A REFORMA JUDICIAL ISRAELENSE E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A DEMOCRACIA DO PAÍS

A REFORMA JUDICIAL ISRAELENSE E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A DEMOCRACIA DO PAÍS

Fonte: GUEZ, Jack; Agence France Presse; Getty Images, 2023.

  1. Introdução

Desde que a coalizão de extrema direita liderada por Benjamin Netanyahu ganhou as eleições israelenses, em novembro de 2022, um grande sentimento de apreensão tomou conta do cenário internacional, especialmente por conta das expectativas em torno  das implicações do novo governo com a questão da Palestina. Apesar do tema  ainda estar no centro das atenções, um novo movimento tem repercutido nas notícias internacionais a respeito de Israel nas últimas semanas: uma polêmica proposta de reforma judicial e a eclosão de protestos em massa da população israelense contra o novo projeto de governo. As manifestações já se encontram em sua 12º semana. Analistas políticos de todo o mundo veem com grande preocupação o impacto que a Reforma Judicial pode causar no enfraquecimento da democracia israelense. O presente artigo tem por objetivo elencar as principais pautas da reforma, assim como descrever suas principais consequências para o regime democrático de Israel.

2. A Reforma Judicial e o sistema político de Israel

A proposta apresenta diversos projetos de leis que poderiam funcionar como uma emenda à Constituição (Braun, 2023). Contudo, o país não conta com uma Constituição escrita (Braun, 2023) . Na realidade, Israel utiliza as chamadas leis básicas para definir as funções das principais instituições do país, assim como as relações entre as autoridades estatais (Braun, 2023).

Israel é caracterizado como uma democracia parlamentarista, tendo dentro de sua estrutura os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (Embassy of Israel in Nepal, 2023). Suas instituições são a presidência, o parlamento (Knesset), gabinete de ministros e o sistema judiciário (Embassy of Israel in Nepal, 2023). 

O atual  primeiro-ministro do país é Benjamin Netanyahu. Netanyahu é considerado o premiê mais longevo da história do país, e agora lidera o governo mais à direita da história de Israel (Padinger, 2022). 

Figura 1: O atual primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu

Fonte: Kobi Gideon/ GPO, 2015.

A principal crítica feita à proposta da Reforma Judicial é de que ela representaria uma grande violação à separação dos poderes em Israel, enfraquecendo o Poder Judiciário, concentrando dessa maneira, grandes decisões nas mãos do Parlamento, podendo trazer graves consequências para a democracia do país.

Em qualquer regime democrático, a separação de poderes é imprescindível para funcionar o mecanismo de freios e contrapesos, na qual nenhum dos poderes irá se sobrepor  ao outro (Santana, 2016). Tendo em vista essa importância, a seguir serão discutidos os principais pontos da proposta da Reforma Judicial.

2.1 Impedimento de revisão por parte do Judiciário nas legislações aprovadas pelo Parlamento

A primeira proposta é que a Suprema Corte seria impedida de revisar a legalidade das leis básicas de Israel, que funcionam como a Constituição do país (Aljazeera, 2023). Os manifestantes que estão tomando as ruas de Israel contra a reforma alegam que o projeto pode impactar seriamente no sistema de pesos e contrapesos do país (Aljazeera, 2023). Além do mais, a Reforma Judicial não propõe limitações para o Parlamento, somente para o Poder Judiciário. Assim sendo, as possíveis mudanças poderiam fazer com que seja mais difícil a Suprema Corte proteger os direitos humanos e preservar os princípios democráticos (Stopler, 2023) . No sistema político israelense não existe uma noção clara das diferenças entre leis básicas e comuns (Braun, 2023). Sendo assim, o Parlamento estaria na posição de nomear qualquer lei como básica, sem necessidade de ser revisada pela Suprema Corte (Stopler, 2023).

2.2 Rejeição das decisões da Suprema Corte

Outro ponto da reforma bastante contestado é que o Parlamento poderia rejeitar as decisões da Suprema Corte (Himeles, 2023). Na prática, o Parlamento poderia rejeitar as decisões da Suprema Corte com a maioria de 61 votos com um total de 120 deputados (Braun, 2023). No sistema vigente, a Suprema Corte pode derrubar qualquer lei que julgue ser inconstitucional. Porém, caso a proposta de reforma seja aprovada, o Parlamento poderia passar por cima da decisão judicial e aprovar leis básicas com a maioria de 61 votos (Himeles, 2023).

2.3 Mudanças na nomeação de juízes

A Reforma Judicial também modificaria a indicação de juízes para a Suprema Corte, na qual estaria nas mãos da coalizão do governo o apontamento de novos juízes (Kirtchuk, 2023) . Nos dias atuais, os juízes são escolhidos por um comitê de nove membros, incluindo o presidente da Suprema Corte, dois representantes da Ordem dos Advogados de Israel e quatro membros que são eleitos representantes, sendo dois ministros e mais dois do Parlamento (Kirtchuk, 2023).

Dessa maneira, caso o projeto seja aprovado, os dois representantes da Ordem de Advogados de Israel seriam substituídos pelos dois representantes públicos que são escolhidos pelo ministro da justiça, autorizando dessa forma, que o governo de Netanyahu tenha uma maioria de votos na seleção dos juízes (Kirtchuk, 2023). Em suma, o atual governo poderia obter 5 dos 9 assentos no comitê que seleciona novos membros para a Suprema Corte (Kirtchuk, 2023).

Tornando as indicações totalmente políticas, o governo de Netanyahu poderia ser responsável por nomear todos os juízes da Suprema Corte, dependendo de quanto tempo a coalizão permanecer no poder (Braun, 2023). É importante ressaltar que, no geral, os primeiros ministros de Israel tendem a permanecer no cargo durante um longo período. Os mandatos de Netanyahu como primeiro ministro em 2019 somavam 15 anos (Braun, 2023).

2.4 Nomeação de assessores jurídicos

O projeto também almeja modificar a nomeação de assessores jurídicos. No regime atual, os assessores jurídicos dos  diversos ministérios governamentais e o procurador-geral  da República são profissionais que atuam na representação do interesse público (Stopler, 2023). Os assessores precisam emitir pareceres jurídicos, que são de cumprimento obrigatório para o governo israelense (Braun, 2023). A Reforma Judicial propõe que os assessores jurídicos dos ministérios do governo se tornarão  cargos de confiança escolhidos pelos diversos ministros em um processo politizado e antiprofissional (Stopler, 2023). Assim sendo, os status dos pareceres jurídicos passarão a ser não vinculantes, ou seja, os funcionários estatais terão amplo acesso à assessoria e representação jurídica e privada nos tribunais (Stopler, 2023). Desse modo, o governo e seus ministros poderão exercer seus poderes independente da lei, além de que poderá facilitar a corrupção governamental (Stopler, 2023).

3. As consequências do projeto de reforma

Desde o anúncio da Reforma Judicial, milhares de israelenses estão tomando as ruas para demonstrar suas insatisfações com o projeto, reivindicando que as propostas sejam abandonadas ou então que o governo interrompa as votações até que se chegue a um possível acordo com a oposição (Braun, 2023). A polícia israelense vem reprimindo violentamente os protestos, utilizando granadas e gás lacrimogêneo para dispersar  os manifestantes (Cohen, 2023) . Apesar da repressão, os protestos estão se intensificando, entrando na sua 12º semana de ocorrência. 

De acordo com dados do Instituto sobre a Democracia Israelita (IDI), cerca de 66% dos israelenses são contra as propostas da Reforma Judicial (Schossler, 2023). Os manifestantes alegam que a democracia israelense está sendo destruída, além de que afirmam que o país está caminhando em direção a uma autocracia (Schossler, 2023).

Por sua parte, o governo de Netanyahu defende que a Suprema Corte possui um poder excessivo e que as reformas propostas são uma responsabilidade democrática (Kanfoudi, 2023) . Os que defendem a reforma argumentam que o projeto defende seus direitos sobre a minoria porque acreditam que Israel pertence somente aos Judeus (Kanfoudi, 2023). É importante frisar que a Suprema Corte tem freado projetos de leis de novos assentamentos na Cisjordânia, leis anti-LGBTQ+ ou até mesmo leis que discriminam o povo árabe (Kanfoudi, 2023). Caso a reforma seja aprovada, tais grupos minoritários encontram-se gravemente ameaçados (Braun, 2023). Além dos violentos protestos, o projeto de reforma tem causado uma grande instabilidade econômica no país. As empresas emergentes estão retirando fundos, fazendo com que a Bolsa de Israel tenha sucessivas quedas (Pita, 2023) . Especialistas econômicos alertam para a intensificação dos riscos de  deterioração financeira do país (Pita, 2023).

4. Os benefícios para Benjamin Netanyahu

Caso a Reforma Judicial seja aprovada, ela poderia ajudar o premiê Benjamin Netanyahu. Ele é réu em três processos de acusações de corrupção, suborno e quebra de confiança (Cohen, 2023). Os processos contra Netanyahu tramitam no Tribunal de Jerusalém desde maio de 2020 (Barberena e Muñoz, 2023) .  A Reforma Judicial pode beneficiar Netanyahu a  partir de que abre a brecha para que se tenha o controle dos juízes que irão presidir seu caso, tendo em vista o controle que o governo poderia adquirir na indicação de magistrados na Suprema Corte (Barberena e Muñoz, 2023).

Outra possibilidade é que o primeiro-ministro poderia utilizar o projeto como forma de barganha, a fim de que se realize uma negociação de um acordo para arquivar as investigações e os processos contra ele (Braun, 2023).

5. Considerações Finais

Findando a presente discussão do artigo, é possível inferir as graves consequências que a Reforma Judicial poderia acarretar para a democracia israelense. A separação de poderes é extremamente necessária em qualquer regime democrático. Caso o projeto avance, o equilíbrio de poder em Israel estará fortemente comprometido. A Suprema Corte é a única instituição do país que tem atuado para a manutenção do sistema de contrapesos. A Reforma Judicial representa uma grande ameaça para a Corte, pois a mesma não terá mais o aval para interferir em projetos que representam graves violações dos direitos humanos em Israel, principalmente para o povo árabe. Assim sendo, com as crescentes manifestações populares e os impactos econômicos negativos,  resta saber se a coalizão de Netanyahu terá sustentação para avançar ou não com o polêmico projeto. 

REFERÊNCIAS

BARBERENA, F. C.; MUÑOZ, J. G. Una guía para entender la reforma judicial de Netanyahu que fractura a Israel. Disponível em: <https://www.france24.com/es/medio-oriente/20230309-una-gu%C3%ADa-para-entender-la-reforma-judicial-de-netanyahu-que-est%C3%A1-fracturando-israel>. Acesso em: 23 mar. 2023.

BRAUN, J. A polêmica reforma judicial proposta por Netanyahu que ameaça enterrar democracia em Israel. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/c6pnd2jz13jo>. Acesso em: 22 mar. 2023.

COHEN, S. Netanyahu direciona Israel para uma tempestade perfeita. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/blog/sandra-cohen/post/2023/03/01/netanyahu-direciona-israel-para-uma-tempestade-perfeita.ghtml>. Acesso em: 23 mar. 2023.

HIMELES, S. Israel’s planned judicial reforms, explained. Disponível em: <https://jewishunpacked.com/what-is-going-on-with-israels-planned-judicial-reforms/>. Acesso em: 22 mar. 2023.

Israeli democracy & elections. Disponível em: <https://embassies.gov.il/kathmandu/AboutIsrael/State/Pages/Israeli-democracy.aspx>. Acesso em: 22 mar. 2023.

KANFOUDI, A. E. ¿En qué consiste la reforma judicial de Israel? Disponível em: <https://elordenmundial.com/reforma-judicial-israel/>. Acesso em: 23 mar. 2023.

KIRTCHUK, N. Judicial reform 101: What you need to know about the protests in Israel. Disponível em: <https://www.i24news.tv/en/news/israel/politics/1676402332-judicial-reform-101-what-you-need-to-know-about-the-balagan-in-israel>. Acesso em: 23 mar. 2023.

PADINGER, G. Quién es Benjamin Netanyahu: vida, familia y carrera. CNN, 29 dez. 2022. Disponível em: <https://cnnespanol.cnn.com/2022/12/29/quien-es-benjamin-netanyahu-vida-familia-carrera-trax/>. Acesso em: 22 mar. 2023

PITA, A. La crisis por la reforma judicial pone en alerta a la economía de Israel. Disponível em: <https://elpais.com/internacional/2023-03-20/la-crisis-por-la-reforma-judicial-pone-en-alerta-a-la-economia-de-israel.html>. Acesso em: 23 mar. 2023.

SANTANA, G. A separação dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Politize, 1 mar. 2016. Disponível em: <https://www.politize.com.br/separacao-dos-tres-poderes-executivo-legislativo-e-judiciario/>. Acesso em: 22 mar. 2023

SCHOSSLER, A. A democracia de Israel está em perigo? Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/a-democracia-de-israel-est%C3%A1-em-perigo/a-64975163>. Acesso em: 23 mar. 2023.

STOPLER, G. The Israeli Government’s Proposed Judicial Reforms: An Attack on Israeli Democracy. Disponível em: <https://constitutionnet.org/news/israeli-governments-proposed-judicial-reforms-attack-israeli-democracy>. Acesso em: 22 mar. 2023.

What you need to know about Israel’s judicial reforms. Disponível em: <https://www.aljazeera.com/news/2023/2/20/what-are-israels-judicial-changes-causing-uproar>. Acesso em: 22 mar. 2023. 

IMAGENS

GIDEON, Kobi; GPO. Disponível em: <https://flic.kr/p/xnXEhS>. Acesso em: 25/03/23. 

GUEZ, Jack; Agence France Presse; Getty Images. Disponível em: <https://flic.kr/p/2ogGxnS>. Acesso em 25/03/2023. 

Pedro Henrique Santos Chaves

Graduando em Relações Internacionais pela UFG. Sou fascinado por cinema e literatura de suspense, fantasia e ficção científica. Tenho grande interesse em questões voltadas para o Continente Africano e América Latina, como Guerras Civis, Ditaduras Militares, Intervenções Humanitárias e Terrorismo.

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