A ÍNDIA LUSÓFONA

A ÍNDIA LUSÓFONA

Fonte: Reprodução / Pixabay

A relação de Goa, na Índia, com Portugal, é datada de 1498, quando Vasco da Gama descobriu o tão sonhado caminho para as Índias Orientais. Em 1505 criou-se o Estado Português da Índia, com a capital localizada em Goa. Fazia também parte do território português na Índia, as regiões de Damão e Diu (WALTER, 1920).

Figura 1- Territórios sob possessão portuguesa no século XVI

Fonte: Dholmes, 2013.

Em um sentido mais amplo, tal Estado estava inserido no Império Português do Oriente, o qual se estendia desde o Cabo da Boa Esperança (África do Sul) até o Japão, assim como pode ser observado na imagem a seguir, a qual ilustra a rota comercial portuguesa na região no início do século XV (XAVIER, 2018).

Figura 2- Rotas comerciais que perpassam as regiões do Império Português do Oriente no início do século XV

Fonte: Índia portuguesa, [20-].

Naquela altura, Goa representava o centro comercial, cultural e religioso de Portugal. Foi de lá, por exemplo, que o catolicismo começou a ganhar espaço por todo o Oriente. A língua portuguesa também era utilizada por nobres e comerciantes da região para comercializar e comunicar com os europeus em geral (XAVIER, 2018).

A independência da Índia e a anexação de Goa

Após a independência dos indianos do jugo inglês em 25 de agosto de 1947, o então primeiro-ministro Jawaharlal Nehru notou ainda dois desafios a serem superados: a possessão de territórios na Índia por parte dos franceses e portugueses. Portanto, no âmbito da Guerra Fria, buscando uma alternativa à bipolaridade (Estados Unidos ou União Soviética), a Índia, ao lado da Indonésia e  do Egito lideraram o movimento dos “não alinhados” ou dos ditos “Terceiro Munco”. Naquela altura, os países buscavam uma via de desenvolvimento que não fosse sujeita às grandes potências da época (XAVIER, 2018).

Por meio de acordos e diplomacia, a França cedeu os territórios sob sua possessão, já Portugal se mostrou relutante em perder Goa. Naquela altura, Portugal era liderado pelo primeiro-ministro António de Oliveira Salazar. Como aponta Navarro (p. 32, 2011):

Uma justificativa para a manutenção das colônias portuguesas ali era, segundo o ditador português Salazar, o fato de que Goa, Damão e Diu eram a expressão de Portugal na Índia, isto é, tinham uma identidade própria.

Com ideias nacionalistas, o governante buscava tornar Portugal grande novamente. O Brasil se mostrou favorável ao lado português, visto que os governos de Café Filho (1954-1955) e Juscelino Kubitschek (1956-1960) levaram em consideração a histórica amizade entre os dois países (XAVIER, 2018).

Após tentativas de obter apoio internacional, inclusive dos Estados Unidos, o primeiro-ministro Nehru resolveu tomar Goa à força em 19 de dezembro de 1961, há 59 anos. A empreitada foi um sucesso para os indianos. Goa agora pertencia à Índia. Além de Goa, Nehru invadiu também os territórios de Damão e Diu (NAVARRO, 2011). Até 1974, o regime de Salazar não reconheceu a conquista indiana, chegando a solicitar, portanto, apreciação do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) de uma resolução elaborada no âmbito do CSNU a qual dava parecer favorável a Portugal, porém o mesmo foi vetado pela União Soviética. Goa, portanto, continuava sob os cuidados de Nehru (XAVIER, 2018).

Reaproximação com o mundo lusófono

A abrupta saída de Portugal de Goa gerou um afastamento iminente de Goa do mundo lusófono. Tal afastamento dividiu opiniões tanto em Goa como em Portugal. Alguns diziam que o fenômeno ocorreu por culpa de Salazar e seu autoritarismo, por outro lado, outros atribuem a culpa a Nehru pela não negociação com Portugal e pela não contribuição para manter a cultura única de Goa, a qual se diferenciava do restante da Índia (XAVIER, 2018).

Após uma crise econômica, a Índia implementou diversas reformas econômicas na década de 1990 o que resultou em um exponencial desenvolvimento da economia indiana. Juntando-se a isso, a criação dos BRICS em 2010 (grupo formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, todos caracterizados como economias emergentes na época) elevou a um novo patamar as relações da Índia com os países lusófonos.

A reaproximação indiana com os países lusófonos possui um caráter político e econômico. Do ponto de vista político, a Índia, que cada vez mais vem galgando posições na esfera de poder global, atua como potência regional e passa a mensagem de querer ir além do subcontinente indiano. E o mundo lusófono é um excelente elo para a realização dos interesses indianos. Em termos econômicos, já figurando como uma das maiores economias mundiais, a Índia, de acordo com a consultoria PWC (2017), será a segunda maior economia, atrás apenas da China e acima, inclusive, dos Estados Unidos. Atualmente, isso pode soar ilusório, mas se considerarmos que, apesar da queda de cerca de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) da Índia em 2020 devido à crise causada pela Covid-19, a previsão é de que, já em 2021, haja uma rápida recuperação, com um crescimento de quase 9%, seguindo um ritmo de crescimento até 2025 com taxas positivas girando em torno de 7% (FMI, 2020).

No mais, de acordo com o presidente da Sociedade Lusófona de Goa, Aurobindo Xavier (2018), o principal alvo da política externa lusófona da Índia é o Brasil, devido a sua posição na economia global, por ser uma potência regional, e por estar presente em fóruns multilaterais os quais a Índia também participa como BRICS e o IBSA (esse último é formado por Índia, Brasil e África do Sul), além de ser um grande mercado consumidor. Logo após, está Angola e Moçambique, principalmente pelos recursos naturais existentes nesses países e também por serem nações que estão em franca expansão econômica, ou seja, possuem atrativos para os investimentos estrangeiros. Portugal também possui grande relevância dado os fatores históricos e por poder ser um elo de ligação para com o restante da União Europeia. Embora praticamente estejam na mesma região, Timor Leste e Macau também tem sua importância para a política externa lusófona da Índia.

O autor ainda aponta que, nos últimos anos, dois eventos serviram como propulsor do estreitamento das relações de Goa com o mundo lusófono: a terceira edição dos jogos de lusofonia, realizada em 2014 em Goa, e a oitava cimeira dos BRICS, a qual ocorreu em 2016 também em Goa (XAVIER, 2018). Ademais, como mostra o quadro a seguir, diversos outros eventos apontam para o estreitamento das relações de Goa com os países lusófonos.

Quadro 1- Notícias acerca de eventos envolvendo as relações de Goa/Índia com os países lusófonos (2012-2020)

Fonte: Elaboração própria, com dados da Sociedade Lusófona de Goa [20-].

Conclusão

Portanto, como mostrado, na era colonial, Goa teve seu período “dourado” visto que, embora fosse colônia, era considerada parada obrigatória para o comércio da região. Era, de fato, um importante ponto de ligação entre a Europa e o mundo Oriental. Permaneceu assim até o momento em que outras nações, como França, Reino Unido e Dinamarca começaram a cobiçar o comércio de Goa. Após a independência do Reino Unido, Goa ainda permaneceu como território português por mais de dez anos, e após a anexação do território à União Indiana, Goa passou por trinta anos de perda da importância do português e afastamento de países lusófonos. Como visto, somente a partir da década de 1990 que a situação começou a mudar.

Atualmente, o português já não é a língua mais falada em Goa, o inglês e as línguas indianas como o concani (língua oficial de Goa) ou o hindu são as línguas preponderantes da região. Porém, de acordo com o jornal de Portugal “Observador”, em 2019, eram cerca de dois mil estudantes de português em Goa, e a quantidade de goeses que se interessam pelo idioma cresce com o passar do tempo.

Por fim, observa-se que o português, como aponta Navarro (2011), se limita a uma matéria optativa no currículo escolar e, nas palavras do autor, o idioma se encontra no mesmo patamar de qualquer outro idioma estrangeiro, isto é, sem nenhuma diferenciação. Entretanto, nota-se que, apesar do constante trabalho do Governo da Índia em tentar uma reaproximação com o mundo lusófono, ainda há muito que se fazer.

REFERÊNCIAS

DHOLMES. Portuguese Genealogist Master List. 2013. Disponível em: <https://dholmes.com/master-list/india.html>. Acesso em: 28 dez. 2020.

FMI. India. 2020. Disponível em: <https://www.imf.org/en/Countries/IND>. Acesso em: 29 dez. 2020.

ÍNDIA PORTUGUESA. História do Império Marítimo Português. [20-]. Disponível em: <https://www.indiaportuguesa.com/histoacuteria-do-impeacuterio-mariacutetimo-portuguecircs.html>. Acesso em: 28 dez. 2020.

INSTITUTO Camões registra aumento do número de alunos de português em Goa. Observador, 2019. Disponível em: <https://observador.pt/2019/03/09/instituto-camoes-regista-aumento-do-numero-de-alunos-de-portugues-em-goa/>. Acesso em: 31 dez. 2020.

NAVARRO, E. A. Goa: Uma identidade diferente da indiana justificaria a condição colonial? Via Atlântica, São Paulo, SP, n. 19, p. 31-44, 2011. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/viaatlantica/article/view/50765/54869>. Acesso em: 29 dez. 2020.

PRADO, L. Livro conta a história dos últimos falantes de português da Índia. Jornal da USP, 2020. Disponível em: <https://jornal.usp.br/cultura/livro-conta-a-historia-dos-ultimos-falantes-de-portugues-da-india/>. Acesso em: 31 dez. 2020.

PWC. The World in 2050. 2017. Disponível em: <https://www.pwc.com/gx/en/research-insights/economy/the-world-in-2050.html>. Acesso em: 29 dez. 2020.

SOCIEDADE LUSÓFONA DE GOA. Cultura e Sociedade. Disponível em: <http://lusophonegoa.org/pt/category/culture/>. Acesso em: 30 dez. 2020.

___________. Desporto. Disponível em: <http://lusophonegoa.org/pt/category/desporto/>. Acesso em: 30 dez. 2020.

___________. Economia. Disponível em: <http://lusophonegoa.org/pt/category/negocios/>. Acesso em: 29 dez. 2020.

___________. Notícias. Disponível em: <http://lusophonegoa.org/pt>. Acesso em: 30 dez. 2020.

WALTER, G.  (ed.). Portuguese Possessions in India. Grã-Bretanha: Ministério das Relações Exteriores, 1920. 52 p. Disponível em: <https://www.wdl.org/pt/item/11939/view/1/65/>. Acesso em: 29 dez. 2020.

XAVIER, A. Goa como plataforma de cooperação entre a Índia e os países lusófonos, particularmente com o Brasil. In IPRI: Cadernos de Política Exterior. Brasília: FUNAG, 2018. p. 161-193.

EXTRA

India: Economic Health Check, análise da economia indiana postada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI): https://www.imf.org/external/mmedia/view.aspx?vid=5819189973001

Thiago Barros

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás. Diretor Executivo do Dois Níveis.

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