RIO MEKONG: UM DESAFIO AQUÁTICO NO SUDESTE ASIÁTICO

RIO MEKONG: UM DESAFIO AQUÁTICO NO SUDESTE ASIÁTICO

Imagem destacada – Verde Barco Meio Ambiente Peixe. Fonte de Quangraha em Pixabay.

INTRODUÇÃO

Considerado um dos principais rios do Sudeste Asiático, o Mekong tem exercido um papel primordial em diferentes aspectos da vida de comunidades ribeirinhas e dos ecossistemas locais. Apesar disso, a crescente demanda por energia, água e infraestrutura tem colocado em risco sua preservação. Isto porque barragens têm sido construídas ao longo de sua extensão e em seus afluentes, por nações como China e Laos. Esses projetos geram não apenas impactos ambientais, sociais e econômicos, mas também uma grande tensão entre os países em seu entorno. 

Tendo isso em vista, o presente artigo busca explorar as dinâmicas que envolvem as tensões no Rio Mekong e os desafios enfrentados pelas pessoas que dependem dele após a construção das barragens. A resolução desse conflito passa por garantir a preservação do Rio Mekong e a promoção do desenvolvimento sustentável na região. 

LOCALIZAÇÃO E IMPORTÂNCIA

Estendendo-se por cerca de 4.350 quilômetros, o Rio Mekong atravessa seis países do Sudeste Asiático: China, Mianmar, Laos, Tailândia, Camboja e Vietnã. Com origem nas montanhas do Planalto Tibetando, esse rio percorre um trajeto fascinante, que inclui desfiladeiros, planícies e deltas antes de desaguar no Mar da China Meridional. A notável proeminência geográfica do Mekong o torna uma fronteira natural em trechos que dividem, por exemplo, Mianmar e Laos, bem como a China do Vietnã. Além disso, exerce uma importante função ao moldar identidades culturais e econômicas, sustentando comunidades ribeirinhas e uma gama de ecossistemas (Encyclopædia Britannica, 2015).   

Imagem 1: Mapa do Rio Mekong, Sudeste Asiático.

Fonte: Encyclopaedia Britannica, 2012. 

O Rio Mekong desempenha um papel vital para mais de 70 milhões de pessoas que residem em seu entorno (Usaid, 2017; Van Zalinge et al., 2004), sustentando não apenas a subsistência, mas também impulsionando a economia local. Na região, a prática agrícola é fortemente influenciada pelas cheias sazonais que ocorrem no período de chuvas. As inundações periódicas do Mekong transportam consigo sedimentos essenciais, enriquecendo o solo e o tornando particularmente fértil para o cultivo de arroz e outras culturas. Além desse papel fundamental, essa bacia fluvial também abriga a maior indústria pesqueira de água doce do mundo, com cerca de 2.3 milhões de toneladas de peixes sendo capturados anualmente (Mrc, 2020). 

Imagem 2: Plantação de arroz em Soc Trang, Vietnã

Fonte: UNSPLASH, 2019.

Devido à sua incontestável importância, o Rio Mekong, bem como todo o intrincado sistema que sustenta, encontram-se profundamente vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas e à degradação dos ecossistemas (European Parliament, 2019). É sob essa premissa que a construção de barragens em suas águas, visando a geração de energia, impõe uma pressão insustentável sobre esse frágil equilíbrio.

CONSTRUÇÃO DE BARRAGENS NO RIO MEKONG

O cenário de desenvolvimento hidrelétrico no Rio Mekong emerge como um tema de extrema relevância, porém, é igualmente marcado por posicionamentos controversos. As barragens e represas construídas ao longo dele são impulsionadas principalmente pela crescente demanda por energia e infraestrutura na região do Sudeste Asiático. Esse empreendimento complexo é custeado por uma combinação de interesses e atores, que incluem governos nacionais, empresas de energia e investidores internacionais.    

A Tailândia deu o primeiro passo no aproveitamento das águas do Mekong para a geração de energia ao construir a Barragem Num Pung, em 1965. Após esse marco inicial, outras barragens foram erguidas, porém a eclosão da Guerra Fria paralisou o desenvolvimento de novos projetos. A retomada ocorreu em meados da década de 1990, quando diversos países da região empreenderam a construção de barragens. A China, por exemplo, deu início à Barragem de Xiaowan, uma das maiores do mundo em capacidade instalada, inaugurada em 2010 (Soukhaphon et al, 2021; Hecht et al, 2019; Orr et al., 2012). 

Imagem 3: Barragem de Xiaowan no rio Lancang (Alto Mekong), na China.

Fonte: FLICKR, 2019.

Entretanto, mais uma vez, os projetos hidrelétricos foram interrompidos em boa parte da região, principalmente devido à crise financeira asiática de 1989-1999. Em contrapartida, o desenvolvimento hidrelétrico no rio Lancang, na China, continuou a avançar. Ademais, no Laos, o Banco Mundial aprovou em 2005 o controverso projeto Nam Theun 2, a maior barragem construída em toda a bacia do rio Mekong, contribuindo em seu ambicioso programa de exportação de energia para países vizinhos. Dessa forma, a partir de 2010, foi observado um aumento considerável de hidrelétricas, consolidando ainda mais a tendência de expansão desses empreendimentos na região (Soukhaphon et al, 2021; Orr et al., 2012).  

Os investimentos em barragens na extensão do rio Mekong são amplamente variados, o que reflete a complexidade desse cenário. O governo chinês é um dos principais nomes quando se trata desse tipo de construção, investindo significativamente em projetos hidrelétricos em sua porção do rio. Por outro lado, é responsabilizado em grande parte pela devastação do Rio Mekong. Isto porque, especialmente 11 enormes barragens têm contribuído para inundações e secas históricas que danificaram áreas de desova e causaram transtornos às pessoas em países à jusante [1], o que inclui a Tailândia e o Laos. (Eyler, 2020; Keir Simmons, 2022). 

Uma vila de pescadores no distrito de Chiang Saen estava quase deserta numa visita recente, com 18 pontões para barcos, mas apenas cinco pescadores. Singkham Wantanam, 64 anos, pesca desde os 12 anos. Antigamente, ele ganhou dinheiro suficiente para pagar a faculdade dos filhos, disse ele, mas agora o peixe acabou, assim como o seu sustento. Ele disse que não havia pescado nenhum peixe naquele dia.“Tem sido assim a cada dois ou três dias”, disse ele. (Keir Simmons, 2022).

Além da China, outros países da região estão embarcando em iniciativas de geração de energia através do Mekong. Empresas de energia tailandesas desempenham um papel significativo, muitas vezes colaborando com parceiras chinesas para suprir a crescente demanda por eletricidade. No Laos, tem predominado o modelo de construção, operação e transferências (BOT, na sigla em inglês), no qual empresas privadas investem em projetos para os quais têm acordo de concessão, e após determinado período, transferem a gestão ao governo nacional (Soukhaphon et al, 2021; Orr et al., 2012). Além disso, empresas privadas de energia e instituições financeiras globais, incluindo o Banco Mundial e o Asian Development Bank, têm fornecido financiamento a esses projetos.    

A construção de barragens no Rio Mekong reflete uma complexidade de interesses econômicos e ambientais. Enquanto os países buscam atender às demandas energéticas e de infraestrutura, os desafios da cooperação regional e os impactos nas comunidades ribeirinhas permanecem em foco. Encontrar um equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade exige uma abordagem colaborativa na gestão dos recursos do Mekong

TENSÕES E COOPERAÇÃO NO MEKONG

As relações transfronteiriças que englobam a gestão dos recursos hídricos no Rio Mekong são profundamente influenciadas por dinâmicas políticas e interesses dos Estados da região. As tensões que emergem nesse contexto estão essencialmente centradas no desenvolvimento de hidrelétricas na bacia (Saren et al., 2020). Consequentemente, ocorrem desentendimentos diplomáticos em diversas instâncias. Um exemplo ilustrativo é a Barragem de Xayaburi, situada no Laos, que gerou preocupações no Camboja e no Vietnã. A construção dessa barragem levantou temores sobre o impacto negativo na qualidade da água e na disponibilidade de peixes, fundamentais para as economias e a segurança alimentar desses países. 

As tensões relacionadas ao desenvolvimento hidrelétrico no Mekong se expandem também a nível global. Nesse sentido, as barragens se tornaram um ponto crítico nas relações entre China e Estados Unidos. Em 2020, os Estados Unidos lançaram a Parceria Mekong-EUA [2] para desenvolvimento sustentável no Mekong, em colaboração com países do Sudeste Asiático, visando contrapor a influência chinesa na área (Simmons, 2022; Thanikun Chantra, Chinundomsub, 2021). No entanto, outros países do Mekong, que dependem das relações comerciais e investimentos chineses, hesitam em desafiar Pequim. Eles expressam críticas em relação às barragens, porém frequentemente enfrentam dificuldades para tomar uma frente unida sobre esse assunto (Simmons, 2022). 

O Laos, em particular, acolheu favoravelmente o investimento chinês em projetos hidroeléctricos, à medida que o país sem litoral aumenta a produção de energia na esperança de se tornar a “bateria do Sudeste Asiático”. O Camboja, por outro lado, disse que suspenderá todos os trabalhos nas barragens do Mekong até 2030.   

Apesar das tensões mencionadas, é importante ressaltar que têm sido identificados esforços de cooperação. A Comissão do Rio Mekong (MRC) é um exemplo nesse sentido. Essa organização intergovernamental, formada por países banhados por rios, tem como objetivo principal mitigar as divergências e fomentar uma gestão sustentável dos recursos hídricos. Através de um quadro de diplomacia hídrica, a MRC tem facilitado discussões e acordos sobre questões relacionadas à água. Essa abordagem cooperativa representa uma tentativa de equilibrar os interesses divergentes e de alcançar um consenso que atenda às necessidades de todos os países envolvidos (Keang, 2020).

As cooperações no Rio Mekong também transcendem as fronteiras regionais. Um exemplo é o papel significativo da liderança do Japão desde os anos 1990 na promoção da segurança econômica, humana e jurídica na região. Porém, a cooperação internacional não se limita a tradicionais parceiros como esse. Nesse sentido, a Europa se destaca pela assistência técnica e financeira que presta através da Comissão do Rio Mekong (Simmons, 2022; Thanikun, Chinundomsub, 2021).  

Portanto, a complexa teia de tensões e cooperação que envolve o Rio Mekong reflete o equilíbrio delicado entre interesses nacionais, regionais e globais, e a busca por soluções que atendam às necessidades presentes e futuras de todas as partes envolvidas.

CONCLUSÃO

No trajeto do Rio Mekong, desenvolvimento e preservação entrelaçam-se, lançando um desafio complexo aos países que compartilham suas águas. Nesse contexto, a construção de barragens ao longo de sua extensão tem colocado em risco não apenas a integridade do rio, mas também a sustentabilidade das comunidades ribeirinhas e das economias locais que dependem dele. Dessa maneira, as tensões diplomáticas entre as nações e a busca por cooperação regional e internacional evidenciam a complexidade intrínseca a essa problemática. 

Portanto, mesmo com as enormes dificuldades em equilibrar interesses econômicos e a conservação ambiental nas águas do Mekong, é essencial que todas as partes envolvidas busquem soluções sustentáveis, dando voz às comunidades afetadas e avaliando o impacto a longo prazo das decisões tomadas. Somente por meio de um esforço coletivo e uma abordagem sustentável, será possível garantir um futuro próspero para as comunidades ribeirinhas e os ecossistemas do Rio Mekong. 


NOTAS

[1] “Montante” é a parte acima de um rio, perto da nascente, enquanto “jusante” é a parte abaixo, perto da foz. Por exemplo, no Rio Mekong, as áreas montante estão nas regiões montanhosas do Tibete, e as áreas jusante estão no delta, onde ele encontra o Mar Meridional da China. 

[2] A Parceria Mekong-EUA é uma colaboração entre os Estados Unidos e os países do rio Mekong no Sudeste Asiático. Foca em questões como desenvolvimento sustentável, segurança hídrica e combate às mudanças climáticas. Lançada como expansão da “Lower Mekong Initiative”, promove diálogo, compartilhamento de conhecimentos e projetos conjuntos para abordar desafios regionais. (USAID, 2020). 


IMAGENS

Imagem destacada – QUANGPRAHA. Verde Barco Meio Ambiente Peixe. Pixabay. 2018. Fotografia. Disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/verde-barco-meio-ambiente-peixe-3060098/. Acesso em: 01 ago. 2023. 

Imagem 1 – ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA. Mekong River. 2012. Mapa. Disponível em: https://kids.britannica.com/kids/article/Mekong-River/346174. Acesso em: 01 ago. 2023.    

Imagem 2 – UNSPLASH. Soc Trang, Vietnã. 2019. Fotografia. Disponível em: https://unsplash.com/pt-br/fotografias/HVfc9d8cFmA. Acesso em: 10 ago. 2023 

Imagem 3 – FLICKR. Xiaowan Dam. 2019. Fotografia. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/water_alternatives/48827565892/in/photostream/. Acesso em: 10 ago. 2023


REFERÊNCIAS

CHANTRA, Thanikun; CHINUDOMSUB, Pradit. Cohabitation, Cooperation and Competition in the Mekong River Basin. 2021. Disponível em: https://th.boell.org/en/2021/07/19/mekong-cooperation. Acesso em: 23 ago. 2023.

ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA. Mekong River: facts, definition, map, history, & location. 2015. Disponível em: https://www.britannica.com/place/Mekong-River. Acesso em: 05 ago. 2023.

EUROPEAN PARLIAMENT. The Mekong River: geopolitics over development, hydropower and the environment. geopolitics over development, hydropower and the environment. 2019. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/thinktank/en/document/EXPO_STU(2019)639313. Acesso em: 08 ago. 2023.

EYLER, Brian. Science shows Chinese dams are devastating the Mekong. Foreign Policy, v. 22, 2020. Disponível em: https://viet-studies.net/kinhte/ChineseDamsdestroyMekong_FP.pdf. Acesso em: 13 ago. 2023.  

HECHT, Jory S. et al. Hydropower dams of the Mekong River basin: A review of their hydrological impacts. Journal of Hydrology, v. 568, p. 285-300, 2019.

KEANG, Saren. Water Diplomacy in the Mekong. Cambodia Development Review, Nova Deli, v. 24, n. 4, p. 8-14, 2020. Disponível em: https://cdri.org.kh/storage/pdf/cdr20-4e-2_1618301617.pdf. Acesso em: 15 ago. 2023.

MRC. Fisheries. 2020. Disponível em: https://www.mrcmekong.org/our-work/topics/fisheries/#:~:text=The%20inland%20captured%20fisheries%20of,billion%20US%20dollars%20per%20year.. Acesso em: 10 ago. 2023.

ORR, Stuart et al. Dams on the Mekong River: Lost fish protein and the implications for land and water resources. Global Environmental Change, v. 22, n. 4, p. 925-932, 2012.

SIMMONS, Keir et alChinese dams on Mekong River endanger fish stocks, livelihoods, activists say. 2022. Disponível em: https://www.nbcnews.com/news/world/chinese-dams-mekong-river-endanger-fish-stocks-livelihoods-activists-say-n1288720. Acesso em: 23 ago. 2023.

SOUKHAPHON, Akarath; BAIRD, Ian G.; HOGAN, Zeb S. The impacts of hydropower dams in the Mekong River Basin: A review. Water, v. 13, n. 3, p. 265, 2021.

USAID. Mekong-U.S. Partnership. 2020. Disponível em: https://www.usaid.gov/asia-regional/mekong-us-partnership. Acesso em: 23 ago. 2023.

USAID. Wonders of the Mekong. 2017.  Disponível em: https://www.usaid.gov/cambodia/fact-sheet/wonders-mekong. Acesso em: 5 ago. 2023.

VAN ZALINGE, Nicolaas et al., 2004. Second International Symposium on the Management of Large Rivers for Fisheries. The Mekong river system. Bangkok: Fao Regional Office For Asia And The Pacific, 2004. Disponível em: https://www.fao.org/3/ad525e/ad525e0l.htm. Acesso em: 08. ago. 2023.

Giovana Machado

Formada em Relações Internacionais na Universidade Estadual Paulista (UNESP). Tem interesse em Direitos Humanos e Segurança Internacional.

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