TRUMP VOLTA À CASA BRANCA: PERSPECTIVAS PARA O ORIENTE MÉDIO
As eleições presidenciais dos Estados Unidos, realizadas em 5 de novembro de 2024, confirmaram a vitória de Donald Trump. A volta de Trump à Casa Branca gerou inúmeras especulações e expectativas na esfera internacional. Principalmente, em relação a temas de segurança e estabilidade no Oriente Médio, onde a tensão entre Israel e Irã tem se intensificado. Este artigo se propõe a analisar como a reeleição de Trump pode influenciar o cenário geopolítico dessa região. Especialmente, à luz da forte aliança entre os Estados Unidos e Israel, e da crescente rivalidade de ambos.
SEGURANÇA NA POLÍTICA EXTERNA DOS EUA
A segurança é um tema central e contínuo na política externa dos EUA, figurando nos discursos de todos os presidentes contemporâneos. Essa ênfase decorre de ser uma política de Estado e não uma política de governo¹, fazendo-se presente em administrações republicanas e democratas. Com a vitória de Trump, existe a expectativa, de acordo com informantes ao Washington Street Journal, de que os Estados Unidos retornem a uma política de “pressão máxima” contra o Irã. Essa política é caracterizada por sanções econômicas severas e apoio direto a Israel. A história recente mostra que Trump prioriza uma abordagem agressiva. Utilizando-se da dissuasão e de sanções para enfrentar adversários internacionais, especialmente em relação ao programa nuclear iraniano e às atividades do país no Oriente Médio.
RELAÇÃO ENTRE TRUMP E NETANYAHU

A proximidade entre Benjamin Netanyahu, Primeiro-Ministro e chefe de governo de Israel, e Donald Trump pode remontar a partir do primeiro mandato do republicano. Já no seu primeiro ano de mandato, Trump oficialmente mudou a embaixada estadunidense de Tel Aviv² para Jerusalém, tocando em uma das feridas mais sensíveis do Oriente Médio: o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel. A controvérsia é grande pois a cidade possui status bem único devido à também reivindicação por parte da Palestina. Sendo reivindicado por ambos atores, muitos países optaram pela neutralidade e possuem suas representações diplomáticas em diferentes locais. Tel Aviv, para Israel, e Ramallah, na Cisjordânia, para a Palestina. Sendo assim, é possível manter abster-se da disputa geográfica local³.
Além de apoiar a reivindicação histórica de Jerusalém como capital israelense, Trump também ajudou o país a reestabelecer relações diplomáticas com os Estados vizinhos, principalmente os Estados-membros da chamada Liga Árabe. Os Acordos de Abraão foram assinados já no final do mandato do presidente republicano, em setembro de 2020, sendo um grande passo para o estabelecimento da legitimidade internacional de Israel no mundo árabe e também para suas relações econômicas. Para além da questão diplomática, Israel também vê nos Emirados Árabes Unidos um grande aliado contra o crescimento do Irã.
ACORDOS DE ABRAÃO
Desde a criação o Estado de Israel, em 1948, países árabes da região se recusavam a reconhecer o país por motivos de reinvidicação territorial histórica e principalmente influenciado pelas tensões entre Israel e Palestina. Como o país não era reconhecido, também não havia relações diplomáticas, isolando diplomaticamente o país por anos. A partir do acordo, então, Emirados Árabes Unidos e Bahrein reconhecem a soberania de Israel, iniciando as relações diplomáticas com o país. O acordo também incitou o reconhecimento de Israel por outros países, posteriormente, como Sudão e Marrocos.
Já em 2024, Netanyahu demonstra a proximidade com Trump ao visitá-lo, em julho desse ano, em sua propriedade na Flórida, durante sua passagem pelos Estados Unidos. Além disso, o isralense também foi o primeiro líder internacional a parabenizar Trump por ganhar as eleições via redes sociais, comentando sobre “o retorno do grande compromisso da aliança entre Israel e EUA”.
Dear Donald and Melania Trump,
— Benjamin Netanyahu – בנימין נתניהו (@netanyahu) November 6, 2024
Congratulations on history’s greatest comeback!
Your historic return to the White House offers a new beginning for America and a powerful recommitment to the great alliance between Israel and America.
This is a huge victory!
In true friendship,… pic.twitter.com/B54NSo2BMA
PROMESSA DE PAZ NO ORIENTE MÉDIO

Durante a campanha, Trump reiterou sua promessa de “paz duradoura” no Oriente Médio, uma paz baseada na redução de conflitos externos e encerramento de guerras, principalmente a partir da dissuasão. Em seu primeiro mandato, Donald Trump aplicou mais de 1.500 sanções⁴ ao Irã como parte de sua estratégia de “pressão máxima”, em um esforço para minar a economia iraniana e reduzir a capacidade de Teerã de financiar seus aliados regionais, mantendo “ataques por procuração” e seu programa nuclear. O programa nuclear do Irã, que oficialmente se destina à geração de energia, é encarado com grande suspeita pelos Estados Unidos e Israel, que veem o enriquecimento de urânio como um possível passo rumo ao desenvolvimento de armas nucleares (THE IRAN…, 2024).
IRÃ E O EIXO DA RESISTÊNCIA

O apoio do Irã ao chamado “Eixo da Resistência” — uma aliança estratégica com grupos como o Hamas, o Hezbollah, os Houthis no Iêmen e forças pró-Irã na Síria — também intensifica as tensões. Essa rede de aliados regionais representa uma ameaça para Israel e seus parceiros ocidentais, pois busca limitar a influência desses Estados no Oriente Médio. A eleição de Trump reacende temores de que uma nova onda de sanções e retaliações contra o Irã possa desestabilizar ainda mais a região. Além disso, a relação próxima entre Trump e Benjamin Netanyahu fortalece essa visão de apoio incondicional a Israel, que pode, por sua vez, intensificar as medidas contra o Irã com ajuda financeira e tecnológica dos Estados Unidos.
HISTÓRICO DE TENSÃO ENTRE EUA E IRÃ

As tensões entre Estados Unidos e Irã remontam à Revolução Islâmica de 1979, quando o governo do xá foi derrubado e substituído por uma república teocrática islâmica. Desde então, as relações diplomáticas entre Teerã e Washington foram suspensas, culminando na crise dos reféns, em que a embaixada americana foi invadida e 52 diplomatas foram mantidos reféns por 444 dias⁵. Desde então, a rivalidade entre EUA e Irã tem se acirrado, incluindo períodos de escalada militar, como o ataque cibernético Stuxnet em 2010, que danificou a infraestrutura nuclear iraniana, e o recente assassinato do general Qasem Soleimani, comandante da Guarda Revolucionária Islâmica, que teve grande impacto nas relações bilaterais.
Saiba mais sobre Stuxnet no nosso artigo já publicado. STUXTNET: O ataque cibernético com danos físicos.
No quadro atual de tensões entre Estados Unidos e Irã, para além dos ataques ao seu aliado estratégico do Oriente Médio, Israel, a inteligência dos Estados Unidos afirmou que ocorreu uma intervenção iraniana no processo eleitoral de 2024 desde agosto. Numa tentativa de impedir que Donald Trump chegasse à Casa Branca, o alegado é a interferência no processo eleitoral e até mesmo espionagem, para fazer com que o povo estadunidense desconfie de seu processo eleitoral⁶. Além disso, um homem foi também acusado pelo governo estadunidense por conspiração para matar o então candidato à presidência. A crescente tensão entre ambos países reflete o sentimento de hostilidade em ascensão, podendo ser ainda mais acentuado uma vez que Trump comece de fato o seu governo, em 20 de janeiro de 2025.
A recente onda de ataques e tentativas de interferência, incluindo o lançamento de drones iranianos em direção a Israel, bem como a interceptação de armas destinadas ao Hezbollah na Síria, são exemplos de como essa tensão tem se manifestado em conflitos diretos e indiretos. Israel, por sua vez, mantém seu nível de prontidão elevado, com oficiais israelenses frequentemente publicando demonstrações de força em redes sociais, reforçando sua capacidade de resposta a ameaças regionais.
CRONOLOGIA DOS ATAQUES MAIS RECENTES

A mídia estatal iraniana utilizou-se do direito de autodefesa do artigo 51 da Carta das Nações Unidas⁷, alegando que responderia com firmeza a qualquer ataque de Israel ou dos EUA, embora tenha reiterado que não tem interesse em um conflito total, sinalizando a indisposição para uma escalada ainda maior que poderia fragilizar ambos Estados. Essa postura reflete a doutrina de dissuasão mútua: enquanto ambas as partes evitam um conflito direto, cada uma mantém uma posição firme para proteger sua credibilidade e reputação perante a comunidade internacional e seus aliados regionais.
DIFERENTES NÍVEIS DE GUERRA
Guerra total: Extermínio ou rendição incondicional do adversário, como na Primeira e Segunda Guerra Mundial
Guerra limitada: Conquista de objetivos específicos ou desarmamento do adversário, como na Guerra da Crimeia.
Dall’agonol e Dornelles Jr, 2017.
Essa dissuasão, conforme estudada pelo especialista Thomas Schelling, é fundamental para manter a paz instável entre as potências. Schelling 2020 argumenta que a credibilidade de um país é essencial para sua capacidade de influenciar o comportamento de seus adversários. Trump já estabeleceu uma reputação de tomar decisões ousadas para sustentar sua posição. A continuidade de sua política de pressão máxima e apoio a Israel pode impactar profundamente a dinâmica regional. Para muitos, essa dissuasão é uma estratégia eficaz para manter o equilíbrio de poder, mas para outros, ela representa o risco de um conflito de maiores proporções.
CONCLUSÃO
Em conclusão, ao que tudo indica, o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA promete continuar a política de apoio inabalável a Israel e pressão sobre o Irã. Essa postura assertiva pode resultar em um aumento das sanções contra o Irã e em uma ampliação do conflito regional. O desafio será encontrar o equilíbrio entre manter o apoio a Israel e evitar uma escalada descontrolada. Numa tentativa de preservar uma paz negativa⁹ através de uma dissuasão firme. Apesar de terem normalizado relações com Israel, alguns desses países árabes permanecem cautelosos quanto ao aprofundamento do conflito com o Irã. Isso pois temem uma escalada na região. O Oriente Médio continua sendo uma região sensível e complexa. É um ambiente onde as políticas de segurança e as alianças internacionais moldam constantemente o destino das nações envolvidas.
ATUALIZAÇÕES RECENTES
Por fim, nos últimos das ainda vimos atualização sobre a relação entre Israel, EUA e principalmente o Irã. Em 12 de novembro desse ano, o Primeiro-Ministro israelense publicou oficialmente um vídeo, no Youtube e na rede social X, direcionado ao povo iraniano. Em seu vídeo, ele comenta com o ataque iraniano à Israel utilizou 2.3 bilhões de dólares, aproximadamente 13 bilhões de reais (na cotação 1USD-5.8BRL). Dinheiro dos cofres públicos que poderiam destinar-se para a qualidade de vida da sua população. Como o Irã não tem condições financeiras para fazer outro ataque como esse -comprometendo seu poder de dissuasão, pois as ameaças se tornam não críveis. Ainda, Netanyahu expressa sua abertura à ajudar um “Irã livre” a partir da desanilização de água para ajudar na crise hídrica do país, que prolonga mais de 50 anos.
Ainda, de acordo com oficiais iranianos, em 11 de novembro o braço direito do presidente eleito dos EUA, Elon Musk, teve um encontro ressente com o embaixador iraniano das Naçõea Unidas. Embora não exista informações oficiais quanto ao teor da conversa, o comunidade é sobre a tentativa de discutir as alternativas para apaziguar as relações entre ambos países.
Veja mais sobre política e segurança internacional na nossa coluna MachtPolitik.
NOTAS
- Enquanto a “política de governo” refere-se às estratégias de um governo específico durante determinado mandato, extremamente influenciado por ideologias e prioridade políticas. A “política de Estado” refere-se às estratégias de longo prazo, projetadas para trazer estabilidade ao país independente de que esteja governando no momento. Um exemplo prático no caso dos EUA é de que segurança internacional é uma política de Estado, que se perpetua em diferentes governos. Enquanto a questão do arrocho nas políticas de imigração, foram e são uma política de governo, como visto no primeiro mandato de Donald Trump.
- Nota oficial do governo estadunidense quanto à mudança do local de sua Embaixada em Israel.
- O Brasil, inclusive, é um dos países que segue esse costume diplomático em prol do status neutro de Jerusalém. Veja mais aqui.
- Entre uma delas, pode-se citar a penalidade para instituições de outros países que operem com algum dos indivíduos (iranianos) citados no documento. Com o risco de ter as operações canceladas nos EUA.
- Descubra mais sobre essa história aqui.
- Caso reportado pela mídia estadunidense e ainda em desenvolvimento. Saiba mais.
- O Artigo 51 da Carta das Nações Unidas trata sobre o direito de autodefesa de um Estado. É dado a permissão para responder um ataque armado que lhe ocorreu até que o Conselho de Segurança se posicione quanto as medidas necessárias para reinstaurar a paz. Acesse na íntegra.
- Repostado pelo New York Times.
- Conceito aprimorado por Johan Galthung, 1996, que explica a diferença entre paz positiva e paz negativa. A paz negativa seria a ausência de violência direta, ou seja, quando não há conflitos armados ou agressões físicas entre as parte. Enquanto a paz postiva é a presença de condições que promovem a justiça, igualdade e bem-estar social. Não se trata apenas de evitar a guerra, mas de criar uma sociedade onde todos tenham as mesmas oportunidades e direitos.
REFERÊNCIAS
Dall’agonol e Dornelles Jr. Classificação de guerras: a problemática das (in)definições. Revista Brasileira de Estudos de Defesa v. 4, nº 1, jan./jun. 2017, p. 45-58.
GALTUNG, Johan. Peace by Peaceful Means: Peace and Conflict, Development and Civilization. Oslo: PRIO, 1996.
SCHELLING, Thomas C. Arms and Influence. Edição com nova introdução de Anne-Marie Slaughter. New Haven: Yale University Press, 2020.
THE IRAN Threat Geiger Counter: Reaching Extreme Danger. Institute for Science and International Security, 2024. Disponível em: <https://isis-online.org/isis-reports/detail/the-iran-threat-geiger-counter-reaching-extreme-danger>. Acesso em: 12 nov. 2024.
