HERÓIS DO MAR, NOBRE POVO.

HERÓIS DO MAR, NOBRE POVO.

Monumento às navegações portuguesas em Lisboa [1]

O título deste artigo coincide com parte da primeira estrofe do hino nacional português. Seja a nível estratégico, político e econômico, ou sob ponto de vista bélico, Portugal é um país cuja história se caracteriza pelo heroísmo e posição de vanguarda dos Oceanos e do Mar, sendo pioneiro do multiculturalismo e da cartografia. Atualmente, o país tem jurisdição sobre cerca de metade das águas marinhas da União Europeia, em espaços adjacentes ao continente europeu, e sobre uma vasta área de solo e subsolo marinhos no Atlântico Nordeste, com a 3ª maior zona econômica exclusiva (ZEE) da Europa (BARROS, 2022).

O espaço marítimo ocupa 70% do globo e as áreas oceânicas são indispensáveis à atividade humana. No passado, esses espaços eram sinônimos de poderio militar e expansivo. Nos dias atuais, diante das rotas de recursos naturais e energéticos, tornou-se um verdadeiro espaço monetário. Dessa forma, a posição geográfica dos países costeiros, resulta não só em oportunidades advindas dessa posição estratégica e captação de recursos, mas também na responsabilidade e no desenvolvimento de uma estrutura naval apta a viabilizar uma capacidade de manobra política e estratégica nos seus espaços oceânicos. O presente artigo tem o objetivo de demonstrar como Portugal foi um case bem-sucedido de aplicação dos princípios e teorias de Alfred Mahan sobre o Poder Marítimo.

ALFRED MAHAN E O PODER MARÍTIMO COMO ASPECTO DA GEOPOLÍTICA 

Afred Mahan nasceu em 1840 e se formou em 1859, na U.S. Naval Academy. É autor do livro “The Influence of Sea Power Upon History”, publicado em 1890, que ficou conhecido como a “Bíblia” para muitas marinhas ao redor do mundo, sendo baseado nas aulas ministradas pelo autor na Naval War College (SEMPA, 2015).  

As teorias de Alfred Mahan acerca do poder marítimo são um marco nas concepções geopolíticas e geoestratégicas. Ao traçar os seus objetivos centrais, o teórico deixou clara a demonstração da importância do mar no desenvolvimento dos países, bem como a compreensão dos princípios balizadores da guerra marítima desde a antiguidade. 

Nas palavras do Almirante António da Silva Ribeiro, Comandante Nacional da Polícia Marítima Portuguesa e ex-Chefe do Estado Maior da Armada e da Autoridade Marítima Nacional Portuguesa (RIBEIRO,2010.Pág.19):

“A obra The Influence of Sea Power upon History”é a peça fundamental do seu pensamento estratégico sobre os assuntos marítimos. Foi amplamente traduzida e publicada, adaptada e parafraseada e deu origem a uma verdadeira escola, que ofereceu simplicidade e entendimento, onde antes só parecia haver complexidade e confusão.” 

Retrato de Alfred T. Mahan [2]

Mahan baseou sua teoria em um trio de aspectos que julgava essenciais: a força da economia na produção de bens, que possibilita a troca e o desenvolvimento do país; os recursos para viabilizar o transporte de bens pela marinha mercante; e a importância das colônias que eram imprescindíveis como base de trocas de produtos e apoios de navio (MAHAN, 1890 apud ALMEIDA, 2010). O teórico considerava essencial o desenvolvimento do poder marítimo, fortalecendo o poder naval, bem como o fomento da marinha mercante e suas bases, estaleiros e portos eficientes. Tudo de modo a viabilizar o controle dos mares e oceanos no comércio global, como afirmação de poder (BONFIM, 2005). 

Diante dessa base teórica, a concepção de que a geopolítica pode ser representada por um tabuleiro de xadrez global ganhou espaço, com a combinação de características geográficas que alteram o valor estratégico dos lugares. Assim, os elementos como espaço, posição e recursos passaram a determinar a formulação das políticas e da conduta de um Estado no Sistema Internacional. 

A GEOGRAFIA MARÍTIMA PORTUGUESA

 Portugal é um país europeu, atlântico, cuja inscrição cultural está no mundo latino e mediterrânico. Trata-se de um país de média dimensão, se comparado com os demais países da Europa. Contudo, sua zona econômica exclusiva (ZEE), sobre a qual detém os direitos de exploração, conservação e administração de todos os seus recursos, é a terceira maior da União Europeia. Some-se a isso o seu território que inclui as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, totalizando uma superfície que ronda 1.700.000 km², ampliando sua fronteira em uma área que equivale a 18 vezes a área total do país (INFOPÉDIA, 2021). 

O navio de guerra Rainha de Portugal, da esquadra do Marquês de Nisa, e a esquadra do Almirante Ball durante o bloqueio de Malta, em Outubro de 1798. [3]

O país teve um passado de glórias no que tange ao poder marítimo, sendo um dos primeiros países na Europa a se lançar ao mar no período das Grandes Navegações, nos séculos XV e XVI, quando o pioneirismo português se tornou amplamente conhecido na conquista dos oceanos. Isso ocorreu devido ao investimento de uma classe burguesa abastada nas navegações, na busca pelo comércio em diferentes partes do mundo. 

Nesse sentido, foram desenvolvidos estudos marítimos, nomeadamente pela Escola de Sagres, que transformou os portugueses em grandes comerciantes e investidores nas rotas marítimas de comércio. Tudo isso, associado às possibilidades trazidas pelas colônias, elevou o país ao posto de um dos maiores entrepostos comerciais durante o período das Navegações Marítimas (CARVALHO, 2019). 

Atualmente, a dependência de Portugal à via marítima ainda é acentuada, diante dos fatores de preço e facilidade de ligação com os países do norte da Europa e da sua localização próxima ao Canal do Panamá e da costa leste norte-americana. No que tange às relações externas, viu-se um reforço da sua presença na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a qual é membro fundador, ao mesmo tempo que se assumiu como parte integrante do espaço ibero-americano, aprofundando suas relações com os novos Estados africanos de língua portuguesa e com Timor-Leste (PEREIRA, 2018). 

A LIGA NAVAL PORTUGUESA

O acesso ao mar, controle das rotas comerciais e o desenvolvimento dos litorais, são aspectos centrais do pensamento estratégico de Mahan. Nesse contexto, as forças navais se constituem como o instrumento primordial da competição internacional. Nesse sentido, essas linhas de ação estão presentes na elaboração da política e doutrina naval de Portugal, notadamente a Liga Naval Portuguesa

Porto de Lisboa [4]

Para melhor compreensão das linhas de ação de Mahan, e o seu uso na doutrina naval portuguesa, passa-se a explicar: a primeira destaca a importância do desenvolvimento do poder marítimo para prosperidade do país; a segunda, a necessidade de estabelecer a hierarquia entre os conceitos de objeto e objetivo, nível estratégico e tático, respectivamente; na terceira, dispõe sobre a concentração de força em posições centrais; a quarta linha reconhece a necessidade de bases navais com capacidade de prolongamento do tempo da operação (RIBEIRO, 2010). 

Quando as teorias de Mahan foram publicadas, Portugal vivia um período de acentuada decadência e confronto com a desagregação do poder naval. Depois de toda a glória das históricas navegações, o país sofria com a decorrente  falta de meios para garantir uma presença capaz de assegurar a defesa dos seus interesses, em caso de ameaça militar. 

Influenciados pelos estudos e linhas de pensamento de Mahan, Portugal criou a Liga Naval Portuguesa, com a sua constituição oficial em março de 1901.Seus propósitos são: estudar os problemas do ressurgimento marítimo nacional, animar e proteger a iniciativa particular para a expansão da economia marítima, e velar pelo futuro da Marinha de Guerra, como salvaguarda dos interesses marítimos da nação (SILVA, 2020).

A Liga surgiu por iniciativa de oficiais da Marinha, visando a promoção junto aos poderes públicos da adoção de todas as medidas que concorram para a prosperidade do comércio marítimo, pesca, recreio e guerra. Com uma intensa atividade de palestras, conferências, publicações de livros e de mapas, a Liga Naval tornou-se o principal instrumento de divulgação de trabalhos que contribuíram para o ressurgimento marítimo da nação, tendo as teorias de Mahan como paradigma de pensamento (BARROS, 2022). 

UM OLHAR PARA O FUTURO

Embora Portugal tenha uma posição marítima periférica no contexto europeu, nota-se que países como os EUA, Canadá, Reino Unido e Cabo Verde passam pelas águas de responsabilidade nacional em suas principais rotas de comércio marítimo. Essa localização confere ao país uma posição geopolítica estratégica para uma função de articulação desse quadrante euro-atlântico (SILVA, 2020). 

Os planos de Portugal para o mar seguem sendo de expansão, com foco na busca pela autossuficiência nos setores energético e alimentar. O avanço sustentável da ciência e indústria terá impacto direto na criação de emprego e riqueza do país. A Liga Naval lançou projetos para duplicar até 2030 as unidades responsáveis pela dessalinização para o fornecimento de água a nível nacional, bem como o aumento da capacidade de gestão de energia oriundas de fontes renováveis oceânicas (BARROS, 2022). Os planos incluem o aumento da produção agrícola e, por consequência, a sua exportação pelo mar.

O conhecimento dos oceanos é medida estratégica para o avanço do país, seja com reforço na qualificação científica ou nos assuntos interdisciplinares relacionados ao mar, tanto a nível universitário, quanto em nível técnico. Nas palavras de Rui Ricardo de Andrade Osório de Barros (BARROS, 2022):

“A próxima década deve contribuir também para Portugal reforçar a sua aposta em literacia oceânica e aperfeiçoar a sua oferta formativa e educativa para todas as áreas ligadas ao Mar. Deve estimular-se o empreendedorismo, inovação, especialização, mobilidade e outras competências relacionadas com a área.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Portugal vem experimentando um forte movimento de internacionalização da economia, com crescente presença em várias organizações internacionais, com a consolidação de sua integração no continente europeu. No que tange ao seu poder marítimo, fica evidenciado que o pensamento estratégico de Mahan serviu para lançar as bases da estratégia naval portuguesa do século XX, cuja influência segue guiando os pensamentos ainda no século XXI.

Assim como o seu passado glorioso, a área marítima portuguesa e sua posição geográfica reforçam a expectativa de um futuro rico, vital e sustentável dos seus recursos marítimos, com o máximo de aproveitamento da geopolítica, para que se veja, nas palavras do hino nacional português, levantar “hoje de novo o esplendor de Portugal”.[1]

NOTAS

[1] O hino nacional “A Portuguesa” substituiu o Hino da Carta após a Implantação da República portuguesa a 5 de outubro de 1910 – Fonte: Museu da Presidência da República.

IMAGENS

[1] Lisboa Portugal Passeios – Foto gratuita no Pixabay – Pixabay

[2] File:Mahan por.jpg – Wikimedia Commons

[3] File:Nau Rainha de Portugal.jpg – Wikimedia Commons

[4] File:Porto de Lisboa (3).jpg – Wikimedia Commons

REFERÊNCIAS

ALMEIDA. Francisco Eduardo Alves. Alfred thayer Mahan e os princípios da estratégia naval. Revista Marítima Brasileira. V. 130 n. 01/03 jan./mar. 2010 – Pág. 137-154.

BARROS, Rui Ricardo de Andrade Osório de. O Plano Português para o Mar. Confraria Marítima de Portugal. Disponível em Confraria Marítima – O Plano Português para o Mar (confraria-liganaval.pt) Acesso em 23/07/2023.

BONFIM, Uraci Castro. Geopolítica, Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército. Escola de comando e Estado-Maior do Exército. Brasil, 2005. 

CARVALHO, Leandro. Expansão Marítima Portuguesa. Disponível em: https://www.historiadomundo.com.br/idade-moderna/expansao-maritima-portuguesa.htm Acesso em 24/07/2023.

DIÁRIO DA REPÚBLICA. Resolução do Conselho de Ministros n°. 68/2021. Pág. 23-62.

MAHAN, Alfred Thayer. The Influence of Sea Power upon History, 1660-1783, Nova Iorque, Dover Publications, Inc., 1987.

PEREIRA, Pedro Sanchez da Costa. A Política Externa portuguesa. 2018. Disponível em: https://idi.mne.gov.pt/images/Artigo_FUNAG_PT.pdf Acesso em 02/08/2023.

Porto Editora – ZEE na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. Disponível em https://www.infopedia.pt/$zee. Acesso em 02/08/2023.

RIBEIRO, Antônio Manuel Fernandes da Silva. Mahan e as marinhas como instrumento político. Revista Militar n°. 2500 – Maio de 2010.

SEMPA, Francis P. A visão geopolítica de Alfred Thayer Mahan. Disponível em: https://www.defesanet.com.br/pensamento/noticia/17880/a-visao-geopolitica-de-alfred-thayer-mahan/ Acesso em 02/08/2023.

SILVA, Fernando Alberto Carvalho Davi e. Liga Naval Portuguesa – do “Ressurgimento marítimo” ao “Ressurgimento nacional”, entre quatro Regimes (1900-1939). Universidade de Lisboa – Faculdade de Letras, 2020.

SILVA, Jaime Carlos do Vale Ferreira da. A função do mar no desenvolvimento de Portugal: uma análise estratégica. Universidade de Lisboa – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2020.

Priscila Tardin

Luso-brasileira, apaixonada pela África. Profissional do Direito que está se especializando em Relações Internacionais para viver o melhor desses dois mundos. Entusiasta de novos desafios e experiências transculturais, com muita facilidade em comunicação e no aprendizado de novos idiomas.

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