Entrevista com a Embaixadora do Senegal, V. Ex.ª Fatoumata Correa

Entrevista com a Embaixadora do Senegal, V. Ex.ª Fatoumata Correa

V. Ex.ª Sra. Embaixadora Fatoumata / Imagem: Leouve.

Gostaria de agradecer à V. Ex.ª Sra. Embaixadora do Senegal no Brasil, Fatoumata Binetou R. Correa, e a todos da Embaixada, por toda a atenção dada. Agradeço também a toda equipe Dois Níveis por fazer possível esta entrevista. Em especial ao Diretor-Executivo, Gustavo Milhomem, pelo auxílio na estruturação das perguntas e pela revisão da introdução e à Diretora de Conteúdo, Djamilly Rodrigues, pela revisão da introdução e das perguntas em francês.

O Senegal está  localizado na África Subsaariana, mais precisamente na região oeste do continente. O país faz fronteira com a Mauritânia ao norte, com a Guiné e Guiné-Bissau ao Sul, com o Mali a leste, com a Gâmbia a Sudoeste, e é banhado, a oeste, pelo Oceano Atlântico. Ademais, o Senegal possui uma população estimada em 16 milhões¹. O Senegal também faz parte da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) a qual possui o objetivo de desenvolver a autossuficiência econômica dos países-membros². Ademais, o governo brasileiro possui relações diplomáticas com o país desde o século XIX. Logo após a independência do Senegal, a qual foi conquistada em 1960, o Brasil abriu a Embaixada em Dacar (capital do Senegal), sendo retribuído com a abertura da Embaixada do Senegal em Brasília no ano de 1963³. Desta forma, levando todos esses fatores em consideração, fez-se necessário um aprofundamento dos conhecimentos a respeito do Senegal, bem como sobre suas relações com o Brasil.

Localização do Senegal / Imagem: Organização Oeste Africana da Saúde

Portanto, o Dois Níveis tem a honra de apresentar a entrevista realizada com a V. Ex.ª Sra. Fatoumata Binetou R. Correa, Embaixadora do Senegal no Brasil. A Sra. Embaixadora Fatoumata possui uma carreira brilhante. Cursou Diplomacia na École Nationale d’Administration (ENA) situada em Dacar e Mestrado em Sociologia na Université Gaston Berger de Saint-Louis. Foi Primeira-Conselheira da Embaixada do Senegal em Washington D.C (EUA) entre 2004 e 2011, Diretora de África-Ásia do Departamento de Relações Exteriores do Senegal entre 2011 e 2014, Embaixadora do Senegal em Praia (Cabo Verde) entre 2014 e 2016. Atualmente, a Sra. Embaixadora Fatoumata é, desde 2016, Chefe da Embaixada do Senegal em Brasília.

Nesta entrevista foram abordados os seguinte temas: Atuação do Senegal em operações para a manutenção da paz da Organização das Nações Unidas (ONU), em especial na Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização do Mali (MINUSMA); as relações internacionais do pós-pandemia (Covid-19) e a inserção do Senegal nesse novo contexto; O crescimento econômico senegalês nos últimos anos e a situação atual; Além de temas relacionados à cooperação, às relações econômicas e à relação bilateral entre o Senegal e o Brasil. Sendo assim, segue a entrevista.

O Senegal e as relações internacionais

Dois Níveis: Com respeito à missão de paz da ONU no Mali (Minusma), sabe-se que o Senegal possui destaque na operação, visto que é um dos países que mais contribuem com o efetivo pessoal para a implementação da paz naquele país. Como a senhora avalia os resultados da missão de paz até o momento? Qual seria o papel do Senegal na manutenção da paz da região?

Embaixadora Fatoumata: O Senegal faz parte dos principais países fornecedores de pessoal à serviço da Organização das Nações Unidas, e ocupa atualmente o 8º lugar do ranking mundial. O Senegal participa de várias operações no que tange à manutenção da paz no mundo, com um contingente contendo mais de 3.100 homens em diversos campos de batalha operacionais.

Aliás, em maio de 2014, o Conselho de Segurança das Nações Unidas criou uma Medalha em homenagem ao Capitão Mbaye DIAGNE, um dos heróis mais notáveis que salvou centenas de vidas em 1994, quando fazia parte da tropa “Casque bleu” que atuava em Ruanda, antes do seu falecimento devido às suas feridas.

No que concerne à MINUSMA, uma das missões mais importantes das Nações Unidas criada em 2013, o Senegal participou ativamente e continuará à fazê-lo, considerando que o Mali é um país irmão e membro da CEDEAO, como também um vizinho próximo com o qual ele divide uma fronteira extensa.

Na realidade, a missão dos « Capacetes azuis » pertencendo à MINUSMA é uma missão que tem por objetivo a resolução pacífica dos conflitos e a proteção de civis; além disso, seria conveniente reconhecer que os resultados obtidos nos campos de batalha foram fundamentados na mitigação dos riscos, devido ao fato de que a natureza assimétrica desta longa luta esteja ligada ao combate contra o terrorismo.

Evidentemente, o Senegal se sente envolvido por todas as questões referentes à segurança, principalmente nessa parte da África do Oeste onde a circulação livre das pessoas é de rigor. O meu país continuará a participar plenamente de todas as ações ligadas à manutenção da paz, desde que seja convocado.

Dois Níveis: Considerando o contexto da Covid-19, na opinião da senhora, como se dará o rearranjo das relações internacionais no pós-pandemia? E qual será o papel do Senegal nessa nova conjuntura?

Embaixadora Fatoumata: A crise provocada pelo COVID-19 permitiu identificar, a olho nu, muitas deficiências por parte dos países africanos de forma geral, principalmente no que tange aos planos econômico e sanitário. Na minha opinião, são nestes dois setores que a nossa dependência em relação ao resto do mundo deveria ser profundamente corrigida. Por exemplo, o Senegal decidiu reabrir a única empresa farmacêutica recentemente fechada, ao invés de continuar dependendo inteiramente dos países estrangeiros, em um momento em que dispomos de recursos humanos de qualidade capacitados para executar o trabalho necessário; para melhor equipar dos hospitais e finalmente para recrutar em massa agentes da área da saúde através de um plano de investimento voltado ao sistema de saúde e ação social resiliente e perene.

No plano econômico, o Governo está trabalhando em um Programa cujo o objetivo é alavancar a economia nacional graças à ajuda financeira obtida da ordem de 50 milhões de dólares, concedidos pelo Banco mundial, e destinados a reforçar a resiliência e produtividade agrícola assim como consolidar, desta forma, a procura por uma autossuficiência alimentar.

Com a finalidade de prover meios para enfrentar as urgências que possam eventualmente surgir, tanto no plano sanitário como econômico, o Senegal por intermédio do Presidente da República Macky SALL, solicitou o cancelamento da dívida dos países africanos e foi apoiado nessa iniciativa pela maioria dos países do Continente.

Até o presente momento, somente os países mais pobres conseguiram uma moratória, mas não o cancelamento, por parte da União Europeia e do FMI. Como o Senegal está inscrito na categoria dos países possuidores de rendas intermediárias/inferiores não pode ser contemplado.

Dois Níveis: O PIB senegalês cresceu a altas taxas nos últimos anos. Em 2018 e 2019, cresceu a impressionantes 6,4% e 5,3%, respectivamente. No mesmo período a África Subsaariana cresceu abaixo da média do país, com taxas em torno de 3%. Já as projeções considerando o contexto da pandemia da covid-19, lançam o PIB de Senegal para 1,3% e 4%, em 2020 e 2021, respectivamente. No mesmo período, a África Subsaaariana terá resultados de -3% e 3,4%. Ou seja, o Senegal teve resultados econômicos melhores que sua região no período pré-pandemia, e também deve ter no pós-pandemia. O que explica estes resultados econômicos tão positivos?

Embaixadora Fatoumata: É verdade que o Senegal registrou taxas de crescimento superiores à 6% desde 2015, e que esses resultados econômicos tão positivos são devidos aos importantes investimentos realizados no setor de infraestruturas públicas, no âmbito do Plano Senegal Emergente (PSE), uma estratégia decenal criada para alcançar, no período de 2014 a 2023, através de três vertentes:

  • transformação estrutural da economia e do crescimento, assim como dos recursos humanos  e da previdência social; 
  • promoção de um desenvolvimento sustentável; 
  • e, finalmente, assegurar a governabilidade, a paz e a segurança.

Outrossim, durante esse mesmo período pode ser constatado um fluxo notável das exportações que aumentaram sensivelmente assim como o dinamismo dos setores chaves da economia, ou seja, da exploração de minérios (fosfato, ouro, zircão, ferro, cobre, titânio, níquel…), da construção civil, do turismo, da pesca e da agricultura.

Porém, é necessário reconhecer que com a pandemia provocada pelo COVID-19, as estatísticas mudaram drasticamente. Vários setores como os dos transportes, turismo, hotelaria e comércio de produtos agrícolas estão parados ou funcionando vagarosamente. Outrossim o Presidente SALL anunciou que a taxa de crescimento passaria de 6,8% à 1,1% pelo menos.

Sobre as relações bilaterais Senegal-Brasil

Dois Níveis: O Brasil e o Senegal desenvolvem, juntos, alguns programas de cooperação na área da agricultura, a exemplo do programa de “Produção Agroecológica Integrada e Sustentável no Senegal” (PAIS). No geral, como a senhora avalia a cooperação entre os países nesta área? Esta cooperação tem contribuído para o desenvolvimento da agricultura senegalesa?

Embaixadora Fatoumata: Com efeito, o segmento agrícola é a principal área de cooperação entre o Brasil e o Senegal. O acordo sobre o PAIS – Produção Agroecológica Integrada e Sustentável no Senegal- foi assinado em Brasília no dia 25 de novembro de 2011, com o objetivo de implantar no nosso país, várias fazendas cuja as dimensões serão de meio hectare por unidade e inteiramente financiadas pela Agência brasileira de Cooperação (A.B.C.).

Este conceito desenvolvido no Brasil com a expertise do compatriota senegalês Aly NDIAYE, Engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, foi implementado no Senegal em várias regiões. Trata-se de um programa muito importante que tem a vantagem de poder ser executado durante todo o ano, integrando notadamente a avicultura e a piscicultura entre outras atividades.

O PAIS contribui muito para o aumento substancial dos proventos das famílias.

Paralelamente, houve um reforço nestes últimos anos, no que tange à cooperação entre o Senegal e o Brasil, na área de Defesa devido ao envio de alunos oficiais em estágios de aperfeiçoamento ao Brasil, assim como de militares graduados como oficiais ou não, com o intuito de serem afetados em setores estratégicos no Senegal.

Outrossim no setor agrícola, o Senegal participa do Programa Mais Alimentos Internacional, um programa de fornecimento de equipamentos agrícolas que lhe permitirá equipar-se com material brasileiro e beneficiar-se de taxas de concessão muito apreciadas.

Dois Níveis: Na opinião da senhora, qual deve ser o papel do Brasil na cooperação Sul-Sul com a África e, consequentemente, com o Senegal? E o que o Senegal espera do Brasil nesta relação?

Embaixadora Fatoumata: O Brasil tem um lugar garantido como parceiro privilegiado da África, e pode seguir mantendo essa posição, basta querê-lo! Mesmo sabendo que, em realidade, não será fácil para ele entrar na concorrência com os seus parceiros do BRICS, tais como a China ou a Índia. A África é reconhecida como o continente do futuro: pela sua população jovem, riqueza do seu solo e subsolo assim como pela qualidade dos seus recursos humanos; estas vantagens geram oportunidades imperdíveis.

O Senegal espera que o Brasil saiba apreciar todas as potencialidades oferecidas, não somente pela África lusófona mas por todo o continente Africano em si. Com efeito, a sua presença é marcante graças à sua expertise incontestável em vários setores. Uma grande parte da África está trabalhando atualmente no setor de infraestruturas, que é apontado como um setor promissor criador de oportunidades interessantes para futuros investimentos.

Dois Níveis: Como a senhora avalia as relações comerciais com o Brasil nos últimos anos? Como o Brasil pode contribuir com uma diversificação ainda maior da pauta exportadora do Senegal?

Embaixadora Fatoumata: O Brasil mantém boas relações comerciais com o Senegal, mas o saldo da balança comercial entre os dois países é positivo somente para o Brasil. O Senegal terá que esforçar-se ainda mais com o intuito de diversificar e reforçar as exportações dos seus produtos, em função das necessidades locais. Nesse sentido, faz-se necessário aumentar e reforçar o fluxo de comercialização do fosfato e do zircão.

Dois Níveis: De que forma as relações bilaterais entre Brasil e Senegal poderiam ser mais estreitadas? O que a senhora vislumbra para o futuro das relações Brasil-Senegal?

Embaixadora Fatoumata: As relações entre o Senegal e o Brasil iniciaram bem antes da independência do meu país, desde a abertura do Consulado honorário brasileiro situado, na época, em Dakar. Desde a ascensão ao poder do Senegal, em 1960, o Brasil abriu no nosso país a sua primeira embaixada da África subsaariana; por sua vez o Senegal fez o mesmo em 1963. Este fato revela que os laços que ligam os dois são muito antigos. Porém, as relações poderiam ser intensificadas em razão de uma presença mais marcante do Brasil no Senegal, devido aos programas econômicos de envergadura implementados e voltados essencialmente ao setores de infraestrutura pública, agroindústria, indústria de montagem de equipamentos agrícolas etc.

Cabe ressaltar que o Senegal está situado na extremidade ocidental do continente africano e à menos de 05 horas de vôo à partir de Recife. A estabilidade do ambiente de negócios no Senegal não é mais contestável. Além do mais, a implantação de um escritório único, visando a facilitar os procedimentos relativos à abertura de empresas e as Zonas econômicas Especiais (ZEES), que são espaços para o acolhimento das atividades econômicas, foram elaboradas especialmente com vistas à oferecer um conjunto de infraestruturas e serviços que permitam às empresas de trabalharem nas melhores condições, beneficiando-se ao mesmo tempo, das várias modalidades de exonerações. Nós queremos que o Senegal seja a porta de entrada do Brasil para toda a África do Oeste cuja os países estão reunidos junto à Comunidade dos Estados da África do Oeste (CEDEAO), uma comunidade constituída por uns quinze países que abrigam mais de 300 milhões de cidadãos, dos quais oito deles utilizam a mesma moeda.

Referência

CORREA, Fatoumata Binetou Rassoul. Embaixadora do Senegal no Brasil. Julho de 2020.

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¹ Ver: BANCO MUNDIAL. Population, total – Senegal. Disponível em: <https://data.worldbank.org/indicator/SP.POP.TOTL?locations=SN>. Acesso em 07 ago. 2020.

² Ver: CEDEAO. Informações básicas. Disponível em: <https://www.ecowas.int/sobre-cedeao/informacao-basica/?lang=pt-pt>. Acesso em 07 ago. 2020.

³ Ver: BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. República do Senegal. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/5538-republica-do-senegal>. Acesso em: 07 ago. 2020.

Thiago Barros

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás. Diretor Executivo do Dois Níveis.

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