A PARADIPLOMACIA COMO FERRAMENTA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL

A PARADIPLOMACIA COMO FERRAMENTA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL

Antes de explicar esse fenômeno das Relações Internacionais, é importante ressaltar o que é a Diplomacia. A Diplomacia é amplamente conhecida como o meio em que os países, ou Estados, se relacionam no Sistema Internacional (SI) e defendem os seus interesses nacionais. Segundo o Ministério das Relações Exteriores (MRE, 2023) pode ser designada como a “influência de opiniões e atitudes públicas na formulação e na execução de políticas no plano externo”. A Diplomacia, Itamaraty e seu corpo de profissionais, além do presidente, têm papel fundamental na formulação da política externa brasileira, que é também um tipo de política pública. 

Para Cervo (2007), a diplomacia compreende a ação externa dos governos expressa em objetivos, valores e padrões de conduta vinculados a uma agenda de compromissos pelos quais se pretende realizar determinados interesses (ROCHA, 2011). Esta prática é um dos principais instrumentos da política externa estatal, a qual representa o conjunto de decisões políticas e ações do Estado no seu relacionamento com seus semelhantes e organizações internacionais (JUNQUEIRA, 2015). Mas você já ouviu falar na Paradiplomacia?

O que é a Paradiplomacia?

O termo, inicialmente cunhado por Soldatos (1990), designado “paradiplomacia” pode ser entendido como o desenvolvimento de uma ação externa institucionalizada por parte de governos subnacionais. Segundo o autor, “paradiplomacia” significa “diplomacia paralela”. Esse fenômeno surgiu no contexto da redemocratização, na América Latina, e hoje, muitos estados e municípios brasileiros, possuem estruturas burocráticas de gestão das relações internacionais (SALOMON, 2012). A globalização, a dependência econômica, as cadeias de produção, a multiplicação de organismos internacionais, ONGS e empresas transnacionais abriram espaço para atores, além dos Estados nacionais, interagirem e atuarem no cenário internacional (ROCHA, 2011). 

De acordo com estudiosos de Relações Internacionais, Hocking (1997) e Paquin (2004), os governos subnacionais têm uma “condição mista” como agentes de relações internacionais. Ora são “limitados pela soberania” , ora são “livres de soberania”. Neste sentido, dispõem de mais liberdade de escolha entre os temas da agenda internacional do que os governos centrais, por exemplo, além de possuírem outros instrumentos e competências de política externa. Sendo assim, se tornam importantes agentes de  formulação e difusão de políticas públicas alinhadas a agendas internacionais (SALOMON, 2012). Um debate acerca da pardiplomacia é que ela ainda pode ser considerada “ilegal” perante as diretrizes constitucionais propostas em 1988, mas a União acaba dando espaço de ação para os entes federativos, pois o Estado não consegue suprir todas as demandas sociais (JUNQUEIRA, 2015). 

A partir dessas colocações, podemos perceber que os governos subnacionais têm uma grande possibilidade de atender as demandas e especificidades locais de seus estados e municípios através da atuação política internacional, desenvolvendo agendas pensadas, especialmente, para a melhoria da sua população.

Como a paradiplomacia acontece?

Esse fenômeno político-econômico-social, ainda recente, refere-se a uma modalidade de cooperação internacional que se desenvolve de diversas maneiras e com objetivos específicos. Pode ser uma cooperação técnica, cooperação econômica, investimento e financiamento, ação humanitária. Pode vir de fundos públicos, privados, movimentar diferentes atores, envolver financiamento ou não, existem vários instrumentos, recursos, fundos e destinos para a realização de cooperação internacional pelos governos locais. A Paradiplomacia tem o potencial de atuar como uma agenda propulsora e paralela de desenvolvimento regional (ROCHA, 2011).

Para Mónica Salomón (2012), as principais atividades consideradas componentes da paradiplomacia são a cooperação transnacional, seja técnica ou política, bilateral ou multilateral, com outros governos subnacionais e a promoção comercial e econômica no exterior. Outras ações mais específicas de paradiplomacia são ações com o objetivo de obter financiamento de agências públicas internacionais, como FMI e Banco Mundial, por exemplo. Essa procura por recursos internacionais através da apresentação de propostas para o financiamento internacional de infraestruturas locais ou de projetos de utilidade social é considerada um componente fundamental da paradiplomacia e tem sido muito comum entre os países em desenvolvimento, como o Brasil (SALOMÓN, 2012). 

Os governos subnacionais, compartilham com o governo nacional, a responsabilidade pela sua população e seu território e devem, segundo a nossa Constituição Federal, zelar e buscar o desenvolvimento local e a inovação. Por isso, a Paradiplomacia ou Cooperação Descentralizada é um importante instrumento de promoção do desenvolvimento de políticas eficazes nas localidades. Ela intensifica os processos de interação entre local e global e fortalece a dimensão local das agendas políticas nacionais e regionais (ROCHA, 2011, p. 9).

Segundo  Mónica Salomón (2012):

Geralmente, quando há um governo local muito ativo nas áreas de política externa, existe um movimento de cidadãos bem organizado que opta por atuar através de canais oficiais para atrair a atenção e dar legitimidade a sua mensagem. Por isso, é válido dizer que um determinante importante da política externa subnacional é o ativismo de movimentos sociais bem-organizados. Quando não há mobilização de movimentos locais, que não canalizam suas iniciativas através do governo municipal, temas como ajuda humanitária, concessão de refúgio, direitos humanos, proteção ao direito das mulheres, etc., acabam não fazendo parte da paradiplomacia de um dado governo municipal (SALOMON, 2012, p. 26). 

Fonte: Pixabay (2023)

Quais os benefícios dessa prática?

No Brasil, esse movimento se deu devido a busca de captar recursos do exterior para compensar carências econômicas, o que trouxe resultados não só financeiros, mas também técnicos (ROCHA, 2011). Os Estados do Rio de Janeiro (1983) e Rio Grande do Sul (1987) foram os primeiros a criar secretarias de relações internacionais (SALOMÓN, 2012) a partir de reflexos advindos da Eco 92[1] e do Fórum Social Mundial[2] (JUNQUEIRA, 2015).


[1] A ECO 92 ou Rio 92 foi a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro em 1992. Ela contribui para que a pauta da conscientização ambiental e ecológica entrasse na agenda dos cinco continentes. Foram 175 delegações de países reunidos para definir medidas de enfrentamento para os problemas de emissão de gases causadores do efeito estufa e teve grande participação das Organizações da Sociedade Civil (IPEA, 2009).

[2] O FSM foi um espaço criado por movimentos sociais e organizações da sociedade civil, em contraposição ao Fórum Econômico Mundial, que vinha reunindo anualmente líderes empresariais e políticos em Davos, na Suíça, para discutir questões do capitalismo globalizado (https://www.fsm.org.br/).

Atualmente, algumas regiões e seus municípios possuem alguma estrutura de gestão de relações internacionais, especialmente, nas regiões sul e sudeste como Campinas (SP) e Belo Horizonte (MG) que fundaram suas secretarias em 1994, Santo André (SP) e Maringá (PR). E, conforme é apontado pela CNM (2011), todo o restante das Secretarias Municipais de Relações Internacionais (SMRIs) foi criado na década de 2000, em virtude de nuances internacionais e internas e do começo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003 (SOLOMON, 2012).

Segundo estudos empíricos realizados por Milani e Ribeiro (2011), entre 2007 e 2008 de 72 governos locais selecionados, apenas 29 possuíam uma estrutura formal de internacionalização, enquanto 22 fomentavam atividades paradiplomáticas sem apresentarem estruturas institucionais para tanto. Isso mostra que para a consolidação dessas estruturas é preciso muito planejamento e muitas variáveis precisam ser avaliadas como: localização geográfica, orçamento municipal restrito, permuta constante de partidos políticos na administração local que de certo modo inibem ou retardam o avanço das excursões externas das cidades, entre outras (JUNQUEIRA, 2015, p. 8, 9). 

Uma pesquisa de 2016, mostra que, dos 5570 municípios brasileiros, apenas 113 possuem estruturas paradiplomáticas formais (muitos municípios apesar de atuarem internacionalmente, não possuem estruturas formais de relações internacionais locais) e a maioria se concentra, respectivamente, nas regiões sudeste e sul, seguido pelo nordeste, norte e centro-oeste. (APRIGIO, 2016, p. 64). O que ainda é um número modesto em relação ao potencial do desenvolvimento da paradiplomacia no país.

Na pandemia da COVID-19, inclusive, foi muito comum estados e municípios tomarem a frente em negociações internacionais para adquirirem ajuda externa para lidar com a pandemia, seja na aquisição de respiradores e equipamentos ou na troca de insumos para produção de vacinas. Nesse contexto, a atividade paradiplomática ganhou destaque, pois possibilitou que gestores locais agissem mais “livremente” em prol do bem-estar da sua população. Um exemplo, entre tantos, é o estado do Maranhão que chegou a comprar cerca de 80 respiradores da China em 2020.

Considerações finais

Essa prática colabora para garantir o desenvolvimento regional, possibilidade de desenvolver suas próprias políticas econômicas, buscar investimentos externos para a  promoção de suas empresas no exterior, fortalece o desenvolvimento de uma agenda de cooperação técnica e política em temas que são responsabilidade dos municípios como meio ambiente, gestão urbana, educação, e a partir da parceria com outros atores internacionais. Os governos subnacionais encaram a paradiplomacia como um meio para conseguirem satisfazer suas necessidades imediatas (SALOMÓN, 2012).

Bibliografia

APRIGIO, André. Paradiplomacia e interdependência: As cidades como atores internacionais. Rio de Janeiro: Gramma Livraria e Editora, p. 18-99, 2016.

BARRETO, Pedro. História – Rio-92. ano 7, edição 56. Brasília. IPEA, 2009. 

https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2303:catid=28&Itemid

CERVO, A. Inserção Internacional: Formação dos Conceitos Brasileiros. Ed.1. Brasília: Ed.Saraiva, 2007.

FÓRUM Social Mundial – Um outro mundo é possível. Programa Oficial. Porto Alegre, 07 ago 2022. https://www.fsm.org.br/ 

JUNQUEIRA, Cairo Gabriel Borges. A Criação das Secretarias Municipais de Relações Internacionais (SMRIS) como Nova Realidade da Inserção Internacional dos entes Subnacionais Brasileiros. Boletim de Economia e Política Internacional | BEPI | n. 21 | Set./Dez. 2015. 

SALOMON, M. Em que medida é possível integrar a Cooperação Descentralizada na dimensão Sul-Sul da política externa brasileira? Revista Mural Internacional v. 3, n. 2 (2012) Disponível em:<https://www.epublicacoes. uerj.br/index.php/muralinternacional/issue/view/493< Acesso em: 27 mar 2022.

SALOMÓN, M. A Dimensão Subnacional da política externa brasileira: determinantes,

conteúdos e perspectivas. Política Externa Brasileira: As práticas da política externa brasileira, 2012.

Secretaria de Saúde do Estado. Mais 104 respiradores chegam ao Maranhão para reforçar combate ao COVID-19. https://www.saude.ma.gov.br/destaques/mais-104-respiradores-chegam-ao-maranhao-para-reforcar-combate-a-covid-19/ (acessado em 07/Ago/2023).

»https://www.saude.ma.gov.br/destaques/mais-104-respiradores-chegam-ao-maranhao-para-reforcar-combate-a-covid-19/ 

ROCHA, William Monteiro. Paradiplomacia, desenvolvimento e integração regional de

cidades amazônicas: desafios e especificidades do estado do Pará. In Proceedingsofthe 3rd

ENABRI 2011 3° Encontro Nacional ABRI 2011, 2011, São Paulo (SP, Brazil) [online]. 2011. Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC00000001220110

00300059&lng=en&nrm=iso>.

Fernanda de Oliveira Batista

Nortista, bacharel em Relações Internacionais pela UFGD e mestranda de Gestão de Políticas Públicas na USP-SP. Entusiasta da área das RI, Terceiro Setor e Políticas Públicas.

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