas contra a Ucrânia, em 2014, a filiação da Rússia foi suspensa, revertendo o grupo de volta para o G7 (Hajnal, 2019). Embora o G7 continue existindo, o G20 adquiriu maior legitimidade que seu criador, por representar uma ampla gama de países e seus respectivos aspectos econômicos únicos que garantem ao grupo capacidade de resolver crises futuras. 

Ainda que o grupo tenha mais legitimidade, o G20 é alvo de críticas. A falta de critérios oficiais e sistematizados tornou a entidade problemática, tendo em vista que o perfil dos países-membros mudaram desde o primeiro encontro em 1999. Além disso, a inclusão da União Europeia cria uma “dupla-filiação” para muitos países europeus, enquanto outras instituições regionais permanecem excluídas (Tulchin, 2013). Em 2023, a União Africana foi incluída ao grupo, o que aproximou a perspectiva africana à entidade e deu ao continente voz em relação aos principais problemas econômicos do mundo, ainda que a África do Sul permaneça como o único país africano membro do G20.

Após o estabelecimento do fórum dos Ministros das Finanças e Presidentes dos Bancos Centrais do G20, o Ministro das Finanças do Canadá, Paul Martin, defendeu a criação de um fórum de líderes do G20, que consistia na realização de encontros entre chefes de Estado e de Governo dos países-membros do grupo, porém a ideia não encontrou apoio suficiente. Como medida interina para resolver o problema da falta de representatividade do G8/G7, o Primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, convidou, em 2005, 5 grandes economias em desenvolvimento (Brasil, China, Índia, México e África do Sul) para a conferência do G8 de Gleneagles, na Escócia. A fórmula G8+5 continuou existindo até a conferência de Hokkaido, no Japão, em 2008 (Hajnal, 2019).

A Cúpula do G20 sobre Mercados Financeiros e Economia Mundial começa no National Building Museum, em Washington, em 15 de novembro de 2008. Os líderes de 20 países estão presentes. Fonte: UPI Photo/Matthew Cavanaugh/POOL

A eclosão da crise financeira de 2008 foi o que, finalmente, tornou o projeto do fórum dos líderes do G20 em realidade. Após o apoio do presidente francês, Nicolas Sarkozy, e do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, a primeira reunião entre chefes de Estado e de Governo aconteceu em Washington, nos Estados Unidos, nos dias 14 e 15 de novembro de 2008. A razão fundamental para a realização da reunião entre os líderes do G20 foi a falta de influência do G8 para resolver, por si só, a crise de 2008. Gordon Brown, em suas palavras, admitiu que o G8 era muito limitado:

Todos nós concordamos que o G8 era muito limitado, porque excluiu todos os principais mercados emergentes que estavam no coração da crise. O Presidente Sarkozy e eu tínhamos considerado propor de forma conjunta um modelo de encontro de líderes no grupo dos ministros das finanças do G20 (Gordon Brown, 2010, apud Hajnal, 2019).

O fórum dos líderes é qualitativamente diferente do das finanças. O encontro entre os ministros da economia tem uma orientação técnica, enquanto a reunião entre os chefes de Estado e de Governo é caracterizada por uma agenda de políticas públicas. Além disso, embora a ênfase do “G20 financeiro” esteja nas normas, os líderes concentram-se no processo e na entrega (Hajnal, 2019).

O Brasil no G20

É a primeira vez que o Brasil recebe a conferência dos líderes do G20, e a segunda vez que assume a presidência do grupo. Como presidente, o Brasil assume o secretariado de forma temporária até o fim da função, sendo responsável pela organização do evento, por definir os assuntos prioritários para as discussões e convidar países não integrantes do G20 para participarem das reuniões. A conferência também é coordenada pelos líderes das trilhas. O G20 é organizado em duas faixas paralelas de atuação, em consonância uma com a outra: a Trilha de Sherpas e a Trilha de Finanças (Brasil, 2023a). 

A Trilha de Sherpas, ou Trilha Política, é disposta por emissários pessoais dos líderes do G20, que supervisionam as negociações, debatem os pontos que integrarão a agenda da cúpula e coordenam a maior parte dos trabalhos. O sherpa brasileiro da conferência de 2024 é o Embaixador Maurício Lyrio, Secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty. A Trilha de Finanças aborda os assuntos macroeconômicos estratégicos e é organizada pelos ministros das Finanças e presidentes dos Bancos Centrais dos países-membros. A coordenadora da Trilha de Finanças do Brasil para a edição de 2024 é a economista e diplomata Tatiana Rosito, Secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda. Além dos trabalhos a nível governamental, existem os grupos de trabalho nas duas trilhas que envolvem representantes das sociedades civis, parlamentares, grupos de reflexão, mulheres, jovens, trabalhadores, empresas e pesquisadores dos países do G20 e de países e organizações internacionais convidados (Brasil, 2023a).

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À esquerda a coordenadora brasileira da Trilha das Finanças, Tatiana Rosito, e ao centro o sherpa brasileiro, Maurício Lyrio, promovem um briefing para a imprensa sobre a presidência brasileira no G20. Fonte: Diego Campos/SECOM.

Como presidente do G20 do ano 2024, o Brasil tem a vantagem de priorizar temas que interessam aos brasileiros. Assim, além dos grupos de trabalho tradicionais, a presidência brasileira contará também com duas forças tarefas e uma iniciativa: a Força Tarefa para o Lançamentos de uma Aliança Global contra a Fome a a Pobreza, a Força Tarefa para a Mobilização Global contra a Mudança do Clima e a Iniciativa para Bioeconomia. Referente aos assuntos estabelecidos como prioridades, estão a inclusão social e o combate à fome e à pobreza; e a reforma das instituições de governança global, incluindo as Nações Unidas e os bancos multilaterais de desenvolvimento. Outra novidade apresentada pela presidência brasileira está o G20 Social, espaço para participação e contribuição da sociedade civil nas discussões e formulações de políticas públicas da Cúpula (Brasil, 2023b).

Além desses elementos, como presidente, o Brasil ganha o direito de convidar países não membros para participarem das discussões. Com isso, o Brasil convidou a Espanha, convidada permanente do G20 em consonância com a decisão da conferência de Seoul de 2010, Angola, Egito, Emirados Árabes Unidos, Nigéria, Noruega, Portugal e Singapura. Referente às organizações internacionais convidadas, estão listadas a ONU, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial (BIRD), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC), entre outras (Hajnal, 2019; Brasil, 2023b).

O Brasil possui uma grande oportunidade para se inserir nos processos de decisões acerca dos rumos que toma o sistema internacional. No entanto, o país enfrenta dois principais desafios, de acordo com Hurrell (2010, apud Flávia de Campos Mello, 2011). O primeiro refere-se à busca de garantias para que o G20 se torne um fórum permanente de debates, em vez de apenas um recurso utilizado para a resolução de crises. O segundo desafio está relacionado à percepção que o Brasil possui como mediador entre desenvolvidos e em desenvolvimento, e dessa forma assegurar que se aumente a quantidade de membros do mundo em desenvolvimento para que os direitos desses últimos sejam adequadamente representados.

Além desses dois desafios, o Brasil também deverá lidar com dois principais temas de grande divergência entre os países do G20: a guerra russo-ucraniana e o conflito Israel-Hamas. A primeira reunião entre os ministros das relações exteriores, ocorrida em fevereiro de 2024, foi marcada por críticas por parte dos países ocidentais membros do grupo à Rússia. Chanceleres dos Estados Unidos, Austrália, Canadá, Alemanha, Itália, França e Noruega fizeram comentários similares em relação aos eventos na Ucrânia, incluindo sobre a morte do opositor russo do presidente Vladimir Putin, Alexei Navalny (Reuters, 2024). A questão da Palestina foi também discutida, e a maioria dos países presentes defenderam a solução do conflito por meio da criação de dois Estados, um palestino e um israelense (Valor Internacional, 2024). Assim, por meio da presidência, o Brasil colocará sua diplomacia à prova para mediar as discussões referentes a esses dois temas e ao mesmo tempo levar adiante sua agenda.

Conclusão

O G20 é um ambiente de grande importância para o Brasil e sua pretensão de se inserir no meio internacional como mediador entre o Norte e o Sul Global. Além disso, é um meio para defender seus interesses em relação ao sistema internacional, sobretudo a reforma das instituições de governança global, como o Conselho de Segurança e os bancos multilaterais de desenvolvimento. Por meio da defesa dessas reformas, o Brasil poderá colocar-se como um possível líder do Sul Global, pretendendo não somente se inserir nessas instituições e defender seus próprios interesses, mas também buscar a inserção de mais países em desenvolvimento e apoiar as pretensões dos países mais pobres. A ambição brasileira não é nada fácil, e muitas vezes coloca em dúvida a capacidade do Brasil em posicionar-se dessa maneira. Isso fica evidente quando o país falha em consolidar-se como líder regional da América do Sul, marcada pela crise de refugiados e pelo avanço do crime organizado e o fracasso de liderar a região para uma maior integração, a exemplo dos fragmentados Mercosul e Unasul. Logo, o que se resta é esperar e observar os resultados da capacidade da presidência brasileira no G20.

Referências

BOATLE, Anthony. At G20 meeting, Western ministers criticize Russia over Ukraine. Reuters, 2024. Disponível em: https://www.reuters.com/world/g20-ministers-discuss-conflicts-global-governance-brazil-2024-02-21/.

BRASIL. Brasil na presidência do G20: prioridades e desafios para a cooperação internacional. Brasília, 23 nov. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/11/brasil-na-presidencia-do-g20-prioridades-e-desafios-para-a-cooperacao-internacional.

BRASIL. Presidência brasileira do G20. Brasília, 01 dez. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/presidencia-brasileira-do-g20-1.

CAMAROTTO, Murillo; SARTORI, Caio; MARTINI, Paula. G20 Rio opens with war criticism; member countries target Russia. Valor Internacional, 2024. Disponível em: https://valorinternational.globo.com/foreign-affairs/news/2024/02/22/g20-rio-opens-with-war-criticism-member-countries-target-russia.ghtml.

HAJNAL, Peter I. The G20: Evolution, Interrelationships, Documentation. Londres: Routledge, 2019.

MELLO, Flávia de Campos. O Brasil e o multilateralismo
contemporâneo
. Texto para Discussão, No. 1628, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), Brasília, 2011.

TULCHIN, Laura Elizabeth. O novo lugar do Brasil no palco internacional: papeis, reconhecimento. status e identidade e o caso do G-20. Rio de Janeiro: UERJ, 2013.

Gabriel Moncada Xavier

Estudante de Relações Internacionais e experiente em simulações da ONU. Sou curioso e quero olhar para o mundo com todas as lentes possíveis. Gosto de diplomacia, política externa, organizações internacionais e Direitos Humanos.

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