Por que Honduras é conhecido como República das Bananas?

Por que Honduras é conhecido como República das Bananas?

O país que vamos nos ater hoje será um não muito comentado pela mídia, pelo menos não para nós brasileiros que temos mais contato e notícias com relação às nações latinas vizinhas, sendo elas na América do Sul. Não ouvimos falar com frequência de América Central e Caribe, e é por isso que decidi apresentar um pouco mais da história de Honduras, um país que é tão belo e tão problemático quanto o nosso Brasil.

O território que atualmente corresponde a Honduras era habitado por civilizações maias. Porém, no início do século XVI, os espanhóis iniciaram o processo de colonização, travando batalhas com a população local. Em 1821, a nação conquistou a independência, sendo anexada ao México. No entanto, em 1823, Honduras passou a integrar a República das Províncias Unidas da América Central e, no dia 5 de novembro de 1838, obteve total autonomia política. Majoritariamente formada por mestiços de espanhóis e indígenas, a população hondurenha soma 7,4 milhões de habitantes. O turismo está em constante expansão, e os principais destinos dos visitantes são as Ilhas de la Bahía (no Caribe) e as ruínas maias de Copán, que são consideradas patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) (FRANCISCO, 2014).

As indústrias de beneficiamento de bananas norte-americanas e os militares hondurenhos detiveram o poder sobre o país durante a maior parte do século XX. Em 1982, porém, tomou posse um governo eleito composto de civis. Desde então, os governantes têm lutado para melhorar a economia de Honduras, bem como para reduzir seus problemas sociais (BRITANNICA ESCOLA, 2020).

No que tange ao relacionamento entre Brasil e Honduras, eles estabeleceram relações diplomáticas em 1906, esse relacionamento bilateral é tradicionalmente amistoso e marcado por cooperação em prol do desenvolvimento. A reeleição do presidente Juan Orlando Hernández e o recente acordo em torno de apoios recíprocos às candidaturas do Brasil ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (mandato 2022-2023), e de Honduras à Presidência da Assembleia Geral da ONU, contribuíram para elevar o patamar das relações bilaterais (MRE, 2020).

As atividades de cooperação técnica mantêm-se como principal lastro das relações entre os dois países. Em novembro de 2016, por ocasião da VI Reunião de Cooperação Técnica Brasil-Honduras, realizada em Tegucigalpa, foram elaboradas seis novas iniciativas e concluídos dois projetos na área de desenvolvimento social, com destaque para iniciativas na área de banco de leite humano, em benefício de aproximadamente 30 mil lactantes e cerca de 700 recém-nascidos (MRE, 2020).

Embora haja maravilhas dentro dessa nação centro-americana, nem tudo são flores.

Há uma onda de hondurenhos que têm fugido do país por anos. O termo “caravana” se popularizou mundialmente em 2018, quando mais de 10.000 centro-americanos viajaram juntos, como forma de proteção e ajuda mútua, atravessando a Guatemala e o México, rumo ao México (VIDA e LIMA, 2020).

No entanto, dito isso, qual o real motivo de Honduras ser alvo de tanta emigração?

Mais do que vivendo em “pobreza e violência”, Honduras é de fato um narcoestado cuja liderança tem apoio dos Estados Unidos e que sofre com a corrupção generalizada, violência de gênero, controle de gangues, grilagem de terras e secas provocadas pela mudança climática (VIDA e LIMA, 2020).

A corrupção e o dinheiro vindo do tráfico são práticas ilícitas recorrentes no país. Ainda assim, com base em Vida e Lima (2020), quando pensamos sobre políticos corruptos, raramente imaginamos que eles sejam culpados por traficar tonaledas de cocaína para os Estados Unidos. Tony Hernández, ex-político e irmão do atual presidente Juan Orlando Hernández, foi condenado em outubro de 2019 por essa acusação. Não só isso, como o próprio presidente do país, antes elogiado pela Agência de Combate às Drogas dos EUA, está sob investigação por seu suposto envolvimento com o comércio de cocaína.

Durante o julgamento de Tony Hernández, o presidente tentou proteger o irmão de ser extraditado e recebeu milhões de dólares como suborno para financiar campanhas eleitorais do seu partido. A partir desse acontecimento, muitos hondurenhos protestaram – e foram mortos pelas forças policiais durante manifestações – enquanto pediam uma nova eleição depois da votação aparentemente fraudulenta em dezembro de 2017, que levou Hernández ao poder. Naquele momento, os EUA decidiram apoiar a eleição de Hernández. Em 2019, em meio a graves suspeitas de envolvimento com dinheiro de drogas, os hondurenhos pediram a renúncia do presidente, novamente e a polícia respondeu com gás lacrimogêneo (VIDA e LIMA, 2020).

Uma opção fundamental para Honduras para lidar com essa questão seria contar com sistemas anticorrupção para processar criminosos de alto escalão. Entretanto, no mesmo período de janeiro de 2020 em que milhares de hondurenhos seguiam rumo à América do Norte, o presidente Hernández e os legisladores encerraram o mandato da Missão de Apoio ao Combate à Corrupção e à Impunidade em Honduras (MACCIH)¹ (VIDA e LIMA, 2020).

Não só essas questões vêm à tona, como também o país possui os piores índices de desenvolvimento econômico entre todos os países da América Latina (FREITAS, 2020). Grande parte dessa problemática decorre-se pelo alto nível de corrupção e descaso do governo com o próprio país. Honduras tem fortes relações com os Estado Unidos, e este tem, indiretamente, influência e poder de decisão sobre a economia do país.

A corrupção generalizada, além de ser ilegal e imoral, corrói a sociedade. Por exemplo, Vida e Lima (2020) comentam que quando a corrupção rouba 49 lempiras² [aprox. R$ 10,15] de cada 100 lempiras [aprox. R$ 20,72] do Ministério da Saúde, leva o sistema hondurenho de saúde à beira do colapso.

O futuro do país também está em risco porque o sistema educacional é ineficiente. No dia em que a caravana de imigrantes saiu de San Pedro Sula, os meios de comunicação hondurenhos publicaram outra estatística simbólica sobre a condição do país: um milhão de crianças hondurenhas estão fora da escola. Ou são muito pobres ou acreditam que a escola não é necessária já que, de qualquer maneira, não encontrarão um emprego ao terminar a escola. Em 2019,  o Congresso Nacional de Honduras aprovou reformas nos sistemas de saúde e de educação, medidas que os hondurenhos viram como portas para mais corrupção e privatização desses setores. Os hondurenhos levaram suas queixas para as ruas em maio e junho de 2019, quando foram recebidos novamente com gás lacrimogêneo e balas. Os deputados suspenderam as reformas. Além de serem oprimidos pelas forças armadas de seu próprio país, os hondurenhos têm que lidar com as regras do crime organizado (VIDA e LIMA, 2020).

Em muitos locais, gangues, muitas vezes compostas por jovens empobrecidos que caem na criminalidade, são de fato os mandantes, extorquindo e ameaçando os moradores locais. A morte é uma ocorrência diária em um país onde ocorreram mais de 42 homicídios por cada 100.000 habitantes em 2019. A maneira como o governo hondurenho responde às gangues é com mais soldados (VIDA e LIMA, 2020).

Ao lado da violência das gangues, a violência de gênero permeia toda a sociedade. Honduras possui a segunda maior taxa de feminicídio no continente americano, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (VIDA e LIMA, 2020).

No que consiste à questão econômica do país, a maior parte de sua receita advém da atividade agrícola, isso faz com que cerca de 4,8 milhões de pessoas atuem nesse setor da economia. Os principais produtos agrícolas destinados à exportação são: café, banana e camarão (FREITAS, 2020). Desse modo, Honduras também é chamado de República das Bananas, um país periférico controlado por uma potência. Tal nome é um termo pejorativo para um país, normalmente latino-americano, politicamente instável, submisso a um país rico e frequentemente com um governante corrompido e opressor (BECATTINI, 2020).

Além disso, recentemente, com o enfrentamento da pandemia do COVID-19, o país lida mais uma vez com a corrupção. O Conselho Nacional Anticorrupção (CNA) de Honduras avaliou em mais de R$ 4,16 milhões as perdas do governo devido às irregularidades detectadas no manuseio para meios de combate ao Covid-19. Em seu relatório “Corrupção no tempo de Covid-19”, a CNA indica entre os procedimentos suspeitos a compra de 40 respiradores dos Estados Unidos por 15,5 milhões de lempiras (cerca de R$ 3,26 milhões). Eles também se referem aos trabalhos de adaptação do Centro de Atendimento de Emergência Respiratória à crise da saúde, avaliada em quase R$ 883 mil. No caso dos respiradores, pelo menos 32 não foram utilizados porque faltam peças. Entre eles, cabos, conectores e sensores e outros equipamentos não são ideais para pacientes infectados com o novo coronavírus (CNA,2020).

A partir desse momento, vozes como a do presidente da Faculdade de Medicina de Honduras, Suyapa Figueroa, alertaram o governo que os modelos adquiridos não eram adequados para os casos do Covid-19. Em relação às obras do Centro de Atenção a Emergências Respiratórias, o objetivo foi construir uma sala de triagem e remodelar duas salas de observação. Entretanto, a sala foi construída apenas em um local diferente do combinado e com outros materiais. Embora esses casos de corrupção relatem perdas monetárias que poderiam ser usadas efetivamente para lidar com a pandemia, o país tem um total de 2.080 casos Covid-19 (CNA,2020).

Nesse contexto, podemos voltar às teorias de Relações Internacionais, com Immanuel Wallerstein que explica exatamente esse fenômeno que Honduras sofre: o autor, através da obra de Martins (2015), escreve “O Sistema Mundial Moderno”, a partir do conceito de divisão internacional do trabalho produzida pela estrutura capitalista. Dessa maneira, Wallerstein elabora sua tese, enunciando que a componente central dessa estrutura internacional resulta na divisão do mundo em três estamentos hierárquicos: centro, periferia e semiperiferia.

Nessa divisão, formada a partir dos primórdios do capitalismo ocidental, os países ocupam uma função na ordem produtiva capitalista, sendo que os países centrais ocupam-se da produção de alto valor agregado, os periféricos fabricam bens de baixo valor e fornecem commodities e matérias-primas para a produção de alto valor dos países centrais e, por fim, os países da semiperiferia, ora comportam-se como centro para a periferia, ora como periferia para os Estados centrais, tendo um papel intermediário. Esse padrão de troca desigual cria uma relação de dependência entre os países periféricos e os do centro, acentuando essa diferença econômica e fazendo com que esses Estados periféricos se tornem dependentes de empréstimos e de ajuda financeira e humanitária dos países centrais. Neste quesito, a Teoria do Sistema Mundo se aproxima da Teoria da Dependência. Esta coloca sua ênfase na criação de relação estrutural de dependência (MARTINS, 2015).

Por fim, entendemos que Honduras sofre prejuízos, assim como outros países latinos, às custas de países ricos e poderosos. Embora me atrevo a dizer que a cultura da corrupção esteja enraizada nestas nações, o povo clama por mudanças e por um futuro melhor, em que possam usufruir de uma realidade menos dolorosa e violenta.

¹MACCIH: A Missão de Apoio à Corrupção e Impunidade em Honduras trabalha para apoiar o país na luta contra a corrupção e a impunidade de uma perspectiva abrangente. Não apenas trabalham na investigação de casos relevantes que envolvem redes de corrupção públicas e privadas, mas o esforço está focado na reforma e no fortalecimento da estrutura institucional para evitar esse flagelo, que está minando a credibilidade de suas autoridades e do sistema político (OEA,2020).

²Lempira: moeda hondurenha

Referências

BECATTINI, Natália. República das Bananas: como uma companhia mudou a América Latina. Disponível em: https://www.360meridianos.com/especial/republica-das-bananas. Acesso em: 30 julho 2020.

BRITANNICA ESCOLA. Honduras. Disponível em: https://escola.britannica.com.br/artigo/Honduras/481517. Acesso em: 30 julho 2020.

CNA. LA CORRUPCIÓN EN TIEMPOS DEL COVID-19. Disponível em: https://www.cna.hn/2020/07/20/la-corrupcion-en-tiempos-del-covid-19-parte-viii/. Acesso em: 30 julho 2020.

FRANCISCO, Wagner de Cerqueira. Honduras. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/honduras.htm. Acesso em: 30 julho 2020.

FREITAS, Eduardo. Honduras. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/honduras.htm. Acesso 30 julho 2020.

MARTINS, José Ricardo. Immanuel Wallerstein e o sistema-mundo: uma teoria ainda atual? Disponível em: https://iberoamericasocial.com/immanuel-wallerstein-e-o-sistema-mundo-uma-teoria-ainda-atual/. Acesso em: 30 julho 2020.

MRE. República de Honduras. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/6440-republica-de-honduras. Acesso em: 30 julho 2020.

VIDA, Melissa; Rafael Lima. As verdadeiras razões porque pessoas estão fugindo de Honduras. Disponível em: https://pt.globalvoices.org/2020/02/09/as-verdadeiras-razoes-porque-pessoas-estao-fugindo-de-honduras/. Acesso em: 30 julho 2020.

Djamilly Rodrigues

Graduanda em Relações Internacionais e Diretora de Conteúdo do Dois Níveis.

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