O agro é pop, mas e a fome?

O agro é pop, mas e a fome?

Atualmente, é notável que a agricultura é uma das bases econômicas mais importantes no Brasil. Só o agro gera 27% do PIB do país (Cepea – Esalq/USP), sendo um dos setores mais sólidos e rentáveis. Porém, nem sempre foi assim: a história bem sucedida do Brasil como um dos principais exportadores de alimentos é recente. Até 1960 o país se encaixava no time dos importadores. Posteriormente, a partir de instrumentos como crédito rural, extensão técnica produtiva e pesquisa agrícola, o Brasil se tornou autossuficiente. Por fim, a partir da década de 1980 se consolidou a transição bem sucedida de transformações da produção agrícola.

Um dos principais pontos que fez com que o país se fortalecesse como exportador foram as transformações tecnológicas. Com elas, a produção agropecuária teve um grande crescimento, o que poderia garantir uma segurança alimentar em uma conjuntura internacional desfavorável. Além disso, o preço dos alimentos diminuiu, contribuindo com o controle inflacionário e redução da pobreza. Segundo a Embrapa, até meados do século passado, apenas 2% das propriedades contavam com máquinas agrícolas, havia pouco conhecimento sobre como melhor aproveitar os solos e a produção pecuária se configurava como uma das mais baixas do mundo.

Um Apanhado Histórico

Para entender a conjuntura da agricultura no momento atual do Brasil é preciso compreender o passado. A agricultura, com objetivos comerciais, teve início na região Nordeste, no século XVI, com a criação das Capitanias Hereditárias e o início do cultivo de cana-de-açúcar. Posteriormente, com a mineração e o início das plantações de café no século XVIII, outros vegetais começaram a ganhar mais destaque em seus cultivos. Outra questão fundamental para entender a importância da agricultura é que, já nesse período, cultivos de grandes culturas possibilitavam poder político, como foi o caso do café, que durante todo o século XIX gerou fortunas.

Assim, o crescimento agropecuário no Brasil colocou o país como 4º maior produtor de alimento mundial em 2020. Mas, afinal, quem são os 3 primeiros colocados? No topo do ranking está a China, que foi de longe o principal produtor agrícola. O país produz um quarto da produção global de grãos, além de liderar na produção de cereais, frutas, vegetais, carne, etc, com apenas 10% da terra arável do planeta. Desde 2020, a China importa mais de 23% do seu alimento.

O segundo colocado do ranking é a Índia. Apesar do país ser o maior produtor mundial de leite, juta e uma classe de leguminosas e ter alcançado a autossuficiência em produção de grãos, ainda há uma dependência da agricultura de subsistência, sendo o país mais pobre da lista, enfrentando dificuldades na infraestrutura e no sistema de distribuição da produção. Já em terceiro lugar estão os Estados Unidos. Em 2020, eles foram os líderes em exportação agrícola, com US$ 147,9 bilhões, e em 2021 o país alcançou um novo recorde, com US$ 177 bilhões.

Agora, tendo em vista o Brasil, sua produção em 2020 foi de US$ 135,8 bilhões, dos quais US$ 125,3 bilhões foram de comida, evidenciando sua posição de um dos países que mais produz alimentos no mundo. Além disso, é o maior exportador mundial de soja, açúcar bruto, carne bovina congelada e aves. Todos esses dados e números são enormes e inimagináveis, porém, um fato curioso (para dizer o mínimo) é que, ainda assim, muitas pessoas passam fome no país.

Fome e abundância

Uma pesquisa chamada “Olhe para a fome” constatou que há 33,1 milhões de pessoas com fome em 2022. Todavia, este não é um problema recente. Em 1960, com a publicação do livro “Quarto de despejo: diário de uma favelada”, Carolina Maria de Jesus coloca luz nessa questão, como fica evidenciado no trecho:

“A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago.”

Assim, é notável que apesar da transição bem sucedida de transformações da produção agrícola no Brasil e de seus consideráveis números sobre produção e exportação de alimentos, algo ainda está errado. Para entender mais sobre esse grande problema é necessário compreender uma divisão existente no país: agricultura familiar x agronegócio.

Por definição, o agronegócio é o conjunto de negócios relacionados à agricultura e pecuária dentro do ponto de vista econômico. Além disso, algo fundamental é que o agro é focado na produção de commodities, e não na produção de alimentos para a população brasileira. Por outro lado, a agricultura familiar trata-se do cultivo da terra realizado por pequenos proprietários rurais, tendo como mão de obra, principalmente, o núcleo familiar, em contraste com a agricultura patronal. Ademais, a agricultura familiar produz, em sua maioria, alimentos para a população. De acordo com o IBGE, 70% dos alimentos consumidos no Brasil vêm desse tipo de agricultura.

Paradoxo Brasileiro

Então o Brasil produz comida para 1,6 bilhão, mas 33 milhões passam fome. Confuso? Não. O paradoxo da insegurança alimentar é repugnante. Diversas questões contribuíram para o aumento desse número, como a pandemia de covid-19, conflitos geopolíticos (como a guerra na Ucrânia) e a inflação. Contudo, especialmente no Brasil, existem pontos estruturais, como é o caso das perdas e desperdícios na produção e no consumo de alimentos, os efeitos das mudanças climáticas e, principalmente, a desigualdade social. Os números assustadores de que o 1% mais rico possui quase a metade da fortuna patrimonial brasileira e os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos do que os 10% mais ricos mostram uma das explicações para a coexistência de abundância e escassez no mesmo país.

A existência simultânea de agronegócio, agricultura familiar, produção de alimentos, exportações, commodities e fome representa grandes pilares e problemas da sociedade. Sem o agronegócio, o PIB do país seria quase um terço menor. Ao mesmo tempo, diversos problemas são trazidos por ele, como, por exemplo, o uso desenfreado de agrotóxicos e o desmatamento. Enquanto o PIB brasileiro é sustentado pela exportação de commodities, 15% da população passa fome todos os dias. Os pequenos agricultores plantam para abastecer a família e, com o que sobra da colheita, abastecem o país.

Referências bibliográficas

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Imagem: RODRIGUES, Edemir, 2021.

Maya Fernandes Freitas

Nascida e criada em São Paulo e graduanda em Ciências Econômicas pela UFSCar. Tudo que envolve o entendimento de problemas sociais e como superá-los me interessa. Além disso, apaixonada por literatura e esportes.

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