A CRISE CLIMÁTICA COMO RESULTADO DA DETERIORAÇÃO DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA

A CRISE CLIMÁTICA COMO RESULTADO DA DETERIORAÇÃO DA RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA

A construção da relação entre sociedade e natureza ao longo da história da evolução humana perpassou entendimentos conceituais, contextuais e valorativos. O ser humano, ao tratar a natureza como infinita, inesgotável e um mero instrumento para o desenvolvimento e o crescimento econômico,  foi o principal responsável pela crise ambiental no século XXI. Para compreender mais profundamente como essas concepções repercutem nos altos índices de degradação ambiental que vêm sendo alcançados no período  Antropoceno [1], propõe-se a explanação de acontecimentos fundamentais para a área do Meio Ambiente e uma análise a partir de diferentes óticas proporcionadas pelas Relações Internacionais.

As múltiplas facetas da natureza  

Para compreender  o que é a natureza, pensa-se no meio ambiente, nas áreas verdes, nos biomas exóticos, nos oceanos intermináveis, nos ecossistemas autossuficientes e nas descobertas inimagináveis. Cada organização civilizatória pensa sobre o tema de forma única, o que altera a trajetória civilizacional, a relação homem-natureza, o conhecimento e o sustento adquirido por uma sociedade por meio dessa relação. A natureza pode ser vista como: símbolo religioso, local sagrado e de vivência social; fonte de recursos para a construção de instrumentos de trabalho; ou uma máquina a ser explorada em busca do desenvolvimento capitalista. 

A natureza como casa na Pré-História

Durante o período Paleolítico (até 8.000 a.C), conhecido como Idade da Pedra Lascada, o Homo Sapiens tinha uma vida nômade, ou seja, não ficava instalado em um único local. A economia na época baseava-se na coleta e na caça, além de ser muito atrelada ao fogo, importante para o domínio de locais escuros e cozimento de alimentos (SOFFIATI, 2020). A arte rupestre – encontrada no interior de cavernas devido ao fogo – permitiu um mapeamento antropológico do cotidiano dos Homo Sapiens durante o período (SOFFIATI, 2020). Desde então, concluiu-se que a natureza era o local onde viviam, relacionavam-se, alimentavam-se, e a fonte de tudo que construíam e desenvolviam. 

Já o período Neolítico (8.000 a.C a 3.000 a.C) ou Idade da Pedra Polida foi marcado por uma mudança climática brusca quando comparado com a Era Paleolítica, que viveu períodos glaciais (TATTERSALL, 2008). As temperaturas do globo se elevaram, distinguindo-se do clima frio característico do período anterior, o que causou diferenças na natureza, como o aumento do nível dos oceanos em razão do derretimento de geleiras, além de desafios para flora, fauna e sociedades humanas (SOFFIATI, 2020). Como consequência dessas mudanças, muitas espécies foram extintas; houve o deslocamento de flora e seres vivos para regiões mais frias; e tornou-se obrigatória a adaptação às novas condições climáticas (SOFFIATI, 2020).  

Para se adequarem, os seres humanos inventaram a agricultura, o pastoreio, a domesticação de animais e do fogo e construíram abrigos, além de tornarem-se sedentários e criarem uma economia de produção com divisão de trabalho, diferenciação social e aperfeiçoamento de técnicas e instrumentos (TATTERSALL, 2008). Nesse período, compreende-se que houve uma alteração na concepção de natureza ao perceber que ela poderia trazer mais benefícios ao ser humano do que se imaginava. Ou seja, ela deixa de ser apenas uma casa e passa a ser mais explorada e domesticada, tornando-se uma fonte para a agricultura e outras atividades nessas comunidades. 

Com a análise dos dois períodos históricos, fica claro como o contexto e a evolução vão modificando o consenso do que a natureza representa e, consequentemente, a sua relação com a sociedade. As civilizações em locais como a Mesopotâmia, muito dependente dos rios Tigre e Eufrates [2], e o Egito, tendo como essencial o rio Nilo, comprovam que aquilo que estava disponível era utilizado pelo ser humano para tentar maximizar a construção de uma sociedade, mesmo que ele precisasse se adaptar mais à natureza do que o contrário (SOFFIATI, 2020). Historicamente, essa  relação foi se degradando, até chegar ao ponto em que guerras, conquistas de território e formas de desenvolver-se economicamente fossem pautas mais priorizadas pelas pessoas do que o meio ambiente.

A ressignificação da relação homem-natureza

Dessa forma, os dois pontos históricos cruciais para a mudança do caráter cooperativo  para o exploratório foram o descobrimento das Américas no século XIII e a I Revolução Industrial no século XVIII (SOFFIATI, 2020). A princípio, com a corrida para a colonização, feita inicialmente pelos espanhóis e portugueses, foi comprovado que a natureza havia se tornado apenas um ambiente onde o ser humano vivia. Diferente da forma que as sociedades nativas tratavam o meio em que viviam, os colonizadores não tinham o hábito de estar em comunhão com a natureza e tratá-la como sua casa, o que gerou um impacto. Todavia, no momento em que os europeus impõem seus costumes e ditam o certo de acordo com a visão eurocêntrica, o laço entre aquela sociedade e a natureza começa a romper, principalmente com as subsequentes atividades de exploração mineral e agrícola (SOFFIATI, 2020). 

No século XVIII, iniciou-se a Revolução Industrial na Grã-Bretanha, que pode ser compreendida como o epicentro do esquecimento humano de que a natureza é finita, principalmente devido aos impactos que a industrialização exacerbada teve sobre o meio ambiente (SAFDIE, 2023). Vale ressaltar que foram diversas revoluções industriais ao longo da história, que contribuíram para o crescimento das cidades, o aumento da poluição e o uso de combustíveis fósseis que eram emitidos na atmosfera (SAFDIE, 2023).

Figura 1 – Imagem representativa de uma fábrica na Revolução Industrial
Fonte: Museums Victoria (2019).

A partir do aumento acelerado da industrialização, da população nas cidades e da interferência humana no meio ambiente nos séculos seguintes, a degradação dos ecossistemas e o comprometimento da estabilidade ecológica tornaram-se verídicos. Assim, a crise climática pode ser vista como a concretização de séculos de atitudes e pensamentos corrosivos e não-sustentáveis advindos do desgaste da relação homem-natureza.

A crise ambiental na ótica internacional

Para pensar a relação natureza-sociedade pela ótica das Relações Internacionais, pontua-se, primeiramente, a importância do regime internacional [3] do meio ambiente e como ele vem ganhando relevância na agenda global (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016), principalmente em razão dos desastres ambientais cada vez mais frequentes. Esse aumento da preocupação e do alarde global em relação à produção e à exploração exacerbadas trouxe para  discussão a possibilidade do desenvolvimento sustentável e como ele pode ser o ponto de partida para reverter a crise climática. 

Em relação à agenda global, a pauta ambiental vem se tornando elemento de constante debate nos fóruns internacionais – como a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas – principalmente em razão da percepção de que a crise climática já é um problema de segurança para os Estados (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016). Como exemplo, a emissão de gases prejudiciais à natureza pioram a qualidade do ar e provocam doenças respiratórias, causando problemas para a saúde pública de uma cidade. Em suma, consequências da má gestão da natureza podem ser encontradas em diferentes esferas públicas. 

Por último, a discussão recorrente nas esferas internacionais também diz a respeito de quanto cada Estado vem contribuindo para a piora do quadro climático mundial. De acordo com o Emissions Database for Global Atmospheric Research, China, Estados Unidos e União Europeia são os responsáveis pelo maior percentual de carbono emitido na atmosfera, enquanto países insulares e mais pobres são os mais atingidos pelos desastres climáticos, como furacões, terremotos e queimadas. 

Entretanto, a crise ambiental é comum a todos, podendo ser relacionada ao conceito de Tragédia dos Comuns formulado por Garret Hardin. A partir dessa teoria, entende-se que a natureza é de todos e que cada ser vivo vai tentar maximizar seus ganhos a partir dela. Porém, depois de séculos no mesmo mecanismo, chega-se à  tragédia onde “Cada homem está preso em um sistema que o compele a aumentar seu rebanho sem limites – num mundo que é limitado” (HARDIN, 1968, p.4).

Figura 2 – Menos é mais. É ecológico.
Fonte: Nik (2019).

Considerações finais

No Antropoceno, que é vivido desde a criação das grandes civilizações, o humano é o centro do universo e a natureza apenas uma propriedade dele (SOFFIATI, 2020). Percebe-se, com ele, que “(…) a humanidade está atingindo os limites planetários, o que pode levar a uma ruptura ambiental sistêmica” (SANT’ANNA; MOREIRA, 2016, p.223). A conclusão é simples: a relação entre natureza e sociedade deve mudar. Se tantas concepções já foram criadas e extintas, se tantas sociedades já cuidaram da natureza, não seria capaz, o ser humano da tecnologia, do mundo contemporâneo e hiper virtual, fazer as pazes com a natureza? Ou o egocentrismo, as disputas político-econômicas, os assuntos mais “relevantes” da agenda internacional vão ofuscar a emergência ambiental? Será que o planeta Terra vai sobreviver ao maltrato, ou a degradação sem fim vai chegar ao poder até se auto extinguir?

Recomendações

Caso tenha interesse em aprofundar no conceito do Antropoceno, recomendo duas publicações interessantes sobre o tema:

Para se informar sobre as conferências internacionais de mudanças climáticas ou sobre o Regime Internacional de Mudanças Climáticas: 

Notas

[1] O Antropoceno iniciou-se no século XVIII com a criação da primeira máquina a vapor e se estende até os dias atuais, sendo definido como a era geológica em que a relação homem-natureza é exploratória, gerando impacto das atividades humanas na terra (CRUTZEN; STOERMER, 2020).

[2] “O povo da Mesopotâmia domou e domesticou os rios, particularmente o Eufrates, controlando sua grande força e usando a água para muitas de suas necessidades (…)” (PODANY, 2014, p.28, tradução nossa).

[3] “Conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos decisórios implícitos ou explícitos, em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma dada área das relações internacionais” (KRASNER, 1983, p.2, tradução nossa).

Imagens

MUSEUMS VICTORIA. Foto em tons de cinza do homem fazendo trabalho mecânico. 18 dez. 2019. 1 fotografia. Disponível em: https://unsplash.com/pt-br/fotografias/FOPuzIKOnA0. Acesso em: 05 jun. 2023. 

NIK. Grupo de pessoas com sinalização. 25 maio 2019. 1 fotografia. Disponível em: https://unsplash.com/pt-br/fotografias/vbFC9BCo95M. Acesso em: 05 jun. 2023.

PADDY, O. Sullivan. Fotografia de foco seletivo de mãos. 25 maio 2019. 1 fotografia. Disponível em: https://unsplash.com/pt-br/fotografias/rsmlgiahfoU. Acesso em: 05 jun. 2023.

Referências

CRUTZEN, Paul; STOERMER, Eugene. O Antropoceno. [S.l]: Global Change Newsletter, 2000. Ebook.

EUROPEAN COMMISSION. The Emissions Database for Global Atmospheric Research. [S.l], 2022. Disponível em: https://edgar.jrc.ec.europa.eu/report_2022. Acesso em: 16 abr. 2023. 

HARDIN, Garret. A tragédia dos comuns. [S.l]:American Association for the Advancement of Science, 1968. Ebook.

KRASNER, Stephen D. International Regimes. New York: Cornell University Press, 1983. Ebook

PODANY, Amanda H. The Ancient Near East: A Very Short Introduction. New York: Oxford University Press, 2014. Ebook

SANT’ANNA, Fernanda Mello; MOREIRA, Helena Margarido. Ecologia política e relações internacionais: os desafios da Ecopolítica Crítica Internacional. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 20, p. 205-248, ago. 2016. 

SAFDIE, Stephanie. What was the Industrial Revolution’s Environmental Impact? [S.l], 2023. Disponível em: https://greenly.earth/en-us/blog/ecology-news/what-was-the-industrial-revolutions-environmental-impact. Acesso em: 02 jun. 2023.

SOFFIATI, Arthur. Breve história da globalização ocidental e seus custos ambientais. Revista de Geografia e Ecologia Política, [S.l], vol. 2, n. 1, p. 144-173, 2020.

TATTERSALL, Ian. The World From Beginnings to 4000 BCE. New York: Oxford University Press, 2008. Ebook.

Laura Silveira Curto Coelho

Graduada em Relações Internacionais da PUC Minas. Possui interesse nas áreas de Instituições, Sustentabilidade e Política Externa.

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