A INTEGRAÇÃO REGIONAL NA AMÉRICA DO SUL: O RENASCIMENTO DA UNASUL

A INTEGRAÇÃO REGIONAL NA AMÉRICA DO SUL: O RENASCIMENTO DA UNASUL

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INTRODUÇÃO

A Unasul (União de Nações Sul-Americanas) entrou novamente na pauta de discussões sobre a política externa na América do Sul após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2023) manifestar, logo no começo de seu terceiro mandato, que “o Brasil volta a olhar para seu futuro com a certeza de que estaremos associados aos novos vizinhos bilateralmente, no Mercosul, na Unasul e na Celac” (n.p.). Este discurso se concretizou com o Decreto nº 11.475 de 2023, no qual o tratado da Unasul é ratificado. Assim, o Brasil foi reintegrado oficialmente ao bloco regional em 6 de maio deste ano.

A ONDA ROSA

O retorno do maior país da região é visto com otimismo para a integração regional, somado ao fato de haver um novo alinhamento ideológico soberano no subcontinente, tornando evidente a possível volta da Unasul e de toda sua estrutura para o desenvolvimento regional. No entanto, ressalta-se que a política externa sul-americana no século XXI se concretizou em ondas ideológicas – fenômenos conhecidos como Onda Rosa e Onda Conservadora. Logo, para ser possível estimar o futuro da Unasul, é necessário compreender seus alinhamentos ideológicos e os impactos nos blocos regionais 

O início do século XXI é marcado pela ascensão de governos de esquerda e centro-esquerda na América Latina, mas principalmente na América do Sul. Essa ascensão se deu, segundo Costa (2018, p.53), “principalmente à frente do descontentamento acerca do modelo neoliberal”. Neste período, nove países da América do Sul foram governados por Presidentes de esquerda ou centro-esquerda. Desta forma, fica claro o alinhamento ideológico majoritário nos primórdios deste século. “Essa ascensão das esquerdas na região, por sua relativa sincronia e delimitação regional, constitui em si mesma um processo sociopolítico único […] o fenômeno foi chamado de onda rosa latino-americana” (SILVA, 2015, p. 2).

Diante disso, o fenômeno se constituiu e se reforçou, devido à característica do avanço deste espectro ideológico na região, pois houve a capacidade de reproduzir os mandatos, já que os governantes que se expuseram às eleições após seu governo foram reeleitos ou elegeram seus sucessores. Assim, pela envergadura deste movimento, trata-se de uma tendência que marcou a política latino-americana na primeira década e meia deste século. 

Presidentes da Onda Rosa. Fonte: COSTA, 2018 e SILVA, 2015

A CONSTITUIÇÃO DA UNASUL

A Unasul surge de forma conjunta ao fenômeno da Onda Rosa. Nasce a partir de seu tratado constitutivo que foi realizado em Brasília, em 23 de maio de 2008, e assinado pelos 12 países membros: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. É notável que as nações se posicionaram para criar uma instituição com caráter também de cunho social, esclarecendo que não seria unicamente um bloco econômico. Isto é afirmado no segundo artigo do tratado:

“A União de Nações Sul-Americanas tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensual, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a eliminar a desigualdade socioeconômica.”

(UNASUL, 2017?, p. 8).

Esses diversos objetivos são compreendidos por Barnabé (2011) como fato de que a Unasul percorreu um caminho inverso, já que difere de outros blocos que começam por acordos econômicos para depois avançar para esferas institucionais e políticas. É notória a maneira que essa tentativa de ampliar a integração regional buscou alterar a maneira de cooperação na América do Sul.

O caráter institucionalizado da Unasul é refletido em sua estrutura de trabalho, sendo disposta em três conselhos superiores, a secretaria geral, duas instâncias permanentes sobre saúde e defesa e, ainda, 12 conselhos setoriais que explicitam o caráter multidimensional dos assuntos tratados pela Unasul. Por fim, cabe destacar que, no final da primeira década do século XXI, o bloco era entendido como um caso de sucesso. O organismo já tinha consolidado sua estrutura interna, as agendas estavam funcionando e suas capacidades de atuação haviam sido experimentadas (HERNÁNDEZ; MESQUITA, 2020).

DESMANTELAMENTO DA UNASUL

No entanto, como já é sabido, a Unasul sofreu um desmantelamento de todo o seu projeto. Este fato pode ser associado a diferentes movimentos. Inicialmente, não havia a Cúpula dos Chefes de Estado e de Governo desde 2014. Outro motivo, que demonstra como a organização intergovernamental estava regredindo, era o fato de se encontrar sem   secretário-geral desde janeiro de 2017. Isto aconteceu pelo fato de que “toda a normativa da Unasul será adotada por consenso” (UNASUL, 2017?, p. 17). O veto de quatro países (Equador, Bolívia, Venezuela e Suriname) para a indicação do embaixador argentino José Octávio Bordón impossibilitou a nomeação ao cargo. Este impasse teve por consequência a retirada da metade dos países que compõem o bloco.

Essa debandada iniciou-se em 27 de agosto de 2018, quando a Colômbia oficializou sua decisão de retirada do bloco, por meio do recém-eleito Iván Duque (2018 – 2022). O então chefe de Estado colombiano representou a crítica mais ferrenha contra a Unasul desde a decisão. Argentina, Brasil, Chile, Equador, Guiana, Paraguai e Peru denunciaram o tratado constitutivo e também deixaram a União. Posteriormente, o Equador (2019) e o Uruguai (2020) também anunciaram a saída. Paradoxalmente, todos os países estavam com governos ideologicamente alinhados à direita (HERNÁNDEZ; MESQUITA, 2020). Assim, demonstraram o quanto a integração regional estava a um passo de alterar-se novamente no século XXI. Além disso, as alternâncias ideológicas e as crises na Unasul esclarecem como o avanço da direita e centro-direita na América do Sul causou reflexos no bloco e na sua proposta de integração regional, já que a mudança do posicionamento ideológico dos governantes pode ter provocado o enfraquecimento da instituição (COSTA, 2018).

Por fim, a ascensão de governos de direita na região inicia a criação de uma nova convergência ideológica regional que colocará a integração em outras formas, com prioridades e objetivos diferentes. Assim, o enfraquecimento da Unasul persistiu e, como consequência, houve a iniciativa de um novo projeto de integração regional.

A ONDA CONSERVADORA

Este novo projeto surge devido ao movimento oposicionista à Onda Rosa na América do Sul, que aconteceu, em maior parte, na metade da segunda década deste século, alterando a ideologia predominante na região para o espectro ideológico de direita ou centro-direita.

São destacados por Costa (2018) dois principais fatores para o crescimento dos governos conservadores: primeiro, o grande número de escândalos de corrupção envolvendo os partidários do governo, e, assim, o sentimento de necessária “mudança”. O segundo fator é a crise dos governos em decorrência da queda dos preços das commodities, algo que abalou a economia de diversos países na América do Sul.

Esta guinada na ideologia de direita e centro-direita aconteceu em cinco países da região, entre eles os mais influentes: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Paraguai. Porém, é válido ressaltar que a onda conservadora que se formou no subcontinente não significa um consenso político nos países, uma vez que as eleições foram marcadas por pleitos acirrados (COSTA, 2018). Este é um exemplo que consolida que não há consenso ideológico, ponto perceptível na futura alternância ideológica dos governantes dos países supracitados.

Por fim, devido ao avanço da onda conservadora na América do Sul, foi criada uma nova iniciativa na região, o Foro para o Progresso da América do Sul (Prosul), que substituiu a Unasul com uma proposta simplória e genérica para a integração regional (OLIVEIRA CRUZ, 2020).

Presidentes da Onda Conservadora. Fonte: COSTA, 2018.

CONSTITUIÇÃO DO PROSUL

A criação do Prosul foi realizada na Cúpula Presidencial de Integração Sul-Americana, no dia 22 de março de 2019 em Santiago. Seu tratado constitutivo foi assinado por representantes de oito países: Argentina, o Brasil, o Chile, o Paraguai, o Peru, o Equador, a Guiana e a Colômbia.

O bloco se define como:

“O Foro para o Progresso e Integração da América do Sul, é um mecanismo de coordenação, cooperação e integração regional, sustentado na preservação dos valores democráticos, a promoção das liberdades e o respeito pelos direitos humanos”

(PROSUR, 2019, p. 2, tradução nossa)

Desta maneira, o Prosul posicionou-se como um Foro de diálogo e cooperação, definindo assim a defesa dos valores democráticos, algo que faz questão de ser ressaltado em suas diretrizes, afinal, é requisito essencial para participação no bloco o Estado de Direito, a Democracia representativa, as eleições livres e a separação dos Poderes de Estado (PROSUR, 2019).

Sua estrutura de trabalho se dá em áreas prioritárias de ação do Foro. No entanto, podem ser incorporadas outras matérias com a aprovação da reunião de ministros de Relações Exteriores. Destaca-se que nas diretrizes de funcionamento não há indicação precisa do que deverá ser discutido. Apenas são feitas indicações genéricas para estas áreas de trabalho. A partir disso, Hernández e Mesquita (2020) afirmam:

“Prosul não tem o grau de institucionalização e formalização jurídica que a Unasul tinha. Ele é, na verdade, um foro onde a tomada de decisões não teria mais obrigatoriedade derivada dos compromissos assumidos com um caráter puramente político e inclusivo a nível pessoal dos dirigentes, em oposição à formalização institucional em conselhos da Unasul.”

(p.555).

As análises sobre a estrutura do Prosul são diversas. Como já foi exposto, a falta de institucionalidade comparada a Unasul é evidente. Pois sua postura de excluir a Venezuela torna-se explícito, devido à  cláusula democrática ser requisito de entrada no bloco, evidenciando uma visão ideológica. Frenkel (2019) afirma que o “Prosul não se propõe a agregar um novo prato ao menu de organismos regionais, mas restringir os comensais segundo a afinidade ideológica […] a Unasul conteve diferentes formas de ver o mundo, o Prosul carece de pluralidade” (n.p., tradução nossa).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desta forma, cabe concluir que parece insuficiente o papel do Prosul de contribuir para a integração sul-americana. Afinal, a ideia de que é uma instância que carece de ideologização e rigidez institucional, comparada com sua antecessora, não é somente difícil de sustentar com evidências, mas que tão pouco parece ser uma explicação plausível para o resto dos atores regionais (FRENKEL, 2019).

Atualmente, o espectro ideológico majoritário na América do Sul é o de esquerda e centro-esquerda, onde  estão os países mais influentes da região. Este cenário é propício para o retorno da Unasul – ainda mais se considerar que não há futuro para o Prosul. No entanto, destaca-se que os governos atuais da região foram eleitos em pleitos acirrados.  Portanto, não há uma hegemonia como no início do século XXI, o que torna improvável uma reprodução idêntica daquela Onda Rosa. Desta forma, urge a necessidade de dissociar a Unasul e seu projeto de uma visão ideológica de sua criação e funcionamento. Afinal, para o futuro do bloco e seu progresso, os atores devem cooperar além dos mandatos de seus governantes atuais e baseado em pontos mais pragmáticos e não em rótulos políticos.

REFERÊNCIAS

BARNABE, Israel Roberto. Unasul: desafios e importância política. Mural Internacional, [S.I.], v. 2, n. 1, p. 40-48, jun. 2011. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/muralinternacional/article/view/5380/3943. Acesso em: 27 abr. 2023. 

COSTA, J. F. D. Integração regional na América Latina: A Unasul no contexto de ascensão e queda dos governos de esquerda. 2018. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Estadual Paulista. 2018. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/182097. Acesso em: 27 abr. 2023.

FRENKEL, A. Prosur: el último Frankenstein de la integración sudamericana. Nueva Sociedad [online], jun. 2019. Disponível em: https://nuso.org/articulo/prosur-integracion-america-latina-derecha-alianza/. Acesso em: 27 abr. 2023.

HERNÁNDEZ, L. G; MESQUITA, B. D. C. M. Da Unasul ao Prosul: (contra)dinâmicas na integração regional e suas consequências acumulativas. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, Dourados, v. 9, n. 18, p. 538-563, 2020. Disponível em: https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/moncoes/article/view/11972. Acesso em: 27 abr. 2023.

LULA DA SILVA, L. I. DISCURSO do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, na abertura da VII reunião de Cúpula da Celac [online]. Buenos Aires, 24 de jan. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos-e-pronunciamentos/2023/discurso-do-presidente-da-republica-luiz-inacio-lula-da-silva-na-abertura-da-vii-reuniao-de-cupula-da-celac. Acesso em: 27 abr. 2023

OLIVEIRA CRUZ, D. A. M. Os rumos da integração regional no subcontinente: da Unasul ao Prosul, o que mudou?. Revista de Geopolítica, v. 11, n. 4, p. 111-122, 2020. Disponível em: http://www.revistageopolitica.com.br/index.php/revistageopolitica/article/view/306/260. Acesso em: 27 abr. 2023.

SILVA, F. P. D. Da onda rosa à era progressista: a hora do balanço. Revista Sures, n. 5, p. 67-94, 2015. Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/sures/article/view/295/279. Acesso em: 27 abr. 2023.

PROSUR. Lineamientos para el Funcionamento del Foro para el Progreso e Integración de América del Sur – PROSUR. 2019. Disponível em: https://foroprosur.org/wp-content/uploads/2020/09/Declaracion-de-Ministros-de-RREE-1.pdf. Acesso em: 27 de abr. 2023

UNASUL. Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas [online], Brasília, DF, 23 maio 2017?. Disponível em: https://www.gov.br/defesa/pt-br/arquivos/relacoes_internacionais/unasul/normativaa_unasula_2017.pdf. Acesso em: 27 abr. 2023.

Fellipe Pietrowski Teixeira

Bacharel em Relações Internacionais pela UNISC. Interessado em política internacional, análise de política externa e aprofundo minhas pesquisas no âmbito de américa latina, integração regional e política externa.

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