A GUERRA CIVIL NA SÍRIA DE BASHAR AL-ASSAD

A GUERRA CIVIL NA SÍRIA DE BASHAR AL-ASSAD

Fonte: Mahmoud Sulaiman. Repodução: Unsplash.

No dia 15 de novembro de 2023, quarta-feira, juízes franceses emitiram um mandado de prisão para o atual governante da Síria, Bashar al-Assad, por crimes contra a humanidade. Tal fato coloca em foco, novamente, um conflito civil que vem se arrastando desde 2011, na Síria. Por isso, esse artigo vai buscar entender o histórico doméstico e internacional que levou à guerra civil Síria. 

MANDATO FRANCÊS

A Síria fez parte do Império Turco Otomano até seu fim, em 1923, com o Tratado de Lausanne, que redefiniu suas fronteiras. Durante o Império Otomano a Síria não tinha um território bem definido, e era dividida em polos administrativos, desde o Sinai até Aqaba, na Jordânia. Porém, em 1916, o acordo Sykes-Picot surgiu para delinear a influência francesa, inglesa e russa, que saiu do acordo em 1917, dentro do Oriente Médio. Tal acordo foi facilitado, pois, a troca de cartas entre o Alto Comissário britânico em Cairo,  Henry Mcmahon, e o líder árabe Hussein bin Ali, o Xerife de Meca, implicou na ideia de que se Hussein liderasse uma revolta contra o império Otomano, os britânicos dariam independência aos territórios da Península Arábica e a algumas terras do Mediterrâneo. A revolta ocorreu em 1916, liderada pelo filho do Xerife de Meca, Amir Faysal Ibn Husayni, porém o combinado não foi cumprido, levando adiante o acordo secreto de Sykes-Picot, e dividindo o Oriente Médio entre essas potências (Gasper, 2010).

Desde então, esse território foi dominado pelos franceses e pelos ingleses. No caso da Síria, como é conhecida hoje, seu antigo território foi dado aos franceses nos acordos de Sykes-Picot, e como forma de dominação, eles buscavam dividir para conquistar. Tal tática tem suas motivações, pois o objetivo dos franceses era enfraquecer o nacionalismo árabe, que surgiu da revolta feita por Faysal, e divisões entre essa população foram surgindo. Como exemplo disso, em 1920, duas unidades políticas foram criadas com o objetivo de causar essa separação: Alepo e Damasco (Fildis, 2011). 

Já em 1923, ocorreu o Tratado de Lausanne, que definiu as fronteiras da Turquia, dando fim ao império Otomano. Além disso, foi instalado o sistema de Mandatos entre a Liga das Nações, a França e a Inglaterra, oficializando, assim, o domínio francês na Síria. 

Desde 1920, os franceses estavam dividindo a população árabe da região, até que em 1925, para formar o Estado da Síria, os franceses anexaram os territórios, até então independentes, de Alepo e Damasco. A população que ali habitava não estava satisfeita com o governo francês, por isso, de 1925 até 1927, houveram campanhas de rebeldes das tribos drusas contra o governo francês, dado o aprisionamento de lideranças drusas em Damasco. Como resultado, o exército francês derrotou tais campanhas, massacrando vários rebeldes (Britannica, 2019).

Diante de tamanha tensão, um conjunto de nacionalistas árabes liderados por Ibrahim Hannanu e Hashim Atassi, criaram o Bloco Nacionalista (The National Bloc) em 1928, que tinha como objetivo lutar pela independência Síria. Durante essa época, os franceses nomearam um governante e uma assembleia para redigir uma constituição, sendo a primeira recusada pelos franceses e a segunda dissolvida, em 1930 (Britannica, 2019). Assim, os franceses impuseram uma nova constituição e eleições foram feitas para uma assembleia e um novo governante, Mohammed Ali al-Abid. Além disso, em 1936 foi assinado um contrato entre esse bloco e os franceses, para que a Síria pudesse ser independente, mas em 1938 já era notado que os franceses não pretendiam ratificar (Commins et al., 2024).

Dado tais incertezas políticas e má qualidade de vida, uma revolta se iniciou e foi comandada por Shukri al-Quwatli, um dos nacionalistas, que gerou forte resposta francesa (Commins et al., 2024). Somente em 1945 o Primeiro Ministro Winston Churchill demandou o fim dessa guerra, e neste mesmo ano, os franceses começaram a recuar, e a Síria tornou-se independente em 1946, tendo como seu primeiro governante Shukri al-Quwatli.

Dessa forma, a Síria independente começou sua história com muitos golpes militares. Esse período tem como destaque o ano de 1947, no qual foi fundado o Partido Socialista Árabe, ou o Partido Baath, que logo vai tomar o poder na Síria, por meio de um golpe de Estado, em 1963, tendo como general o futuro governante da Síria, Hafez Al-Assad (Cuizon et al., 2020).

Dentro desse aspecto, o Partido Baath foi criado na Síria, e se estendeu a outros países, como o Iraque, tendo como seu principal idealizador o francês Michel Aflaq. Suas principais ideias são voltadas a uma unidade do mundo árabe, para conter os americanos e os israelenses, o socialismo e o nacionalismo, libertando-se dos poderes colonizadores (Cuizon et al., 2020).

GOVERNO HAFEZ AL-ASSAD

O governo de Hafez al-Assad começou em 1970 e se estendeu até 2000, sob o Partido Baath. Esse momento foi marcado por trinta anos de estabilidade do regime, ao contrário do período pós-independência, até o início do governo Assad. Nesse aspecto, seu principal foco foi recuperar o território perdido das Colinas de Golã, durante a guerra dos Seis Dias, em 1967, e contrabalancear o poder ocidental, representado por Israel (Hinnebusch, 1997). Outra característica desse governo foi o crescimento da centralidade, em termos de tomada de decisão em política externa, no governante. Durante este período, os principais pontos de política externa foram a guerra de Yom Kippur em 1973, a guerra do Irã-Iraque, em que seu posicionamento foi contra o Iraque, assim como ocorreu na Guerra do Golfo (1990-1991). Houve, também, expansão de seu poderio militar, e é importante destacar que:

Quando o equilíbrio de forças era negativo, Assad preferiu esperar até que o equilíbrio de poder melhorasse, em vez de fazer concessões num momento de fraqueza. Enquanto isso, a Síria obstruiria esquemas para atrair outros partidos árabes para acordos parciais e separados com Israel, que isolaram a Síria. (Hinnebusch, 1997, p. 217, tradução minha)

O isolamento Sírio foi crescendo, e para tentar contornar a situação, Assad buscou diversificar seus novos laços, como com a União Soviética e as monarquias árabes, ricas em petróleo. Todavia, com o fim do bloco soviético, foi necessário tentativas de aproximação com os americanos, de forma a se mostrar útil para eles, e seguir com as questões acerca de Israel, sobre as Colinas de Golã, de maneira a favorecer a Síria. Ao mesmo tempo, Hafez al-Assad se aproximou do Irã, como forma de contrabalancear os Estados Unidos (Hinnebusch, 1997).

Fonte: Engin Akyurt. Reprodução: Unsplash.

GOVERNO BASHAR AL-ASSAD

Com a morte de Hafez al-Assad, seu filho Bashar al-Assad assumiu o poder no ano 2000, mas teve que dividir o governo com outros políticos e auxiliares de seu pai. Durante esse período, o cenário político doméstico era dividido por aqueles que eram a favor de uma maior oposição às ambições dos Estados Unidos, e aqueles que não desejavam que tal oposição ocorresse. De início, Bashar al-Assad buscou fazer uma reforma na economia, deixando de levar em consideração os clássicos ideais do seu partido, uma vez que ele herdou um cenário econômico estático, e com a diminuição da receita que provinha do petróleo (Hinnebusch, 2009).

O posicionamento desse governo em relação aos Estados Unidos começou a se deteriorar, e isso ocorre com o posicionamento do governo Al-Assad em relação à guerra ao terror, a resposta americana aos bombardeios do dia 11 de setembro, uma vez que ele deu assistência contra a Al Qaeda, mas contestou outras partes desta guerra, como o bombardeio do Afeganistão (Hinnebusch, 2009).

BACKGROUND DA GUERRA CIVIL

O governo de Bashar al-Assad gerava bastante insatisfação por parte da população, dado a questões como falta de qualidade de vida em geral. De 2006 a 2010, houve uma grande seca na Síria, piorando tal conjuntura econômica (Laub, 2023).

A tensão na Síria se tornou impossível de ser ignorada, ainda mais com a nova realidade dos protestos pró-democracia, iniciando a Primavera Árabe. Tudo começou com um vendedor tunisino que teve sua venda de frutas confiscada por policiais, e como esse não foi o primeiro problema que esse homem teve em relação ao governo e ao seu trabalho, ele foi de encontro à sede para retomar seus pertences. Como não foi atendido, e devido a toda sua situação, ele ateou fogo no próprio corpo. Protestos cresceram no Oriente Médio em revolta à corrupção e ao desemprego [1].

Tal situação chegou até a Síria: a parte mais radical da população demandava a decaída do governo, enquanto outros só pediam mudanças. Em resposta a tais atos, algumas reformas foram feitas, mas os protestos eram respondidos com violência e a população tinha seus direitos básicos reduzidos drasticamente (Laub, 2023). A repressão aumentou e mais atores foram sendo incluídos neste conflito.

Embora alguns intelectuais de vários grupos minoritários tenham participado dos protestos iniciais em 2011, a grande maioria dos manifestantes e, mais tarde, dos rebeldes, vieram de origens árabes sunitas muçulmanas e, com o passar do tempo, facções extremistas islâmicas dentro deste grupo passaram a predominar (Aftandilian, 2018, p. 4, tradução minha)

Com esses novos envolvimentos, houve um aumento da repressão, gerando insegurança e, como consequência, criando refugiados, que foram para os países fronteiriços e para a Europa (Aftandilian, 2018).

Tal pretexto foi muito útil para que outras partes se envolvessem na guerra, em busca de seus próprios interesses. Rússia, Irã e o Hezbollah do Líbano eram a favor de Al-Assad (Aftandilian, 2018).  Turquia, Catar e Árabia Saudita apoiavam as forças opostas, os grupos extremistas. Os Estados Unidos davam suporte a grupos mais moderados e pediam a saída de Bashar do poder. Já Israel buscou o combate contra o Hezbollah e as milícias iranianas (Aftandilian, 2018). Por fim, outro ponto importante é que as próprias forças extremistas, ou grupos terroristas, brigavam entre si, se desprenderam e criaram novos grupos.

Tudo isso afetava a população, desde ataques a civis e uso de armas químicas por Bashar Al-Assad, em 2013. A entrega de ajuda humanitária também era politizada, dificultando sua chegada aos que necessitavam (Laub, 2023), assim como ocorreu em 2023 com o terremoto que atingiu a Síria e a Turquia (Rodrigues, Neves, Bernardes, 2023).

CONCLUSÃO:

A guerra civil na Síria dura mais de 10 anos, e ainda não tem uma resolução à vista. É importante notar que a guerra foi resultado não só de uma população insatisfeita por sua má condição de vida, mas de um acúmulo de questões, como a divisão do que a Síria era no império Otomano, que levou a um governo instável e dependente. O período de estabilidade governamental de Hafez al-Assad foi acompanhado por uma centralização e isolamento da Síria, além de problemas econômicos que foram herdados por seu filho. Esse conjunto de minorias que também lutam entre si podem ser resultado de uma população sem uma identidade nacional bem construída, e, por isso, sem lealdade nacional estabelecida. Seu líder, por sua vez, tornou-se mais repressivo e possibilitou que novos interesses estrangeiros tomassem conta do cenário diário do povo sírio, tornando a Síria de Bashar Al-Assad mais um palco para manobras de outros grupos e países.

Notas

[1] Caso queira se aprofundar mais sobre a Primavera Árabe e os efeitos causados pela internet, acesse o artigo sobre o assunto em nosso site, clicando aqui.

Referências

AFTANDILIAN, Gregory. The Road to Civil War. In: AFTANDILIAN, Gregory (ed.).  A security role for the United States in a post-ISIS Syria?: challenges and opportunities for U.S. policy. Strategic Studies Institute, US Army War College, 2018. p. 3–6. Disponível: http://www.jstor.org/stable/resrep20104.5. Acesso: 28 jan, 2024.

BRITANNICA. Druze revolt. Chicago: Encyclopedia Britannica. Disponível em: https://www.britannica.com/event/Druze-revolt. Acesso em: 20 jan, 2024.

COMMINS, David D., IRVINE, Verity E., SMITH, Charles G., HOURANI, Albert H., HAMIDÉ, Abdul-Rahman, SCULLARD, Howard H., GADD, Cyril J., OCHSENWALD, William L., POLK, William R., SALIBI, Kamal S. Syria. Chicago: Encyclopedia Britannica. Disponível em: https://www.britannica.com/place/Syria. Acesso em: 21 jan, 2024.

CUIZON, Therese, LASTIMOSA, Shaun Julius L. ROBLEDO, Yeka, MANALO, Pam, OBINA, Dorothy A., SARUSAL, Abagail, JR, Wenny S., TANTAY, Cybel, TORRALBA, Jewel. Baathism: A dead twentieth century arab ideology. 2020. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/344811198_BAATHISM_A_DEAD_TWENTIETH-CENTURY_ARAB_IDEOLOGY. Acesso em: 24 jan, 2024.

FILDIS, Ayse T. The Troubles in Syria: Spawned by French Divide and Rule. Middle East Policy Council. v. 18, n. 4, p. 129-139, 2011. Disponível em: https://mepc.org/journal/troubles-syria-spawned-french-divide-and-rule . Acesso em: 20 jan, 2024. 

GASPER, Michael. The making of modern Middle East. In: Ellen Lust. (ed.). The Middle East. 16. ed. Suécia: University of Gothenburg, 2010. p. 3-62. 

HINNEBUSCH, Raymond. The foreign policy of Syria. In: EHTESHAMI, Anoushiravan, HINNEBUSCH, Raymond A (ed.). Syria and Iran: Middle Powers in a penetrated regional system. Londres: Routledge, 1997. p. 207-232

HINNEBUSCH, Raymond. Syrian foreign policy under Bashar al-Assad. Ortadoğu Etütleri. v. 1, p. 7-26, 2009. Disponível em: https://orsam.org.tr/d_hbanaliz/1hinnebusch.pdf. Acesso em: 25 jan, 2024.

LAUB, Zachary. Syria´s war and the descent into horror. Council on Foreign Relations. 2023. Disponível em: https://www.cfr.org/article/syrias-civil-war. Acesso em: 28 jan, 2024.

RODRIGUES, Anna Cecília de S., NEVES, Camila, BERNARDES, Letícia. A diferença na ajuda humanitária às vítimas do terremoto na Síria e na Turquia. Conjuntura Internacional. 2023. Disponível em: https://pucminasconjuntura.wordpress.com/2023/03/27/a-diferenca-na-ajuda-humanitaria-as-vitimas-do-terremoto-na-siria-e-na-turquia/. Acesso: 7 jan, 2024.

Imagens:

UNSPLASH. Mahmoud Sulaiman. Disponível em: https://unsplash.com/pt-br/fotografias/um-caminhao-branco-passando-por-um-predio-muito-grande-1JICzxoMp4o. Acesso em: 21 jan, 2024.

UNSPLASH. Engin Akyurt. Disponível: https://unsplash.com/pt-br/fotografias/a-bandeira-da-jordania-acenando-ao-vento-B1j21oi9jVk. Acesso em: 21 jan, 2024.

Camila Neves Peixoto

Estudante de Relações Internacionais na PUC Minas. Interessada em Política Externa, diplomacia e segurança.

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