O BRASIL E A CONSTRUÇÃO DE UMA AGENDA DE SEGURANÇA HEMISFÉRICA

O BRASIL E A CONSTRUÇÃO DE UMA AGENDA DE SEGURANÇA HEMISFÉRICA

A posição brasileira frente aos temas de segurança e defesa do hemisfério americano assumiu diferentes versões ao longo do século XX e no início do século XXI. De maneira geral, o Brasil elaborou sua política de segurança nacional, em grande parte, com base na conjuntura internacional. Assim, os brasileiros, junto aos países americanos, lançaram as bases da cooperação na área da segurança internacional e da superação dos problemas que minaram a estabilidade regional na década de 1940.

A SEGURANÇA HEMISFÉRICA NA AMÉRICA LATINA

O período foi marcado pela criação de mecanismos institucionais de segurança hemisférica como a Junta Interamericana de Defesa (JID), em 1942, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), em 1947, e a Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1948. Esses instrumentos, de maneira geral, estabeleceram acordos, tratados e declarações, a fim de consolidar um sistema de defesa mútua entre os países americanos para enfrentar as ameaças externas à integridade desses Estados. Levando em consideração o contexto internacional dos anos 1940 e o período referente à Guerra Fria, esses mecanismos foram fabricados, sobretudo, para salvaguardar os americanos de uma possível agressão armada externa, tendo em vista a eclosão das duas grandes guerras do século XX e o confronto entre as duas superpotências. Todavia, como afirma Graciela Pagliai (2006), as instituições multilaterais e os acordos de defesa recíproca foram usados, de forma quase exclusivamente, para conter a ameaça comunista do continente americano. Isso revela que a hegemonia estadunidense na região buscou moldar a política regional de segurança e defesa a partir de seus interesses. O Brasil se comportou seguindo a posição adotada pelos EUA, e colaborou com a criação dos instrumentos de segurança coletiva para conter o comunismo no país.

Foto 1: Edifício principal da OEA em Washington, EUA.

Vale ressaltar o esforço dos mecanismos multilaterais e jurídicos internacionais para fortalecer a hegemonia estadunidense na região e conter a ideologia soviética. Para os Estados Unidos, a contenção do comunismo era de extrema importância, especialmente na América Latina e no Caribe, devido ao temor de um possível conflito militar futuro entre as duas superpotências. A presença soviética na América precisava ser eliminada para evitar qualquer vantagem estratégica da URSS no continente. Esse cenário se tornou evidente quando Cuba se aliou aos soviéticos, resultando na Crise dos Mísseis em 1962.

Por parte dos países latino-americanos, no pós-guerra, o comunismo não representava uma ameaça à ordem do sistema interamericano até então. As classes dominantes da maioria dos países impediram qualquer avanço da alteração da estrutura político-econômica pelas frentes populares. Conforme mencionado por Napolitano (2019), na geopolítica regional, em 1954, houve uma reunião de 17 países na Cidade do México, onde foi estabelecida a Comissão Permanente do Congresso para a Não-intervenção Soviética na América Latina. Nesse encontro, as políticas dos Estados Unidos para conter a influência da URSS na região foram levadas em consideração.

Os EUA buscaram garantir a segurança hemisférica e preservar os valores liberais através da criação de mecanismos multilaterais e tratados regionais. Assim, por meio da criação dos instrumentos institucionais do Tiar, da OEA e do JID, os estadunidenses demonstraram o compromisso em manter o controle da América Latina por vias jurídicas internacionais.

Entretanto, a defesa dos “povos livres” pelos Estados Unidos estava intimamente ligada à preservação de sua segurança nacional, uma vez que, do ponto de vista estadunidense, o comunismo externo representava uma ameaça à estabilidade do país. Segundo Hobsbawm (1994), essa ameaça comunista não era real, pois a União Soviética estava concentrada em defender seus interesses dentro de sua esfera de influência no Leste Europeu e não tinha intenção de se expandir além da Cortina de Ferro, limite das zonas de influência entre o Ocidente capitalista e o Leste soviético. Dessa forma, na análise desse historiador, o discurso de proteção dos “povos livres” contra o comunismo, conhecido como “anticomunismo”, foi uma tática utilizada para conquistar votos nas eleições internas, atraindo um eleitorado marcado pelo individualismo e pelo empreendimento privado.

REAVALIAÇÃO DOS MECANISMOS DE SEGURANÇA PELO BRASIL

No entanto, as modificações no sistema internacional fizeram surgir questionamentos por parte dos países da região acerca da efetividade dos mecanismos de segurança hemisférica. O período do pós-Guerra Fria foi marcado pela emergência das novas ameaças, como o terrorismo, o crime organizado e o narcotráfico, desafios ainda não testemunhados pela comunidade internacional desde então. Assim, os instrumentos existentes não contemplavam esses tipos de problemas à segurança e era necessário revitalizar o sistema de segurança hemisférica. O Brasil, desse modo, acercou-se dos países sul-americanos e buscou elaborar uma política de segurança regional independente, ou seja, desviando-se da influência estadunidense referente ao tema. Com isso, a partir de 1990, os brasileiros passaram a colocar em prática a revitalização dos mecanismos institucionais levando em consideração a multidimensionalidade da segurança hemisférica e os problemas particulares dos países nesse tema. Além disso, o Brasil defendeu que a superação da instabilidade deveria se originar do uso da força policial, e não das forças armadas e pela estabilidade econômica e social.

Na década de 1990, o Brasil, por meio da avaliação dos desafios à segurança e defesa nacionais, definiu a primeira versão do seu entorno estratégico. Alcides Vaz (2021), conceitua “entorno estratégico” como o espaço no qual as dinâmicas da insegurança e da instabilidade oferecem a possibilidade de influenciar os interesses dos países no âmbito da defesa. Assim, o Brasil lançou várias versões do seu espaço estratégico até consolidar uma definição final, na década de 2010. Nessa última, o entorno brasileiro englobou a América do Sul, o Atlântico Sul, os países da costa ocidental da África e a Antártica. 

Foto 2: O entorno estratégico brasileiro.

As principais preocupações para o Brasil, nesse âmbito, são os conflitos violentos presentes na América do Sul e na costa ocidental africana. Na primeira região, o narcotráfico e o crime organizado são a principal razão de instabilidade na área da segurança. Já na segunda, o terrorismo se apresenta como fator prepoderante da instabilidade regional. Desse modo, o transbordamento desses problemas ao Brasil é considerado a principal preocupação para o país. Um dos instrumentos criados na busca pela superação desse desafios foi a UNASUL, União de Nações Sul-Americanas. O órgão, em conjunto com seu Conselho de Defesa Sul-Americana (CDS), atuou como importante instituição para o diálogo acerca dos problemas à segurança regional. Na perseguição pela estabilidade do continente, a UNASUL lançou o Plano de Ação, que estabeleceu quatros objetivos – defesa, cooperação mútua, insdústria de defesa e compartilhamento de tecnologia e política de treinamento e educação. No entanto, segundo Aldicez Vaz (2021), o órgão fracassou em assegurar a segurança do Cone Sul, uma vez que a instituição ficou restrita ao diálogo e não conseguiu produzir políticas para a superação dos desafios da região.

CONCLUSÃO

Como analisado, o Brasil deu grande atenção ao continente americano, em especial a América do Sul, onde o país se situa. O transbordamento dos problemas vizinhos oferece grande preocupação aos brasileiros, visto que o crime organizado e o narcotráfico ameaçam a estabilidade brasileira. Assim, é possível posicionar a dimensão regional na Política de Segurança Nacional. Para Rudzet e Nogami (2010), essa esfera engloba os interesses nacionais mais amplos, e que a partir da definição destes, o país buscará atingir os objetivos definidos, a fim de conquistar aquilo que se almeja. Nesse sentido, a região sul-americana é de interesse nacional, tendo em vista a histórica posição do Brasil em relação ao continente, e o país, por meio da definição de objetivos mais específicos, perseguirá suas pretensões de consolidar a estabilidade da região e, consequentemente, a segurança nacional.

REFERÊNCIAS

HOBSBAWN, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

NAPOLITANO, Marcos. Latinskaya Amerika: as relações entre a União Soviética e a América Latina (1957-1962). Revista Eletrônica da ANPHLAC, ISSN 1679-1061, Nº 27, p. 379-402, ago./dez., 2019.

PAGLIAI, Graciela C. Segurança hemisférica: uma discussão sobre a validade e atualidade de seus mecanismos institucionais. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 49, n. 1, p. 26-42, 2006.

RUDZIT, Gunther; NOGAMI, Otto. Segurança e defesa nacionais: conceitos básicos para uma análise. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 53, n. 1, p. 5-24, 2010. 

VAZ, Alcides C. “Estabilidade no entorno estratégico brasileiro: panorama e perspectivas”. In: VAZ, Alcides C. O Brasil e os desafios à estabilidade no entorno estratégico brasileiro: disputa hegemônica, conflitos e violência. Brasília, DF: Trampolim Editora e Eventos Culturais Eirelli, 2021, pp. 22-50.
VAZ, Alcides C.; FUCCILLE, Alexandre; REZENDE, Lucas P. UNASUR, Brazil and the South American defence cooperation: a decade later. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 60, n. 2, e012, p. 1-21, 2017.

IMAGENS

Imagem destacada: Junta Interamericana de Defesa completa 75 anos e é agraciada pela FAB. Disponível em: https://www.fab.mil.br/noticias/mostra/29637/INSTITUCIONAL%20-%20Junta%20Interamericana%20de%20Defesa%20completa%2075%20anos%20e%20%C3%A9%20agraciada%20pela%20FAB

1 Organização dos Estados Americanos. Disponível em: https://www.oas.org/pt/centro_midia/fotos_simbolos.asp.

2 A importância do Atlântico Sul como entorno estratégico. Disponível em: http://ompv.eceme.eb.mil.br/geopolitica-e-defesa/geopolitica-e-capacidades-nacionais-de-defesa/423-aim.

Gabriel Moncada Xavier

Estudante de Relações Internacionais e experiente em simulações da ONU. Sou curioso e quero olhar para o mundo com todas as lentes possíveis. Gosto de diplomacia, política externa, organizações internacionais e Direitos Humanos.

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