ROMÊNIA: O CONTEXTO HISTÓRICO DO COMUNISMO À DEMOCRACIA

ROMÊNIA: O CONTEXTO HISTÓRICO DO COMUNISMO À DEMOCRACIA

Bandeiras da Romênia e da União Europeia – Foto: Michel Bossart/Reprodução: Pixabay

O dia 25 de dezembro de 1989 foi um Natal peculiar na Romênia. Em plena celebração do nascimento de Jesus Cristo, os romenos viveram o fato mais marcante de sua história: o fim traumático do governo de Nicolae Ceausescu, que governou o país por duas décadas e meia e acabou executado em praça pública junto com sua esposa Elena, no mais violento dos atos que enterraram a queda dos regimes comunistas no Leste Europeu.

Essa nova fase acendeu o sentimento de esperança na população após o episódio conhecido como Revolução Romena, que seguiu os movimentos ocorridos em países como Polônia, Hungria e Tchecoslováquia, depois da queda do Muro de Berlim, que reunificou a Alemanha. Esperava-se principalmente mais liberdade, melhores condições de vida e a tão sonhada democracia. 

Passadas três décadas, a consolidação total da democracia ainda é um desafio, e este artigo irá analisar os fatos que levaram a Romênia ao cenário atual e o que é esperado para o futuro dos romenos em termos institucionais. Mas inicialmente cabe explicar aqui um pouco mais sobre o país analisado e seu contexto histórico.

Onde está a Romênia?

A Romênia é o maior país da Península dos Bálcãs, na Europa oriental, e fica às margens do Mar Negro, a Sudeste. Faz fronteira com a Bulgária, a Sérvia, a Hungria, a Ucrânia e a Moldávia. Bucareste é a capital e a maior cidade. O país tem 19.754.000 habitantes (estimativa de 2016) e área de 238.391 km2 (ESCOLA BRITANNICA).

Imagem: Mapa Mundi

No sistema político, a Romênia adota um regime semipresidencialista, em que o chefe de governo é o primeiro-ministro e o chefe de Estado é o presidente. O Poder Executivo é exercido pelo governo e pelo presidente (UNIÃO EUROPEIA). Atualmente, Klaus Iohannis é o presidente e Florin Citu é o primeiro-ministro.

A ascensão do Comunismo

Na década de 1940, os romenos, ainda sob uma monarquia comandada pelo Rei Carlos II e depois pelo filho Miguel I, veem seus monarcas renunciarem ao trono, deixando o poder para o então primeiro-ministro, Ion Antonescu, reflexo da ascensão do Partido Comunista. Assim, foi criada a República Popular da Romênia, inicialmente alinhada aos ideais da União Soviética. 

O Partido Comunista ficou no poder de 1947 a 1989. Inicialmente, a Romênia, adepta do bloco socialista da Guerra Fria, isolou-se não apenas do mundo ocidental, mas também da Romênia do passado que tentou veementemente conectar-se com o mundo moderno do ocidente e ser uma moderna civilização (CAPTIVATING HISTORY, 2021, p. 152).

“O comunismo tentou modernizar o país, mas os métodos usados foram baseados no modelo soviético. Os líderes do Partido Comunista da Romênia não estavam dispostos a fazer nenhum ato de concessão com a população e afastaram os cidadãos sobre quaisquer discussões.” (Idem, 2021, p. 152, tradução minha). 

Contudo, líderes do Partido Comunista enxergavam cada vez mais a necessidade de seguir um modelo comunista próprio, menos dependente da influência soviética, mesmo sabendo dos riscos. Gheorghiu-Dej, secretário-geral do Partido Comunista, primeiro-ministro e presidente do país, foi peça chave nesse processo na primeira metade da década de 60 (Idem; 2021, p. 154). 

A Era Ceausescu

Nicolae e Elena Ceausescu – Foto: Ion Chibzii/Reprodução: Flickr

A morte de Gheorghiu-Dej, em 1965, provocou uma inevitável disputa pela sucessão como secretário-geral do Partido Comunista, cargo que respondia pelo status de um chefe de governo. No final, fechou-se um compromisso em torno de Nicolae Ceausescu, então com 47 anos, o mais jovem líder comunista do mundo e um fiel discípulo de Gheorghiu-Dej. Inicialmente, ele se preocupou em consolidar seu poder e reduzir o de seus rivais, especialmente os da antiga geração (RIVERS, 2018, p. 28).

Em 1974, Ceausescu tornou-se presidente e o país passou a se chamar República Socialista da Romênia. Sua popularidade aumentou, bem como o número de países com os quais estabeleceu relações diplomáticas (de 1965 a 1985, os países que mantinham relações com a Romênia passaram de 67 para 138). Outras marcas foram a postura de um líder cada vez mais independente, embora comunista, nos moldes do general Joseph Tito, da Iugoslávia, além da figura do culto à personalidade (Idem, 2018, p. 44). 

Mas os caprichos de Ceausescu custaram caro, e todo esse lado populista mudou radicalmente e o então líder aparentemente carismático passou a mostrar um caráter autoritário, especialmente na década de 80, diante da insatisfação popular com a drástica situação econômica e social do país, que culminou em restrições à liberdade de expressão e a represálias contra aqueles contrários às suas políticas (Idem, 2018, p.44). 

Para reforçar esse lado de Ceausescu, Wonka (2021, p. 15) relata o sentimento das pessoas ao mencionar o relato de Tom, um missionário religioso que se arriscou a viajar para a Romênia, sintetizando a sensação de insegurança que predominava naquele país sob o comando do ditador romeno.

 

“(…) Todos que se recusaram a obedecer suas políticas, leis e ideias eram tratados como criminosos. Pessoas que seguiam a Jesus não tinham nenhuma liberdade e precisavam se encontrar secretamente com seus irmãos em Cristo para cultuar e estudar a palavra de Deus” (WONKA, 2021, p. 15).

Mesmo em um momento em que os países do leste europeu conviviam com a queda de seus regimes, nada foi suficiente para sensibilizar Ceausescu nem fazê-lo repensar algumas linhas ideológicas. Pelo contrário, apesar da insatisfação cada vez mais acentuada dos romenos, ele mantinha seu discurso fingido de crescimento econômico, o que não era nenhum pouco notório quando, na contramão, via-se uma população infeliz (DUARTE, 2018, p. 85).

A chegada de uma revolução era apenas questão de tempo, pois fatos como a queda do Muro de Berlim e a renúncia de Mikhail Gorbachev ao comando da União Soviética eram um prenúncio do que estava por vir na Romênia com o fim da Guerra Fria. Ceausescu ainda tentou combater os rebeldes com repressão, mas o cerco a ele se fechava cada vez mais (Idem, 2018, p. 85).

“Fanático ideológico, Ceausescu, completamente irrealista, incapaz de entender que a sociedade romena já não aguentava o seu regime ditatorial, continuou a acreditar que este tem uma substancia real e que a sua personalidade representa ‘o futuro brilhante da humanidade’ – apesar da miséria generalizada, do colapso económico e do desespero por parte da sociedade civil, ele continuava a acreditar que poderia sobreviver politicamente, determinado a recorrer a quaisquer meios para se salvar.” (DUARTE, 2018, p. 85).

Os protestos que começaram em dezembro de 1989 em Timisoara, promovidos por estudantes em uma das principais cidades universitárias do país, logo se alastraram pelo país e chegaram a capital Bucareste, onde a situação de Nicolae Ceausescu era insustentável e assunto no noticiário internacional, embora o governo tenha tentado restringir os meios de comunicação. No entanto, a situação daquele país chegou a um nível em que nem o Exército, que até então foi responsável por diversas mortes de manifestantes, não se opôs. A autoridade de Ceausescu era inócua e ele e sua esposa Elena tentaram a fuga como último recurso, mas foram capturados e executados (Idem, 2018, p. 90). 

A transição para a democracia

Depois de meio século sob o monopartidarismo (leia-se Partido Comunista), o pluripartidarismo estava de volta à Romênia, seja com legendas históricas restabelecidas ou com grupos doutrinários que abraçavam a defesa de diversas causas. Em 1º de fevereiro de 1990, um mês após o fim da revolução romena, já haviam 30 partidos legalizados. Mas o país ainda passaria por uma fase de grandes turbulências políticas na década de 1990 (DUARTE, 2018, p. 92).

Ion Iliescu foi o primeiro presidente eleito pós-regime, que liderou uma formação política provisória logo após o fim da Era Ceausescu. Ele venceu o pleito presidencial em maio de 1990 por essa formação que se registrou como partido e que enfrentaria nova prova de fogo contra protestos capitaneados por outros partidos que não aceitariam facilmente essa derrocada diante da ausência de líderes de maior peso político e que adotaram o discurso anticomunismo, com uma linha ideológica pró-ocidente, mas defendendo a volta da monarquia (Idem, 2018, p. 93).

Rose (2002) cita uma pesquisa feita em 1993 que mediu o sentimento em relação ao sistema antigo e atual de governo. O estudo mostra que, apesar de ainda haver resquícios da população ligados ao passado comunista, as perspectivas para o futuro eram maiores. Se por um lado, 33% dos romenos aprovaram o velho regime comunista, o otimismo quanto ao regime da época e ao futuro eram maiores: 60% na época eram a favor do atual modelo e 77% de um regime democrático para os próximos anos.

Viorica Dancil, ex-primeira-ministra – Foto: European Committee of the Regions

Em 2004, a Romênia passou a integrar a Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN). Três anos depois, em 2007, entrou para a União Europeia, graças aos avanços institucionais em seu sistema político e ao desejo de crescer economicamente. E o discurso pró-democrático tem feito parte do esforço romeno nos últimos anos, rendendo ao país, pela primeira vez, a presidência semestral da União Europeia, em 2019, mesmo diante de preocupações com as medidas do governo para promover reformas anticorrupção. “Vamos mostrar que a Roménia merece o respeito da Comunidade Europeia”, disse Viorica Dancil, ex-primeira-ministra, ao assumir o comando do bloco (EURONEWS, 2019).

Há dois anos, Stefan Mera, que ocupou o cargo de embaixador da Romênia no Brasil até meados de 2021, também fez questão de enfatizar a defesa da democracia ao lembrar dos 30 anos da Revolução Romena (EMBASSY NEWS, 2019).

“Qualquer descuido pode dificultar o avanço de qualquer sociedade. O resultado do regresso da democracia verdadeira foi o ingresso da Romênia na Otan em 2004 e na União Europeia em 2006, reconhecimento não só simbólico do caminho percorrido desde a revolução, mas o marco de integração plena e consciente no mundo democrático.” (Idem, 2019). 

Klaus Iohannis, presidente da Romênia – Foto: Nuta Lucian/Reprodução: Flickr

Considerações finais

A Romênia ainda vive alguns fantasmas do passado e algumas questões precisam ser esclarecidas, como os crimes ocorridos no passado na Era Ceausescu, sendo que alguns até hoje não foram elucidados e muitos foram prescritos. Além dos familiares das vítimas das atrocidades do ditador que ainda esperam por justiça, mesmo depois de várias décadas longe do regime comunista.

Voltando aos tempos atuais, a democracia frequentemente é posta à prova. O país ainda se vê às voltas com notícias sobre corrupção e as medidas para combatê-la geram preocupação na comunidade internacional, como ocorreu no ano passado com a demissão do primeiro-ministro Ludovic Orban, pelo Parlamento do país, acusado de tentar modificar a lei eleitoral por conta própria. 

Mas há de se reconhecer os avanços institucionais  no país, que há três décadas realiza eleições presidenciais e parlamentares e o comunismo de fato ficou no passado. A transição de uma ditadura para uma democracia gera medo, desconfianças e incertezas, mas também otimismo e expectativas em relação ao futuro. Claro que os romenos ainda não têm a melhor situação econômica, mas graças à população todo esse processo que teve início há mais de 30 anos teve continuidade e resistiu bravamente às tentativas de manutenção do comunismo. E esse fator certamente foi fundamental para a situação institucional nos dias atuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Eva Wonka Lopes de. Por trás da Cortina de Ferro: memórias de missionários no Leste Europeu / Eva Wonka Lopes de Andrade; tradução de Gustavo N. Bonifácio. ― Campinas: Wonka, 2021. Edição do Kindle.

CAPTIVATING HISTORY. History of Romania: A Captivating Guide to The History of Romania and Vlad the Impaler. – Captivating History, 2021. Edição do Kindle.

DUARTE, Olímpia Corina Farcas. A Romênia na transição e democratização na Europa de Leste. Disponível em <https://run.unl.pt/bitstream/10362/65285/1/Tese%20Mestrado%20Olimpia%20Corina%20Farcas%20Duarte%202018.pdf>. Acesso em 18/08/2021.

EMBASSY NEWS. Romenos enaltecem a democracia. Disponível em <https://embassynews.info/romenia-enaltecendo-a-democracia/>. Acesso em 19/08/2021.

ESCOLA BRITANNICA. Disponível em <https://escola.britannica.com.br/pesquisa/artigos/Rom%C3%AAnia>. Acesso em 20/08/2021.

EURONEWS. Romênia lidera UE, mas recebe avisos sobre democracia. Disponível em <https://pt.euronews.com/2019/01/11/romenia-lidera-ue-mas-recebe-avisos-sobre-democracia>. Acesso em 21/08/2021.

RIVERS, Charles. Nicolae Ceaușescu: The Life and Legacy of Romania’s Notorious Dictator during the Cold War. Charles River Editors, 2018. Edição do Kindle.

ROSE, Richard. Medidas de democracia em surveys. Disponível em <https://www.scielo.br/j/op/a/X8q9nTJjRjQVNyYyCwdV68L/abstract/?lang=pt>. Acesso em 24/08/2021.

UNIÃO EUROPEIA. Sítio oficial em português. Disponível em <  https://europa.eu/european-union/about-eu/countries/member-countries/romania_pt>. Acesso em 17/08/2021.

IMAGENS

BOSSART, Michel. Disponível em https://pixabay.com/pt/photos/rom%c3%aania-eu-bandeiras-europa-3387522/. Acesso em 23/08/2021.

CHIBZII, Ion. Disponível em <https://www.flickr.com/photos/ion_chibzii/>. Acesso em 26/08/2021.

EUROPEAN COMMITTEE OF THE REGIONS. Disponível em <https://www.flickr.com/photos/cor-photos/>. Acesso em 26/08/2021.

LUCIAN, Nuta. Disponível em <https://www.flickr.com/photos/nutalucian/>. Acesso em 27q08/2021.

MAPA MUNDI. Disponível em< https://www.mapa-mundi.org/>. Acesso em 24/08/2021 

Pablo de Deus Ulisses

Jornalista e estudante do 5° semestre de Relações Internacionais na Estácio de Sá.

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