ENTREVISTA COM PROF. DR. LEANDRO FERREIRA

ENTREVISTA COM PROF. DR. LEANDRO FERREIRA

Introdução 

O ano de 2023 evidenciou um cenário preocupante para a humanidade. Os desastres climáticos seguem mais graves e frequentes com o passar do tempo e o aumento da temperatura média global apresenta severos riscos para a vida na terra. Sem uma mudança significativa, estes fenômenos e suas consequências estão prestes a serem irreversíveis. Neste contexto, a COP 28 representa uma das rodadas de discussão mais importantes dentre as Conferências, uma vez que busca concordar transformações significativas no comportamento dos Estados para a mitigação dos danos ambientais e tratar de questões atuais e fortes no contexto da mudança climática, como a transição energética.

Na última semana, como um preparativo para a chegada da COP 28, o Dois Níveis publicou seis artigos que, juntos, constroem nosso primeiro especial 2N Meio Ambiente. Os textos focam nas mais diversas áreas que tratam da mudança climática e das questões ambientais, com enfoque em trazer novas compreensões e abordagens sobre o meio ambiente de maneira inovadora. São eles: (i) COP: história e funcionalidade em um mundo globalizado; (ii) Governança Climática e o Acordo Mercosul-União Europeia: uma análise crítica; (iii) Brasil, RDC e Indonésia: preservação e economia na ‘OPEP das florestas’; (iv) Estado de Violência, exploração ambiental e transição energética no Congo; (v) Crise ambiental para Gaza, coturnos ecológicos para Israel; e (vi) Mudanças Climáticas e o ambientalismo da extrema-direita.

Assim, temos orgulho de encerrar este Especial entrevistando o professor Dr. Leandro Ferreira, referência nas discussões sobre transição energética e inovação tecnológica. O ponto central da entrevista foi compreender como está a situação da transição energética ao redor do mundo, discorrendo tanto sobre questões mais gerais, quanto mais específicas, enfocando também nos países de Terceiro Mundo.

Leandro é Dr. em Relações Internacionais pela PUC Minas e Economia da Inovação pela FSU Jena na Alemanha. Atualmente, trabalha no projeto de pós-doc sobre transição energética no estado de Minas Gerais e como cientista de dados na iniciativa privada. Sua agenda de pesquisa está em torno de CIT — ciência, inovação e tecnologia — e transições sustentáveis. É membro do Sustainability Transition Research Network e membro da comissão de transição sustentável na América Latina.

A Entrevista 

Prof. Dr. Leandro Ferreira: No momento, ainda não há uma abordagem das RI que apresente, de forma sistemática, um estudo acerca do objeto. Isto porque a origem da discussão da transição energética é a partir dos ciclos de inovação, economia industrial, administração e dos sistemas de inovação. As RI têm uma grande dificuldade em absorver discussões de cunho mais técnico e que não envolvam política e negociação. A lógica da transição é sobre tecnologias que melhoram a eficiência na produção e no consumo de tecnologia. São tecnologias que procuram atender as expectativas dos acordos internacionais de redução de emissões de GEE, redução de preço dos produtos, aumento de acessibilidade e um rápido desenvolvimento de pesquisa, desenvolvimento e difusão de um conhecimento compartilhado internacionalmente. Há uma dificuldade no campo em compor uma abordagem que parta de princípios técnicos e objetivos como incidência solar anual, de ventos na região costeira, ou compartilhamento de conhecimento entre experts sobre o assunto, e daí desenvolver um raciocínio para analisar esse processo.

Prof. Dr. Leandro Ferreira: A primeira e mais importante é a conscientização da maioria dos países de que o atual paradigma energético é menos eficiente em várias dimensões, por exemplo: econômica, ambiental, social e política. É compreender que, apesar dos hidrocarbonetos serem mais baratos porque são tecnologias consolidadas, para as atuais demandas crescentes de energia da população mundial, eles não conseguem atender a isso de maneira localizada. Quando os governos passam a assumir que automóveis movidos a gasolina, álcool ou diesel são o passado do setor de transporte, que termelétrica de carvão ou óleo são altamente poluentes e que, ainda que hidrelétricas sejam limpas e renováveis, elas já são o passado longínquo face às inúmeras novas tecnologias, as políticas passam a visar não somente uma diversificação, mas a preservação ambiental.

Uma segunda tendência seria o aumento de incentivos financeiros e fiscais para educação, ciência, inovação e tecnologia, seja pelas vias público ou privada. Para que seja possível uma transição energética, é importante que o alguém “pague a conta”. Esse alguém na maioria esmagadora é o Estado com um aporte menor e menos arriscado por meios privados. Sem incentivo, a colaboração de cientistas, empresas e experts liderados por um planejamento, roadmap1 ou uma política de longo prazo, a transição energética não acontece. E, sobretudo, os países europeus, China e EUA já perceberam essa realidade e hoje investem uma fatia generosa do PIB em tecnologias renováveis. A China, desde 2017, é o principal investidor.

Prof. Dr. Leandro Ferreira: É importante pontuar que, a discussão ambiental, é uma discussão originalmente realizada por países com bom desempenho econômico. Teoricamente, estes países já venceram a barreira do desequilíbrio social e de renda, e por isso podem apresentar novas demandas. Mas nada impede que países com menor desempenho também observem esta tendência.

É possível apresentar alguns níveis dessa discussão. O primeiro grupo e o mais vanguardista seriam os Estados Membros da UE. Para além do aumento no financiamento dessas novas tecnologias desde 2011, a transição energética, digitalização e uso de inteligência artificial fazem parte dos planos, metas e políticas discutidas pela Comissão Europeia. Ou seja, existe um esforço coletivo, colaborativo e de intercâmbio de conhecimentos, técnicas e políticas. Isto acelera muito a transição. Num segundo nível estariam os países com melhor desempenho econômico, como no caso dos EUA e China e outros. O financiamento viabiliza a transição, mas não garante que o conhecimento e técnicas mais atualizadas estejam presentes nestes países, pois eles não fariam parte de um esforço coletivo de aceleração da transição e teriam que lidar sozinhos ou com alguns cooperados nesse objetivo. Num terceiro nível estariam as potências médias, BRICS, AL ou todas essas agremiações, grupos e regiões que têm sua relevância garantida na política internacional dada a sua região ou reputação. Mas com um desempenho econômico moderado e com discussões acerca dos ODS ou iniciativas internacionais nesse sentido, ainda muito poluída por ignorância e ideologias que não sabem lidar com estes problemas. Já num quarto nível, localizaria os países de fato com baixo ou péssimo desempenho econômico e com dificuldade em produzir CIT — ciência, inovação e tecnologia — de ponta ou mesmo cooperar ou participar de esforços que estejam nesta vanguarda. Este seria o caso de alguns países africanos e latinos, países ilhas… entre outros.

Prof. Dr. Leandro Ferreira: Seria um exercício de futurologia. Mas o que poderíamos observar e pontuar é que a transição energética leva como pressupostos emissões de GEE, que por sua vez, só é discutida pela presença do que chamamos de efeitos nocivos e destrutivos das mudanças climáticas. Há uma tendência internacional, seja liderada por Marx, Wallerstein e companhia, de pensar a lógica centro periferia. É uma explicação que corrobora com a lógica capitalista de egoísmo e exploração, o que nesse caso faz sentido até um certo ponto. As mudanças climáticas não estão localizadas em região ou país. Diferente de alguns pares, gosto de partir da lógica que ela tem origem e efeitos internacionais. Portanto, ainda que um país ou outro garanta tecnologias para melhorar a performance energética do país com mais acessibilidade, preços baixos e tecnologia verde de ponta, este poderia até garantir uma melhora temporária local. Contudo, os países do último nível que abordei, ficariam em situação desfavorável e continuariam do mesmo jeito, sofrendo as consequências do clima e seu cruzamento com a pobreza e baixo desenvolvimento humano, o que implicaria na perpetuação da elevação da temperatura, perda de biodiversidade ou outros cenários e características nefastas apontadas, incansavelmente, nos relatórios do IPCC.

Por essa razão, hoje em dia já se discute também a transição justa. Uma abordagem dentro dos estudos de transição que busca identificar e pluralizar o debate da transição. O esforço é descentralizar a ideia de uma transição com bases exclusivamente de CIT, e se esforçar para apresentar também alternativas pouco teóricas, sem metodologias e práticas para garantir que a população rural ou afastada de centros urbanos, ou metrópoles possam também usufruir dos avanços tecnológicos. É identificar, como é o caso do Brasil, que a desigualdade de renda ainda é um fator relevante e que o novo paradigma energético deve levar isso também em consideração. É refletir que muitos países africanos com alto índice de corrupção talvez não consigam estruturar políticas de médio a longo prazo para que de fato uma transição aconteça.

Prof. Dr. Leandro Ferreira: É um tema central na discussão de transição. O mercado de carbono sempre coloca a ironia do comércio de um bem que não houve redução do seu uso, mas somente sofreu aumento ou queda de preço. O mercado de carbono permanece existindo com as bases semelhantes a depender da região ou dos acordos. No caso europeu, há um esforço de garantir que a compra do crédito de carbono seja acompanhada de um compromisso com iniciativas sustentáveis de reflorestamento, proteção da biodiversidade, entre outras. Seria o que a sigla ESG pretende afirmar. O International Renewable Energy Certification Standard (I-REC) é uma iniciativa importante e que dialoga com o mercado de carbono e a transição energética. O objetivo é rastrear o consumo das empresas identificando o perfil do tipo de energia consumida, se limpa ou suja, por exemplo. Quando uma empresa consegue comprovar 1 unidade de REC, ainda que ela participe do sistema compensatório do mercado de carbono, ela demonstra seu compromisso em transicionar. Para alguns, a compensação pode até ser uma política para inglês ver. Mas para mim é uma forma de garantir aceleração e meios dos países em propor arranjos Net-zero. A propósito, Net-zero significa que a instituição ainda emite GEE, mas consegue comprovar seu consumo com os REC ou compensará as emissões de alguma forma.

Prof. Dr. Leandro Ferreira: As políticas de transição em si têm baixa adesão da população e do senso comum. São políticas com menor impacto no curto prazo e que não aliviam ou melhoram as condições nefastas de alguns países e populações. Ademais, em países com índices de fragilidade estatal alta, o fator corrupção, seja ele da forma como ocorrer, terá maior presença. Do ponto de vista geopolítico, a transição energética é sobre uma corrida tecnológica em busca de alternativas mais eficientes de se proteger o meio ambiente e promover energia a um preço baixo e difundido. Os problemas que a RDC enfrenta são anteriores à lógica da transição energética. São características temerárias e estruturantes do país. Há uma tendência do internacionalista em acreditar que as tecnologias sempre existem como meros efeitos do conjunto político das discussões. Na verdade, elas sempre tiveram, e hoje em dia têm ainda mais, um potencial de colocar elementos técnicos e objetivos no centro da política pública. A variável está mais para qual o valor do financiamento, número de universidade e pesquisadores, empresas, planos de coordenação advindos do Estado do processo, entre outras, do que sobre um esforço para lidar com problemas crônicos de países que já estão em situações há muito desvantajosas ou mesmo destrutivas. Elas podem ser um excelente aliado na resolução do problema. Mas, hoje em dia, com a presença massiva de tecnologia em quase todos os hábitos e atividades, dificilmente ela seria a via principal de um problema latente como este da RDC.

Já do ponto de vista da segurança internacional. O efeito principal é a disponibilidade de formas de energias diferentes para setores diversos de um país. É possível observar isso a partir de três paradigmas: independência, dependência ou interdependência. Do meu ponto de vista, não existe independência energética. Ainda que um país produza a sua própria energia e alimente mais de 80% das atividades econômicas e sociais, blecautes técnicos, tsunamis como os de Fukushima, os acidentes diversos podem ocorrer. O backup é sempre importante. A dependência já é um fator observado com maiores evidências. É o caso da porção centro-europeia em relação à Rússia e à Ucrânia. Seja porque o maior parceiro comercial e que abastece mais de 30% dos países é externo, ou seja, porque as linhas de transmissão do produto estão em regiões conflitivas, Alemanha e seus vizinhos dependem da manutenção de um grande jogo de cintura e acordos além da transição energética para garantir o fluxo do bem.

Finalmente, o que se tem observado é uma frequência cada vez maior de linhas de transmissão interdependentes entre países vizinhos por uma razão técnica e nada política. Enquanto o paradigma dos combustíveis fósseis é consistente e confiável e tem menor incidência de blecautes ou interrupções, as novas tecnologias de energias renováveis não são assim. Solar existe enquanto o sol brilha, e eólica existe enquanto venta. Ainda que existam tecnologias de estocagem de vento ou sol artificial, a eficiência ainda é baixa e blecautes ocorreriam com maior frequência anual, ou ainda, a energia não teria potência suficiente para viajar longas distâncias sem uma infraestrutura cara e robusta. Daí, criam-se redes de transmissão compartilhadas entre os países vizinhos para facilitar que, por exemplo, localidades ao sul não dependam de fontes ao norte, ou o inverso. Ou mesmo que a extensão da latitude de um país impossibilite a geração e transmissão solar. Ou ainda que a depender da corrente marítima e de ar ao redor da Terra, os aerogeradores não funcionem, mesmo que posicionados corretamente e não sofram com acidentes diversos.

O que venho tentando afirmar é que quando se trata de transição energética, os desafios são muito diferentes da tradicional, balança de poder, centro, periferia ou conjunto de normas e regras. As abordagens tradicionais das RI não preveem que elementos tão simples, como a posição do sol, impactariam tanto na formação de uma política nacional ou internacional.

Prof. Dr. Leandro Ferreira: O norteador da cooperação internacional é viabilizar que todos os países possam mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Em menor frequência, também a adaptação com a alteração da instalação de plantas de energia ou mesmo cidades de energia inteligentes. Desde 2014, na COP-20, é possível observar como a discussão sobre meio ambiente tem se transformado numa discussão sobre tecnologia e, sobretudo, do setor da energia. No mundo, a energia é responsável por mais de 60% das emissões. Se o objetivo é lidar com clima, a metodologia precisa ser a partir daquilo que mais tem impacto. Desde 2018, a discussão de transição, a partir do acesso a financiamentos internacionais, colaboração técnica internacional e arranjos políticos para promoção das energias renováveis, tem povoado diversos fóruns internacionais. Desde as COPs até, mais recentemente, o Fórum Econômico Mundial. Portanto, estaríamos num segundo momento da discussão de transição. O primeiro se encerra em 2018, antes do boom de artigos científicos e políticas experimentais de economia circular e modelos de transição industrial. Agora observa-se uma publicização generalizada, da transição. As OI, cada uma à sua maneira e agenda, contribuem pontuando desafios consequentes e peculiares da transição.

Prof. Dr. Leandro Ferreira: Alemanha, França, China e EUA.

Prof. Dr. Leandro Ferreira: Fraco e desanimador. O país com melhor desempenho, até mesmo superior a países que fazem parte do cerco europeu, como Portugal e Espanha, é o Uruguai. Isto porque, a prática de mudar o setor energético está baseada em políticas de digitalização e inteligência artificial desde o começo da década de 2010 no país. É tradicional que os países da América do Sul tivessem uma preferência pela manutenção do paradigma energético, por que, no final das contas, ele é majoritariamente hidrelétrico. O que indica ser mais renovável e limpo que o modelo de outros países. No entanto, como mencionado antes, a transição energética é baseada na aceleração do compartilhamento de novas tecnologias de energias renováveis, com grande influência da I.A. e da digitalização.

Mas para garantir um investimento maior nesse tipo de paradigma energético, é necessário rearranjar todo o modelo de investimentos de um país, passando a destinar maior orçamento para a infraestrutura, energia, meio ambiente, e ciência e tecnologia. Em muitos casos, até mesmo no Brasil, a população sofre com a ausência de condições básicas para viver. Fome, falta de moradia e alta diferença salarial são características de muitos países da América do Sul. O que não justifica o baixo investimento, porque o plano de transição é de médio/longo prazo, mas explica parcialmente os desafios da região.

Já para o Brasil, o cenário foi desafiador nos últimos 6 anos. De um lado temos pesquisadores e empresas de altíssima qualidade, como Eletrobras e Petrobras, que poderiam ser mobilizadas para um plano de transição, tomando como exemplo o modelo holandês, francês e dinamarquês. Isso daria ao governo brasileiro um domínio sobre a transição energética que é mais de 80% dependente da mão do Estado. É assim, pois as tecnologias renováveis são menos consolidadas, e necessitam de maior atenção e controle para que os benefícios dos altos investimentos sejam distribuídos para a sociedade. Mas do outro lado, tivemos uma ausência generalizada de controle da máquina pública para criar, planejar e manter esse tipo de política pública. Tenho acompanhado há algum tempo a Política Nacional da Transição Energética – PONTE – de 2021 na Câmara dos Deputados, e ela dispõe de políticas importantes, mas ainda muito genéricas e pouco impactantes para o setor energético brasileiro. Além de que o governo passado não tinha como prioridade alguma a proteção e o uso sustentável do meio ambiente. Em 2023, a política caminhou bastante, apesar do tempo que ficou estagnada em 2022. Mas dada a tendência que temos observado no cenário internacional, o Brasil, por ter um potencial energético renovável muito superior à maioria dos países, poderia estar avançado e já num processo de constante substituição do potencial hidrelétrico por eólica ou solar.

Prof. Dr. Leandro Ferreira: Itaipu tem uma importância singular dada a matriz de produção de energia elétrica. Ela abastece o Brasil com 9% e mais 80% da eletricidade do Paraguai. No Brasil, ela garante as atividades do sul e sudeste brasileiros, junto de Furnas e demais usinas locais. No Paraguai, ela abastece quase que a totalidade do território da porção leste.

O principal ponto da renegociação é a divisão do produto gerado. Cada país tem direito a 50%, mas somente o Brasil faz o uso completo da metade. O excedente da metade paraguaia é vendido ao Brasil, o que garante preço e ciclo produtivo da energia da usina. No entanto, o assunto é sensível, na medida em que os anteriores governos paraguaios já haviam sinalizado há algum tempo o desejo em vender o excedente para outros países. A receita paraguaia com Itaipu é em torno de 10 bilhões de dólares, enquanto que para o Brasil, o custo é em torno de 80 bilhões. A manutenção das condições do acordo são desvantajosas para o Brasil, o que coloca o país numa situação de renegociar, mas sem ceder tanto aos desejos paraguaios. Ao mesmo passo em que a venda do excedente deve ser rediscutido como manda o acordo.

O setor energético pode ser um objeto que contribua com a integração sul-americana. No entanto, para que seja efetivo é necessário muito mais que somente a nacionalidade de uma usina, ou acordos de energia. O setor energético é muito diversificado em qualquer país, pois é chave para o desenvolvimento da economia e manutenção das atividades de um país no século XXI. Sem energia, não tem internet. Sem internet, não sobra muito o que fazer hoje em dia. Fora o sarcasmo, para uma integração mais profunda entre os países a partir de uma usina de eletricidade, o que mais contaria seria o alinhamento rediscutido no acordo. Ainda que eu não acredite que um setor garanta isso, discordando de algumas teorias de integração, só o esforço em rediscutir os termos com base na drástica mudança contextual depois de 5 décadas já sinaliza um gatilho importante. Mas daí, para aprofundar a cooperação, seria necessária uma integração nos setores de digitalização e I.A., os quais têm sido a base da transição energética.

Prof. Dr. Leandro Ferreira: O segmento petroleiro tem uma irônica importância. A história tradicional seria o esforço do setor no sentido contrário ao da transição. Se a trilha é menos carbono e mais renováveis, o petróleo e derivados acabariam perdendo muito espaço no mercado local ou internacional de energia. Sobretudo, com a eletrificação do setor de mobilidade, com carros, ônibus e caminhões elétricos, isso sinaliza para uma destruição criativa do setor, com a saída de empresas consolidadas e seguras na geração de energia, mas que, ao mesmo tempo, dadas as atuais missões políticas e sociais, seriam escamoteados. É o que temos visto constantemente ocorrendo. Foram várias as empresas de garagem que passaram a servir como ofertadores de mini-usinas solares residenciais. O que contribuiu para a queda do preço da instalação e aumento do compartilhamento da solar na matriz brasileira. De fato, as 4 irmãs, Shell, Texaco, Exxon Mobil e British Petroleum, e até mesmo a Petrobras, perderam mercado.

A parte irônica é que, na mesma medida em que perdem mercado, essas grandes empresas, por terem recurso e confiabilidade do mercado internacional, passam por um processo de rebranding2 (pela ausência de um termo melhor). De companhias de petróleo, passam a ser empresas de energia. Parece pouco, mas a principal estratégia é sofrer com a queda da receita do petróleo, mas investir em pesquisa e inovação de energias renováveis.

Logo no início de 2023, com as profundas discussões sobre o papel da Eletrobras e Petrobras no Brasil, esta última passou a investir pesado em tecnologias sustentáveis para a mitigação das mudanças climáticas. O projeto é uma cópia da Dutch Shell, mas a tática é a de reacender a importância das empresas na opinião pública no Brasil, após anos de sucessivos escândalos e problemas, e, para além de acompanhar a tendência internacional, se colocar como empresas pública que assumirá os riscos oriundos de uma transição energética. É se colocar na margem da fronteira tecnológica de inovação em energia, digitalização e I.A. e garantir ao Brasil a posição de país parceiro nas discussões ambientais e, mais do que nunca, de um player3 importante na transição energética mundial e no combate às mudanças climáticas.

Prof. Dr. Leandro Ferreira: A energia, é um objeto de discussão muito importante e que, na esteira das teorias pós-modernas de RI, foi sendo colocada na margem e assumindo um papel irrelevante. Isto ocorreu porque energia é um objeto material. Ainda que existam discursos quanto à forma da política, 50 Watts serão sempre os mesmos em qualquer lugar do mundo, e melhorar a eficiência para um uso sustentável, acessível e que multiplique o PIB é uma tarefa inicialmente científica. A discussão política no campo da energia só inicia ou se existirem tecnologias que de fato consigam contornar os desafios, ou se existirem propostas coletivas de longuíssimo prazo para a produção de protótipos capazes de viabilizar as mudanças que se almejam.

No entanto, temáticas como energia, digitalização, IoT4, I.A entre outras, passam a ter uma centralidade pesada na política internacional. Todos os recursos aos quais somos dependentes para viver têm, em sua construção, uma dessas tecnologias ou até mesmo todas. E estudar estes efeitos, impactos, desafios e dinâmicas, requer muito antes a compreensão dos elementos técnicos envolvidos.

Finalmente, uma dica que deixo para os profissionais de RI que, assim como eu, gostam de tecnologia e energia é: atentem-se às funcionalidades que o seu smartphone tem. Isto oferece pistas importantes sobre as tendências mais relevantes do uso da tecnologia para a política internacional. A penúltima grande discussão foi o 5G da China e dos EUA. Atualmente, vivemos um debate acerca da legislação das I.As. Mais adiante, por causa dos metais raros, acompanharemos uma discussão sobre as baterias de qualquer dispositivo eletrônico. Então, procure saber os atores envolvidos e como a discussão tem se desenvolvido. Há uma altíssima probabilidade de que estas discussões impactem a forma em que vivemos no nível mais íntimo do dia a dia, de usar uma rede social, postar uma foto ou rolar um feed.

Notas de rodapé

  1. Roteiro, planejamento, mapa. ↩︎
  2. Reformulação da marca em busca de uma nova identidade, podendo envolver troca de logo, design ou elementos identificativos. ↩︎
  3. Jogador ↩︎
  4. Internet das Coisas — uma rede de interconexão de objetos capazes de se conectar à internet. ↩︎

Talita Soares

Formada em RI pela UFG, leitora nas horas vagas.

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