A BARBIE APOIA AS REIVINDICAÇÕES MARÍTIMAS CHINESAS?

A BARBIE APOIA AS REIVINDICAÇÕES MARÍTIMAS CHINESAS?

Imagem destacada – Céu de Hong Kong com barcos. Foto de TravelSpace em FreePik.

A mídia estatal vietnamita informou aos cidadãos do país que o novo filme da Barbie foi banido do território nacional. A justificativa do governo do Vietnã é o suposto apoio do filme à propaganda chinesa (MOURIQUAND, 2023). Você que assistiu o filme, não entende do que se trata? É sobre o mapa do “mundo real” que aparece em uma certa parte do longa. Ao leste do continente asiático, é possível observar oito linhas tracejadas no mar. Essa seria uma referência à “nine-dash line” (Linha das Nove Raias), que é uma política nacional chinesa de reafirmação pública e que guia a atuação internacional do país para reivindicação de territórios do Mar do Sul da China para si.

Imagem 2 – Mundo real em Barbie

Fonte: Warner Bros, Filme da Barbie (2023).

CHINA – GUERRA CIVIL E ATUAÇÃO NO MAR DO SUL DA CHINA

A China moderna iniciou as reivindicações sobre os territórios ainda em 1945, antes mesmo da formação da República Popular da China, durante o período da guerra civil.  Embora a guerra civil chinesa seja retratada por vezes abrangendo apenas os anos de 1945 à 1949, na realidade as instabilidades políticas e acirramento entre grupos rivais vinham de muito antes. Em 1911 caiu a última dinastia imperial da China, em grande medida pela liderança do revolucionário Sun Yat-Sen, que sonhava e buscou por toda a vida a democracia no país. Até hoje é considerado o pai da China moderna. Após a morte de Dr. Yun em 1925, houve crescente instabilidade política e social, até que estourasse a guerra civil em 1927: de um lado o Partido Comunista Chinês (PCC), e do outro o partido nacionalista do país, o Kuomitang. A guerra civil só terminaria em 1949 com a vitória do PCC (CUCCHISI, 2002, p. 19-20).

Em 1945 o então líder nacional, Chiang Kai-Shek, decidiu pela ocupação militar das Ilhas Jieshou (接收), que pertencem ao grupo de ilhas Spratly e Paracel. Em outubro de 1946, foi ordenado que o Ministro da Defesa Nacional tomasse o controle das ilhas e, em 17 de dezembro, a República da China ocupou as Ilhas Woody e Jinzhu (進駐). Um mapa com as linhas pontilhadas foi criado ainda no ano de 1946 para justificar a ocupação militar da região, e foi intitulado Mapa-Esboço da Localização das Ilhas no Mar do Sul da China (南海諸島位置略圖) (HYER, 2018, p. 2-3).

Imagem 3 – Mapa da política chinesa da Linha das Nove Raias

Fonte: Gutierrez, Radio Free Asia (2021)

A região alçada pelo governo chinês está localizada no Mar do Sul da China. Essa região marítima conta com aproximadamente 3,5 milhões de km2 entre o Vietnã, Malásia, Filipinas, Indonésia, Brunei e China. Lá contém um emaranhado de diversos grupos de ilhas que incluem as Ilhas Xisha (Paracel), Ilhas Pratas, Ilhas Zhongsha, entre outras. O Mar do Sul da China apresenta quase 1.800 km  de comprimento e quase 900 km  de leste a oeste. A importância da região se dá não só por termos militares e geopolíticos, mas prioritariamente por questões econômicas – essa é a rota principal de comércio dos países do Leste e do Sudeste Asiático (ZHIGUO; BING BING, 2013, p. 99).

As tensões na região reapareceram na década de 1960 com a descoberta do potencial petrolífero e de gás natural do Mar do Sul da China. Em 1971, as Filipinas tomaram o grupo de Ilhas Kalayaan, enquanto que em 1974 “a China tomou de volta as Ilhas Xisha após uma vitoriosa, porém pequena, guerra contra a República do Vietnã (Vietnã do Sul) (ZHIGUO; BING BING, 2013, p. 105)[1]. A Malásia requisitou para si cinco recifes das Ilhas Nansha, na qual o próprio Vietnã ocupou 25 ilhas desse grupo no ano de 2004 (ZHIGUO; BING BING, 2013, p. 105). Na realidade, praticamente todos os países da região do Mar do Sul da China desenvolveram políticas nacionais de reivindicação  de partes do território em disputa.

Diferente de outros estados que baseiam suas exigências sobre as Ilhas Spratly ou sobre outros pontos no Mar do Sul da China em regiões geográficas específicas e suas águas adjacentes, a China clama soberania sobre praticamente todo o Mar do Sul da China.

(SCOTT, 2016, p.2)[2]

O DIREITO INTERNACIONAL APLICADO AO CASO

Porém, destaca-se o fato que há no Direito Internacional um tratado que regula o direito do mar e subsequentes requisições formais sobre o assunto – Convenção da ONU sobre o Direito do Mar (UNCLOS, na sigla em inglês) de 1982. Essa convenção foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU em abril de 1982 e entrou em vigor em novembro do mesmo ano. Em agosto de 1996 os Estados-parte da UNCLOS elegeram a primeira turma do Tribunal Internacional do Direito do Mar que começou a operar, recebendo seu primeiro caso já no ano de 1997 (TREVES, 2008).

Em linhas gerais, a Convenção da ONU sobre o Direito do Mar concede às suas partes 12 milhas marítimas de mar territorial, mais 24 milhas de zona contígua e 200 milhas a partir de sua costa como zona econômica exclusiva (ONU, 1982). No caso do Mar do Sul da China, as disputas dentro do sistema da Convenção se iniciaram pela submissão filipina para a Corte Permanente de Arbitragem, na qual chegou-se à conclusão que a política chinesa não estava em acordo com a Convenção. A China decidiu realizar conversas diplomáticas bilaterais com cada país da região, em uma iniciativa própria para a resolução dos conflitos (MANGKU, FIRDAUS, 2022, p. 455).

CONCLUSÃO

Ainda há um longo caminho para os países do Sudeste e Leste Asiático percorrerem para se aproximarem de uma resolução permanente e diplomática sobre as disputas. Entretanto, há indícios que, embora haja pioras ocasionais sobre a temática, os países do Mar do Sul da China podem recorrer ao diálogo pacífico para resolução de problemas territoriais, uma vez que, como visto, há ferramentas tanto dentro quanto fora do sistema ONU para que o objetivo da paz regional seja alcançado.

 IMAGENS

Imagem destacada – Céu de Hong Kong com barcos. Foto de BIBLIOGRAFIA

CUCCHISI, Jennifer. The Causes and Effects of the Chinese Civil War, 1927-1949. Tese de Mestrado em Artes do Departamento de Estudos Asiáticos na Universidade Seton Hall. South Orange: 2002.

HYER, Eric. “A Line Without a Legend”: The Origins and Meaning of China’s Dashed Line in the South China Sea. 2018. Conferência AAS na Asia Conference, entre os dias 5 e 8 de julho, na Universidade Ashoka, India – Habitat Centre, Nova Déli, Índia.

MANGKU, Dewa; FIRDAUS, Muhammad. International Law and the Role of the State of Indonesia in ASEAN as a Conflict Mediam on South China Sea Issues. Jurnal Komunikasi Hukum, v. 8, n.º 1, 2022.

MOURIQUAND, David. ‘Barbie’ Banned in Vietnam over “Chinese propaganda”. Euronews. 2023.

ONU. United Nations Convention on the Law of The Sea. Nova Iorque, 1982.

SCOTT, Shirley. China’s nine-dash line, international law, and the Monroe Doctrine analogy. University of New South Wales, Austrália. China Information, v. 30, n.º 3, 2016.

TREVES, Tullio. UNITED NATIONS CONVENTION ON THE LAW OF THE SEA. United Nations Audiovisual Library of International Law. Nova Iorque, 2008.

ZHIGUO, Gao; BING BING, Jia. The Nine-Dash Line in the South China Sea: History, Status and Implications. The American Journal of International Law, v. 107, n.° 1, janeiro de 2013, p. 98-124.


[1] No original: “China took back the Xisha Islands after a successful, but minor, war with the then Republic of Vietnam (South Vietnam) […]”.

[2] No original: “Unlike other states that base their claims to the Spratly Islands or other features in the South China Sea on specific geographical features and their adjacent waters, China claims sovereignty over virtually all of the South China Sea”.

Gustavo Milhomem

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás. Idealizador do Dois Níveis.

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