A MERCANTILIZAÇÃO DO CLIMA

A MERCANTILIZAÇÃO DO CLIMA

AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Há anos as mudanças climáticas estão mais em voga e vêm causando uma crise que afeta os recursos naturais e o meio ambiente, além do impacto econômico que ainda não pode ser quantificado. Ademais, as alterações climáticas impactam a natureza, resultando em ramificações para as relações sociais, a demografia, o abastecimento de alimentos, o surgimento de novas doenças e o alastramento de algumas antigas, bem como as migrações ambientais (O CONTEXTO…, 2015).

Outro ponto importante é que já não é aceitável rotular todos os eventos climáticos extremos como simples “fenômenos naturais”, uma vez que se tornou evidente que sua intensificação é, de fato, resultado da influência humana sobre o meio ambiente, acarretando um risco existencial de consequências catastróficas caso não seja modificado o quadro atual de degradação (O CONTEXTO…, 2015).

O CAPITALISMO E SEU PAPEL

No livro “Capitalismo e Colapso Ambiental”, Luiz Marques (2015) expõe a ideia de que o capitalismo não leva em consideração o impacto do aquecimento global em suas decisões econômicas estratégicas. A força fundamental que faz com que o mercado funcione não é a lei da oferta e procura, mas sim a lei da acumulação de capital, ou seja, o mercado capitalista é impelido em direção ao crescimento ilimitado, sem subordinar suas metas ao imperativo ambiental. Assim, nota-se que a responsabilidade moral é com seus acionistas e não com o meio ambiente. 

O capitalismo opera sob os condicionantes de duas forças: a “Força Político-Econômica” e a “Força antrópico-inercial”. Nesse processo, a primeira atua como a interface dinâmica onde ocorre o embate e se forja a colaboração entre os três principais elementos do sistema capitalista: o Estado, o capital e a força de trabalho. Já a “Força Antrópico-Inercial” se refere à ausência de um modelo alternativo de desenvolvimento econômico sustentável, o que impõe à “Força Político-Econômica” a contínua operação do sistema capitalista de maneira prejudicial ao meio ambiente e socialmente injusta (Valoez, 2020).

Tendo essa situação em vista, o que pode-se notar é que, ainda assim, esses eventos extremos podem ser utilizados para proteger investimentos e lucrar, que é exatamente o que as “apostas climáticas” fazem.

AS APOSTAS CLIMÁTICAS

Os derivativos climáticos surgiram no final da década de 1990, no setor energético, para controlar flutuações nos riscos relacionados ao clima. “O instrumento de derivativos permite aos usuários “comprar” e “vender” os riscos relacionados ao clima e gerenciar esta nova categoria de risco, que até o momento vinha tendo pouca atenção” (Rodrigues, 2006). Impulsionado em parte pela influência da empresa energética americana Enron, o mercado experimentou uma expansão significativa, atraindo especuladores interessados em investir em instrumentos financeiros fora do âmbito tradicional. 

Mas afinal, como funciona esse tipo de produto financeiro? As grandes corporações de energia, as empresas envolvidas na comercialização de matérias-primas e os fundos de capital de risco demonstram um forte interesse nesse tipo específico de produto financeiro. Elas realizam apostas relacionadas ao clima, visando proteger suas finanças contra adversidades climáticas ou para obter benefícios financeiros (BCC News, 2023).

Assim, para alcançar esse objetivo, as empresas firmam contratos com prazos pré-definidos, alinhados com projeções meteorológicas, com termos negociados individualmente em cada caso. Com isso, após o término do período estipulado no contrato, surgem vencedores e perdedores, com base na evolução das condições climáticas e em como essas condições impactaram setores específicos. Vale ressaltar que os contratos não seguem um formato padrão, sendo elaborados caso a caso, tendo em vista a necessidade de cada participante (BCC News, 2023). Deste modo, o que pode ser ruim para uma empresa de energia pode ser bom para uma empresa de turismo, por exemplo. 

Os contratos futuros de derivativos climáticos são fundamentados em índices meteorológicos devido à natureza altamente específica desse produto. Esses índices podem incluir medições como milímetros de precipitação ou temperatura acumulada em uma localização específica ou em um conjunto de locais. A maior parte das empresas costuma usar um índice conhecido como “graus de calor por dia” ou “graus de frio por dia”, tendo em vista que a temperatura é o índice mais utilizado nesse mercado. Além disso, nota-se que o mercado de derivativos climáticos se tornou mais dinâmico porque existem muitas indústrias com interesses concorrentes em relação ao clima (BCC News, 2023).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É um fato que os desastres naturais e os fenômenos meteorológicos extremos aumentaram nos últimos anos. Com isso, as empresas buscam formas de proteger as suas receitas antecipando o que poderá acontecer no futuro. Como exemplo, pode-se imaginar uma empresa que vende gás. Para ela, é apropriado que faça muito frio no inverno para que seus clientes comprem mais dos seus produtos. Para essa indústria, o fator climático é fundamental no negócio, assim como para o setor agrícola. É cada vez mais frequente ver inundações, secas ou temperaturas extremas afetando plantações e colocando em risco investimentos milionários. 

Com isso, tendo esse cenário em vista, como o clima é difícil de prever, as empresas apostam em diferentes cenários e assinam “contratos futuros” com base nas suas previsões. O lucro acontecerá se sua previsão do tempo for melhor que a de todos os outros, com a limitação de que é uma estratégia utilizada no curto prazo e se trata de uma especulação de alto risco. 

As expectativas do mercado são de que o crescimento desse tipo de negócio se torne mais sustentável, já que as preocupações com as mudanças climáticas e o fornecimento de energia aumentam e as empresas são motivadas a se resguardar contra possíveis perdas por meio do emprego desses contratos futuros. Caso isso ocorra, mais participantes ingressariam na arena, e os investidores realizariam apostas adicionais com base na quantidade de chuva ou nos graus de temperatura de uma determinada região do planeta. “No fim das contas, tudo é negociável, desde que haja um vendedor e um comprador” (BCC News, 2023). 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLANK, Dionis. O Contexto Das Mudanças Climáticas e Suas Vítimas. SciELO, Universidade Federal do Ceará, jul, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/mercator/a/SgzwvyFQvzynyM8ZhdtRzjr/. Acesso em: 28 nov. 2023. 

VALDEZ, Robson. Como o capitalismo associa-se às mudanças climáticas? Outras Palavras, 2020. Disponível em: https://outraspalavras.net/terraeantropoceno/como-nao-associar-o-capitalismo-as-mudancas-climaticas/. Acesso em: 30 nov. 2023. 

O que são as ‘apostas climáticas’, usadas em Wall Street para proteger investimentos ou ganhar dinheiro com eventos extremos. BBC News Brasil, 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cw0ky8rn519o. Acesso em: 26 nov. 2023.

RODRIGUES, Bruno. Modelagem de Séries Temporais Focada na Precificação de Derivativos Climáticos. Coleção Digital PUC Rio, 9196, out, 2006. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=9196@1. Acesso em: 29 nov. 2023. 

KEUCHEYAN, Razmig. Quando a Catástrofe Climática Vira Produto Financeiro. Outras Palavras, 2014. Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/quando-a-catastrofe-climatica-vira-produto-financeiro/. Acesso em: 01 dez. 2023.

MARQUES, Luiz. Capitalismo e Colapso Ambiental. 3ª edição. Editora Unicamp, 2019.

Imagem: BBC News Brasil, 2023

Maya Fernandes Freitas

Nascida e criada em São Paulo e graduanda em Ciências Econômicas pela UFSCar. Tudo que envolve o entendimento de problemas sociais e como superá-los me interessa. Além disso, apaixonada por literatura e esportes.

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